As comemorações dos rituais de passagem nas etapas da vida da criança devem ser significativas e adequadas à cada faixa etária
“Olá! Por favor, me ajudem. Preciso de textos para formatura de Educação Infantil. Onde posso encontrá-los? Texto de abertura, orador, juramento etc. Ou que falem sobre crianças de um modo bonito e carinhoso…” “Preciso de mensagens de agradecimento para uma formatura de Educação Infantil. Mensagem de agradecimento feita pelas crianças e feita pela professora. Se alguém tiver uma ideia, um texto pronto…”
As mensagens acima foram encontradas na internet. Elas nos fazem pensar, pois temos visto muito investimento na cerimônia de formatura dos pequenos. Beca, diploma, discursos (mensagens prontas!), além, é claro, do empreendimento financeiro, muitas vezes, bem alto. Muitas escolas festejam a saída das crianças pequenas da escola ou da creche com cópias de eventos de formatura de adultos. A tradição dos importantes rituais de passagem tem perdido o a escola. Afinal, estes primeiros anos de escolaridade foram momentos de descobertas significativas e de convívio intenso. É necessário também deixar registros ou “marcas” para que as crianças
A sentido de facilitadores na preparação do indivíduo para as mudanças. É natural querer festejar este momento com as crianças que foram promovidas e que deixarão pequenas e seus pais possam revisitar esta época da vida. Mas é de se perguntar sobre a adequação e o sentido da cerimônia de formatura da educação Infantil. Becas, diplomas, o que simbolizam? Ora, as becas são usadas pelos funcionários judiciais, catedráticos e, quando muito, por formandos de grau superior. Atualmente apenas alguns cursos tradicionais fazem uso da beca. O diploma atesta uma habilitação, confere um grau. Os diplomas estão associados à outorga de cargos e privilégios nas sociedades aristocráticas. São estas as marcas que queremos deixar para as crianças de 3 ou 5 anos!?
A cerimônia de formatura é reconhecidamente maçante, demora muito e é repetitiva. E os discursos não refletem a vivência escolar das crianças, marcada por experiências tão variadas quanto singulares. Parece mais uma vez que ocorre uma “colonização” da vida infantil pelos modos e costumes da vida dos adultos, desconsiderando a infância com suas peculiaridades e características e valorizando o universo adulto em detrimento do infantil.
Pesquisadores como Manuel Sarmento1 atribuem a este fenômeno o nome de “adultocentrismo”. Temos visto isso com frequência, não é? Não estaria este fator atuando nas nossas decisões sobre as cerimônias de formatura? O que faz sentido para as crianças do grupo a passagem de nível escolar? Como estão vivendo este momento? O que os pais pensam sobre isso? O que vêm conversando com as crianças? Que ideias estão vinculadas ao Ensino Fundamental? Provas! Recreio? Lição! Não seria interessante conversar sobre isso com eles? Estas são boas perguntas para planejar o fim de ciclo, afinal olhar para as particularidades de um grupo e de seus participantes é sempre um bom princípio a seguir em educação.
Boas ideias
O registro da vida escolar deve ser um elemento de discussão e de planejamento com os profissionais. Há escolas que organizam um portfólio de cada criança a cada ano. Estes atuam na construção da identidade, registram a história da vida das crianças e também do grupo. E que alegria consultar mais tarde estes “álbuns”! Rever a foto com os amigos, as produções significativas, o processo pessoal de aprendizagem, as vivências, os passeios! Outro aspecto digno de reflexão é a continuidade da convivência do grupo. Para onde irão? Como poderão manter contato? No caso de irem para a mesma escola permanecerão juntos? Há escolas que organizam passeios sistemáticos com as famílias dos grupos das crianças, o que possibilita o estabelecimento de laços entre os familiares que ultrapassam o enquadramento escolar.
Também quando as crianças passarão a frequentar uma ou mais escolas do bairro é muito importante criar elos visando a assegurar uma boa passagem e adaptação ao novo ambiente. Organizar uma visita? Fazer uma atividade em comum com os colegas? As regras de funcionamento da nova escola podem ser apresentadas para as crianças e seus familiares? E finalmente como planejar uma confraternização que faça sentido e fuja do convencional? Certamente trocar ideias com as crianças é um bom caminho. Um almoço conjunto? Um piquenique? Um acantonamento na escola? Uma ida ao cinema? Um lanche bem gostoso feito por elas para os pais? Para os menores? Em todo caso, priorizar a “convivência”, mais do que o “evento”, pode ser um bom jeito de celebrar e deixar marcas realmente significativas.
(Eliana C. Sisla – Lica -, psicóloga, consultora de projetos sociais e formadora em gerenciamento nos projetos de formação continuada do Instituto Avisa Lá)
1 Doutor em Estudos da Criança (área de conhecimento em estudos socioeducativos) pela Universidade do Minho e professor do Instituto de Estudos da Criança da mesma Universidade (Portugal)
Ficha técnica
Eliana C. Sisla (Lica) – E-mail: lsisla@gmail.com – E-mail: sarmento@iec.uminho.pt
Para saber mais
- Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância, de Manuel Jacinto Sarmento, versão da comunicação ao 5º Congresso Português de Sociologia, na Universidade do Minho (Braga),2004 (não publicada). www.scielo.br/pdf/es/v26n91 /a03v2691.pdf