Ana Carolina Carvalho presenteia-nos com um texto e um vídeo para indicar uma história muito sensível e delicada. Não deixe de conferir!
Clique na imagem para acessar o vídeo e leia o texto abaixo.
Quando os livros podem ser elos
Ana Carolina Carvalho
Uma menina recebe um pedido de sua mãe para que faça uma jornada até outra casa, levando uma encomenda. Ela calça sapatinhos vermelhos e leva uma cesta consigo. Não, ela não é Chapeuzinho Vermelho. Mas vai ao encontro de uma mudança, há um lado sombrio da vida que ela ainda não conhece.
O leitor chega devagarinho à sua história, primeiro sobrevoando um pacato vilarejo, que surge aconchegante, bucólico. A sensação de paz e alegria envolve o leitor. Sob o efeito de um zoom na imagem, a cada página, o leitor vai chegando mais perto de uma casa onde há vida pulsando: uma mulher lava roupas, uma menina brinca no quintal.
Logo sabemos que se trata de Clara, a menina dos tais sapatinhos vermelhos que vai levar uma cesta cheia de roupas limpas a um calado senhor de uma certa casa grande. Ele não sai de casa e não pode ver a luz. É tudo o que sabemos dele. Antecipamos seu sofrimento: por que vive em tão profundo silêncio e afastamento? As roupas devem ser deixadas na soleira da porta, o dinheiro estará ali.
Cheia de vida, Clara segue seu caminho.
O leitor vai junto, explorando as ilustrações como a menina é tocada pela paisagem que percorre: a beleza do campo, a luz que há no dia, os pássaros pelo caminho, as flores. Em contraposição, há a expectativa de chegada a um lugar escuro e apartado: a casa do senhor triste que não pode ver a luz. Mas ele vê chegar Clara.
Algo vai mudar. Sabemos. O senhor mora entre os livros. Oferece um à Clara, que passa a vir mais e mais vezes, deixando roupas limpas e levando livros. Surge um elo entre os dois. A partir das histórias dos outros pode-se falar da vida, do que se viveu e não viveu, da coragem ou falta dela, dos desejos e do medo de vivê-los. Mas é necessário que haja algum tipo de interlocução. Morar entre os livros pode não bastar, se as leituras não levam para o fora de si mesmo. Se os livros não são elos ou pontes para atravessar o que se leva dentro, para sair do que está cristalizado, para deixar as pobres e covardes identidades construídas ao longo de toda uma vida de frustrações e sofrimentos.
Em seu Clara e o homem na janela, Maria Teresa Andruetto e Martina Trach nos tecem uma ode ao verdadeiro encontro com os livros e com os outros, e o que esses encontros podem significar: janelas para mundos mais claros.
Ficha técnica: Clara e o homem na janela, de Maria Teresa Andruetto e Martina Trach, tradução de Lenice Bueno. Coleção da Cigarra, editora Amelì.