Crianças e adolescentes ajudam a embelezar o bairro onde vivem
Quem passeia pelas ruas do bairro da Vila Madalena, em São Paulo, fica encantado com os lindos mosaicos que se destacam em alguns muros, chamando a atenção para a beleza, a cor e o inusitado do desenho infantil. Os autores são crianças e adolescentes, moradores ou freqüentadores do bairro, orientados por profissionais do Projeto 100 muros. As diretoras Márcia Regina Marques e Maria de Fátima de Oliveira Domingues nos contam como foi o desenvolvimento desse projeto
avisa lá: Como vocês entraram em contato com o projeto 100 muros?
Fátima: Eu já conhecia, porque li em algumas revistas e sempre namorei o projeto. Em junho recebi um grupo de mães para discutir alguns aspectos do trabalho aqui da escola e uma delas comentou que o jornalista Gilberto Dimenstein mora na região, tem um trabalho por aqui e poderia nos ajudar. Então, eu liguei para ele. Foi uma surpresa, porque ele também queria falar comigo e disse que passava em frente a escola várias vezes, via atividades na quadra, capoeira, jogos, dança. Também havia visto a faixa para os alunos, dando boas-vindas e havia gostado muito. Ele achou que a Olavo era uma boa escola e por isso nos perguntou se nós não queríamos participar do projeto com nossos alunos, para decorar o muro da frente da escola. Claro que nós quisemos!
Márcia:Conosco aconteceu de forma semelhante. Eu já tinha visto os muros do bairro e conhecia o Projeto Aprendiz, que desenvolve o Projeto 100 muros (veja texto abaixo). Nós entrávamos no site do Aprendiz e líamos muitas coisas. Um dia, quando estava chegando à escola, encontrei o Gilberto Dimenstein. Ele queria saber quem era a diretora da escola e eu me apresentei. Perguntou-me se eu tinha tempo para dar uma volta com ele, eu fui. Visitamos alguns muros da Vila Madalena. O Gilberto queria nos dar a chance de entrar no projeto 100 muros. Foi uma feliz coincidência, porque já fazia tempo que nós estávamos tentando colocar desenho de crianças nos muros, mas não sabíamos como fazer. Então fomos à sede da ONG, que fica aqui perto, e fizemos contatos com a Fernanda, a arte educadora que poderia nos orientar. Entramos no projeto com nossas crianças.
avisa lá: Como vocês se organizaram para participar do projeto?
Márcia: As crianças participaram de oficinas que aconteceram em três escolas: a Escola Municipal de Educação Infantil Zilda Franceschi, e as particulares Elo e Logos. Foi o primeiro grupo de crianças bem pequenas, de 4 anos em diante. Os arte-educadores nos acompanhavam, um dia em cada escola. As coordenadoras da nossa escola, Marisete de Barros Nardone e Maria Lucia Cabral Montenegro, acompanharam tudo de perto, levando as crianças às escolas e recebendo as outras aqui, durante uns seis meses, que foi o tempo de duração do nosso projeto. As crianças trabalharam juntas para que os muros das três escolas tivessem desenhos de todo mundo. Isso foi muito interessante, porque não houve nenhuma discriminação. Não teve isso de uma criança produzir só para sua escola. Foi tudo misturado. Entre nós, diretores, houve muitas trocas.
Fátima:O nosso não foi assim. Abrimos inscrições para quem quisesse participar no ateliê do Projeto. Isso pressupunha a autonomia das crianças, já que teriam de ir sozinhas, no horário disponível da Lilian, a arte-educadora que nos acompanhou. Assim, entraram apenas os adolescentes que estudam de manhã. Eles se inscreveram e foram. Participaram 20 alunos, de 12 anos em diante, mas no final os menores acabaram se incorporando, pois também queriam participar. Nosso processo foi mais rápido, levou uns três meses.
avisa lá: Como é feito o muro, desde a idéia original até sua finalização?
Fátima: A arte-educadora que nos acompanhou, a Lilian, fez uma proposta e ensinou uma técnica: cada participante produziu uma peça sobre uma placa de argila, no formato circular, de diversos tamanhos, colando cacos e pequenos objetos. Depois foi feita uma espécie de colagem com todas as peças que resultou no nosso muro. Ali há elementos do cotidiano das crianças, da imaginação, dos sonhos e dos dramas: tem uma colher grudada que nos faz pensar na questão da fome, tem arames, clipes, os nomes deles, um coração escrito Jô e não sei quem, e outros elementos próprios desses adolescentes.
Eles escolheram algumas palavras para a mandala que está próxima ao portão de entrada: amor, alegria, vida, saúde, coragem e paz. Foi isso. Nosso muro saiu assim, ele é o 64º dos 100 muros que o Projeto vai realizar.
