Fim de ano é o momento das Mostras Culturais nas creches e escolas da Educação Infantil.
Mas o que elas representam? Qual sua importância para a instituição, para os professores e outros profissionais, para as famílias e crianças? Estas questões, entre outras, fazem do artigo de Cisele Ortiz e Teresa Carvalho um leitura obrigatória. Confira abaixo.
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Mostra Cultural: tornando visível a trajetória anual
Cisele Ortiz e Teresa Carvalho (*)
Compartilhar com as famílias o trabalho que foi desenvolvido e vivido no ano que finda, valorizando as crianças, valorizando professoras e ainda revelando os princípios e trajetória do CEI, é, sem dúvida, dessa ideia que se parte quando um CEI se propõe a fazer uma mostra e convida a comunidade educativa para visitá-la. Mais do que arte, a ideia é trazer aos olhos a cultura de um lugar, o caminho percorrido pelos grupos de crianças e suas professoras. O que descobriram, o que experimentaram, o que realizaram?
Sabemos que nessa Mostra estão embutidas as concepções que podem e devem fundamentar o trabalho dessa instituição: fundamentos da proposta pedagógica, integração entre família e CEI, participação de toda equipe na avaliação e planejamento do trabalho com as crianças, gestão democrática, confraternização.
Mas, se bem cuidada e vinculada verdadeiramente a esses princípios, vai além disso. Foi o que confirmamos em duas visitas feitas no ano passado de Mostras realizadas por CEIs parceiros, de diferentes entidades e regiões de São Paulo[1]. Recuperamos aqui essas experiências e as reflexões que sucederam, assim nos preparamos para seguir em novas visitas, já que a temporada das Mostras culturais de 2023 começou.
Ao chegar no Jardim Shangrilá encontramos toda a equipe uniformizada e reunida em uma fila para recepcionar quem chegasse. Para isso, fizeram, antes de abrir os portões, um momento de concentração, que pudemos perceber, teve a intenção de conectar o grupo ao propósito do dia, revelando-se como equipe com objetivo comum e não apenas um grupo aleatório. No CEI Coração outros foram os sinais de que ali havia uma equipe: todas usando roupa da mesma cor, crachás de identificação e presença na porta de cada ambiente de exposição imbuídas em recepcionar e explicar a cada família que chegava do se tratava aquele ambiente.
Outros cuidados revelavam a preocupação com o acolhimento diário: uma pia logo em cada entrada, bem construída, decorada e acessível às crianças, que foi concebida durante a pandemia, incorporando assim as necessidades que vão surgindo no percurso da história; cartaz nomeando a exposição e dando dicas do que poderia ser encontrado ali. Detalhes, sutilezas que poderiam passar despercebidas, mas que dão mesmo as boas-vindas, que são um convite para chegar.
Ao chegar, vamos encontrando a história de cada lugar e identificando as propostas e as concepções que as embasam:
- painéis de processo que contam aspectos trabalhados em alguns projetos – são fragmentos das vivencias das crianças no cotidiano;
- fotografias as mais diversas de momentos da rotina possibilitando o acesso ao dia a dia dos diferentes agrupamentos nos momentos de brincar, de se alimentar, de dormir e mostrando produções cotidianas das crianças: modelando argilas, desenhando, brincando na areia, ninando bonecas, fazendo lutas entre dinossauros, entre outros;
- registros de processos formativos das diferentes equipes e não apenas das professoras, mostrando que as equipes de cozinha e de serviço gerais também são sujeitos de direito na formação; bilhetes e pequenos cartazes explicando a origem e processo das produções expostas;
- alguns espaços organizados simulando o modo como é feito no dia a dia e convidando os visitantes a interagir com as propostas oferecidas, oficinas nas quais pais e filhos interagem entre si e com quem estiver naquele ambiente.
Visitantes, crianças e adultos, interagem com as diferentes propostas da mostra. Momento especial de ver pais e mães, além de encantados com os registros fotográficos e produções de seus filhos, poderem brincar junto, desenhar, experimentar, fazer algo inédito ou repetir aquilo que gostam de fazer, mas em outro contexto, outro desafio. Crianças também encantadas por estarem junto dos pais mostrando seu dia a dia ou vivenciando algo novo.
