Isabel Filgueiras[1] e Elza Corsi[2]
A pesquisa apresentada no Congresso Internacional sobre Obesidade deste ano (ICO2024) revela um cenário alarmante: as taxas de obesidade em crianças e adolescentes no Brasil tendem a aumentar significativamente nas próximas duas décadas. Segundo o estudo, se mantidas as tendências atuais, a prevalência de obesidade entre meninos e meninas de 5 a 19 anos crescerá consideravelmente até 2044. Esses dados reforçam a necessidade urgente de políticas públicas eficazes para enfrentar essa questão de saúde pública. No entanto é importante não cairmos em armadilhas ao olhar para esse fenômeno de forma individual e biologicista, culpabilizando as crianças e suas famílias pelo problema, quando há um conjunto de fatores sociais e culturais que afetam as escolhas de alimentação e prática de atividades físicas pelas crianças.
Por isso, o primeiro recado que precisamos dar é que é fundamental abordar a obesidade infantil sob a perspectiva ampliada de saúde, considerando os determinantes sociais que influenciam essa condição. Fatores como renda, acesso a alimentos saudáveis, ambientes seguros para brincar na cidade e na escola e condições de moradia afetam diretamente os hábitos alimentares e o nível de atividade física das crianças. Portanto, a promoção da saúde deve ir além das intervenções individuais, contemplando ações intersetoriais que garantam o acesso a uma vida saudável para todas as crianças, independentemente de sua condição socioeconômica.
As instituições de educação infantil desempenham um papel crucial na mitigação dessas previsões e na construção de olhares mais amplos sobre o tema por meio do diálogo entre profissionais de saúde, educadores, famílias e crianças, especialmente porque é na escola e na família que se desenvolve o processo de formação de hábitos que vai culminar em escolhas mais conscientes. É essencial que abordagens voltadas para a prevenção da obesidade não se limitem à prática de exercícios físicos formais, mas que se expandam para incluir a criação de espaços para brincar e a promoção de uma educação alimentar e nutricional abrangente e focada na cultura alimentar da comunidade, com resgate de ingredientes e tradições alimentares e da cultura corporal locais.
A educação alimentar e nutricional e a possiblidade de se movimentar de forma lúdica e prazerosa devem ser integradas ao currículo de forma que as crianças tenha acesso a escolhas alimentares e espaço de movimento que considerem seus interesses, gostos e iniciativas.
A pesquisa da Fiocruz Brasília destaca a necessidade de políticas públicas robustas e integradas para combater a obesidade infantil. Na educação infantil, isso significa implementar programas que promovam a educação alimentar e nutricional, e a criação de ambientes favoráveis ao brincar ativo, envolvendo a comunidade escolar na construção de hábitos saudáveis.
A primeira infância é o período mais propício ao estabelecimento de um paladar eclético e de vivências alimentares gratificantes e desafiadoras. A comunidade escolar oportuniza a implementação de programas públicos de forma controlada e eficaz, como o consumo de alimentos orgânicos, o desperdício zero dos alimentos, além de aproximar as crianças da natureza e de comer comida de verdade e não ultra processados.
O Brasil possui a maior biodiversidade alimentar do mundo (de 8 a 20%). A maioria desses alimentos, incorporados em nossa história alimentar, no espaço escolar, traz a possibilidade de se conhecer e explorar essa diversidade de sabores da natureza e levar saúde para cozinha e para a mesa.
Somente com uma abordagem integrada e que envolva o protagonismo das crianças e das famílias será possível reverter as tendências preocupantes projetadas e garantir um futuro mais saudável para nossas crianças.
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[1] Isabel Filgueiras – Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física da Universidade São Judas e formadora do Instituto Avisa lá.
[2] Elza Corsi – Elza Corsi é bióloga, nutricionista e formadora do Avisa Lá.