Márcia: Nosso grupo abrangia crianças de diferentes idades. Às menores, de 4 anos, foi proposto o trabalho com máscaras de argila. Exploraram diferentes formas; redonda, quadrada, triangular etc. As maiores, de 6 anos, trabalharam com o mosaico, que exige procedimentos mais complexos. Nas oficinas, as crianças desenharam várias vezes, analisaram e escolheram, por meio de apreciação e votação, as produções que iriam para o muro. O cenário foi composto por desenhos de muitas crianças: o sol de uma, a árvore de outra etc. Usaram um retroprojetor para ampliá-los sobre um papelão fixado na parede. A educadora, então, contornou o desenho, transferindo-o para aquele suporte, que seria depois pintado pelas crianças. Sobre esse papelão foi fixada uma tela vazada, deixando a imagem de baixo visível, o que serviu de referência das cores para a colagem dos craquelês, caquinhos de azulejos, lajotas, espelhos etc., que compunha o mosaico. Depois de tudo preenchido, a tela foi separada do suporte de papelão e foi para a parede. Incrível!
Fátima: A gente não imaginava como aquilo – um desenho pequeno – ia parar na parede. É muito interessante. Quem fixa a produção das crianças na parede é uma outra equipe. São especialistas que pensam como será a aderência, pois cada muro tem uma superfície diferente que envolve outro tipo de colocação. O que eu achei legal é que as pessoas dessa equipe também são educadores: conversam com as crianças, têm disponibilidade para mostrar como fazem, brincam com elas. A colocação é uma alegria, um acontecimento. O tempo inteiro eles contam o que estão fazendo, conversam com quem chega, é bem interessante. O arte educador acompanha o processo junto com as crianças para fazer o acabamento, escolher a cor do fundo.
Márcia: Num sábado, junto com as escolas Elo e Logos, nós fizemos a inauguração do muro: fechamos a rua e fizemos um coquetel. Teve também a abertura da exposição dos trabalhos das crianças, que já estava previsto no nosso calendário. Crianças de nossas escolas e da escola Elo, acompanhadas de suas famílias, compareceram ao evento. Foi um sucesso! É muito emocionante ver o olhar deslumbrado das crianças que reconheciam seu trabalho. Elas ficaram emocionadas. As professoras choravam e nós também.
avisa lá: Vocês pretendem dar continuidade a este trabalho?
Márcia: Nós vamos continuar e agora queremos fazer uma parceria com a creche em frente à nossa escola. Quem sabe possamos contribuir com essa instituição.
Fátima: Nossa intenção é preencher os outros muros. Também vamos ter que repensar esse nosso muro: é que um pedaço dele foi destruído. Eu acho que deve ter acontecido um episódio de ciúme, uma ação irrefletida. O cimento estava fresco e um adolescente jogou água. Ficou tudo escorrido. Estamos pensando se vamos manter como está, como uma memória, e fazer um outro ao lado, ou se vamos refazer o mesmo, quem sabe procurando envolver o colega que estragou o mosaico. Ainda vamos discutir com o pessoal do projeto. De qualquer forma, nós queremos é continuar.
Projeto 100 muros
O Projeto 100 Muros é uma ação educativa que propõe a participação de todos na preservação e valorização do espaço público e reafirma a importância da ética e da estética por meio da construção de mosaicos em muros da cidade de São Paulo. Em dois anos e meio 100 muros da cidade serão decorados com mosaicos e outras técnicas, feitos por crianças e adolescentes, sob a orientação de arte-educadores especializados. É uma oportunidade de as crianças e suas comunidades darem expressão à criatividade, aguçarem a percepção artística e estética e criarem vínculos com seu entorno. A ONG Cidade Escola Aprendiz ancora o projeto, financiado pela Fundação BankBoston e pela Fiat Automóveis.
Para saber mais
Bibliografia
- • Aprendiz do Futuro. Gilberto Dimenstein. Ed. Ática. Tel.: (0XX11) 3346-3000
Contatos
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- • EMEI Zilda de Franceschi, Rua Purpurina, 290, Vila Madalena, São Paulo, SP, Tel.: (0XX11) 3819 -7843.
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- • Escola Elo, Rua Girassol, 529, Vila Madalena, São Paulo, SP, 05433-001. Tel.: (0XX11) 3813-6412.
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- • Escola Logos, Av. Rebouças, 2416, Pinheiros, São Paulo, SP, 05402-300. Tel.: (0XX11) 3819-7843.
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- • EMEF Olavo Pezzotti, Rua Fradique Coutinho, 2200, Vila Madalena, São Paulo, SP, 05416-002, Tel.: (0XX11) 3032-9908.
Contato com os arte-educadores
• Renato e Fernanda – Escola da Rua, Rua Aspicuelta, 109, Vila Madalena, São Paulo, SP, Tel.: (0XX11) 3813-8670.
Projeto Aprendiz
Cidade Escola Aprendiz é uma organização não-governamental, fundada
pelo jornalista Gilberto Dimenstein, que pesquisa e divulga novas metodologias de ensino e aprendizagem que possam contribuir para a melhoria da educação de crianças e jovens brasileiros. A ONG conta hoje com uma equipe de profissionais especializados em diferentes áreas: artes, jornalismo, editoração, etc. Oferece oficinas e desenvolve projetos específicos que unem jovens de escolas públicas e particulares – atualmente vinte instituições – no desenvolvimento de produtos de comunicação tais como sites, matérias para jornal e TV, dentre eles o Canal Futura em São Paulo, TV UUP e MTV.
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- • Cidade Escola Aprendiz. Rua Belmiro Braga, 146 / 154.
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- CEP 05432-020. São Paulo. SP. Tel.: (0XX11) 3819-9226,
3819-9225, 3813-7719.