Propostas convidando adultos e crianças a realizarem e confirmarem a ideia de que aquele é seu lugar. Pertencimento é a palavra central. Além disso, essa vivência revela uma das facetas do caminho de construção de uma parceria entre CEI e família, lembrando que “compartilhar a educação da criança entre profissionais e famílias é um elemento-chave para a constituição de uma educação infantil democrática e de qualidade”[2]. Poder ter a família e as crianças junto da equipe em um momento de convivência e de prazer e não apenas em situação vinculada a algum tipo de problema, como muitas vezes acabou sendo caracterizada essa relação na história da instituição de Educação Infantil. É importante que possamos “construir uma parceria baseada em fatores positivos e gratificantes relacionados ao aprendizado, desenvolvimento e sucesso dos alunos”[3].
E por que arte? Por que o cuidado em mostrar as produções das crianças e histórias do cotidiano de forma vinculada a uma preocupação estética, que seja “bom de olhar e apreciar”?
Porque a arte e a ligação com a cultura também devem fazer parte dos princípios de uma boa educação, lembrando que:
“A primeira infância constitui um território fértil e inovador para as práticas artísticas, educativas e culturais. As pesquisas dos últimos anos enfatizam o enriquecimento da experiência de vida das crianças a partir da intervenção cultural desde que elas nascem. Por intervenção cultural entendemos o acesso ao brincar, à arte, à palavra, a narrativa como fatos comunitários, além da ampliação do universo de práticas familiares que acompanham espontaneamente as crianças desde sua chegada (…) toda criança que mergulha na arte é, assim, uma intérprete-tradutora-criadora de sentidos mais ou menos explícitos, desde suas emoções e saberes em jogo. Dessa perspectiva, a experiência com a arte se torna uma forma mais democrática de conceber o aceso à cultura, à construção de significados, à vitalidade da existência”[4].
A Experiência de Reggio Emília nos ensina que a convivência das famílias entre si gera aprendizado para elas, conviver com pais que tem filhos da mesma idade ou próximas e observar as suas atitudes com as crianças durante as reuniões ao longo do ano ou na mostra cultural, lhes apresenta outras formas de serem pais e mães. Quanto mais conviverem entre si e com os professores mais aprendem sobre si mesmo e sobre o outro.
As Mostras colocam as crianças em evidência assim como sua forma de ver e entender o mundo que a cerca, os adultos aprendem sobre as crianças e aquilo que é significativo e valoroso para elas e valorizam a sua estética autêntica e não a estereotipada advinda dos meios de comunicação.
Visitar uma mostra para nós, formadoras, também nos faz saber mais sobre o grupo:
Que soluções deram para as propostas? No que avançaram? O que precisam saber mais?
Enfim é uma riqueza poder ser testemunha dessa forma de compartilhar sentimentos, sensações e saberes.
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(*) Cisele Ortiz é psicóloga, especialista em Educação Infantil e coordenadora adjunta do Avisa Lá.
Maria Teresa Venceslau de Carvalho é psicóloga clínica, mestre em psicologia da educação e do desenvolvimento humano e formadora do IAL.
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[1] CEI Jd. Shangrilá – CCJA, Grajaú, dia 03/12/22 e CEI Coração Materno – Núcleo Coração Materno, Freguesia do Ó, dia 10/12/22.
[2] Em: O Compartilhamento na educação das crianças pequenas nas instituições de educação infantil, Maria Aparecida Monção.
[3] A relação família-escola: intersecções e desafios. Cynthia Bisinoto Evangelista de OLIVEIRA; Claisy Maria MARINHO-ARAÚJO – Estudos de Psicologia I Campinas I 27(1) I 99-108 I janeiro – março 2010.
[4] Em: “Um mundo aberto, cultura e primeira infância”, Maria Emília Lopez. Editora Revista Emília.