Breve relato das memórias de minhas indescritíveis experiências de infância.

 

 

Minha alma de criança

Em meados de 1996 uma menina de cinco anos estava prestes a viver sua primeira experiência com a escola. Em sua mente tinha criado um universo de expectativas, regadas com um pouquinho de ansiedade.
Todas as suas expectativas foram superadas, ela encontrou um mundo mágico, fantástico, parecia um paraíso paralelo à realidade, o Centro de Educação Infantil Jardim Shangri-lá Núcleo III.
A creche situada na região do extremo sul de São Paulo, em uma área rica em fauna e flora, tornava-se um lugar de descobertas, imaginação e aprendizagem.
No trajeto até a escola, no período da manhã, era possível ouvir o canto dos pássaros, observá-los voando de um lado para o outro, o vento balançando as árvores era como uma melodia orquestral com um encontro de encanto de balé clássico, extremamente sincronizado.
Cada movimento no chão, na terra, no céu, no ar, era captado e guardado na memória afetiva daquela menininha.
Os gravetos no chão, na mágica da imaginação, tornavam-se varinhas de condão, espadas que matavam dragão. As pedras do caminho eram chutadas, algumas guardadas e apreciadas, outras separadas para jogar “Cinco Marias”.

Quando finalmente chegava à creche, sua mente, sua alma, seus sentidos estavam tão estimulados que o portão de entrada parecia um portal, âmbito de uma perspectiva de infinito particular.
Ao ultrapassar o portal mágico, conhecido como portão na linguagem dos adultos, a primeira visão é a quadra, uma quadra imensa na visão de uma criança.
Apesar de seu encantamento com este primeiro espaço, ela ainda descobriria outros ambientes ainda mais fascinantes.
Seus olhinhos brilhavam, o coração acelerava ao avistar uma casinha de madeira em meio a um gramado. Tendo pai marceneiro, seu contato com madeira era rotineiro, aquela casa de madeira era um objeto subjetivo e afetivo de representatividade familiar.

Enfim, ela subiu umas escadas e chegou a sua sala de aula. O cheiro daquele lugar era muito especial, o aroma das árvores, da grama, da massinha, do álcool do mimeógrafo. Acredito que esta memória olfativa, aromática, só conseguirá compreender aquele que visitar o ambiente educativo.
Muitas atividades eram desenvolvidas ali, estímulos para desenvolver e aprimorar diversas habilidades. Algumas propostas marcantes eram a oportunidade de manusear e explorar tintas; o contato, o brincar com a terra e poder cuidar da horta, regar, acompanhar o crescimento e colher, isso é uma marca indescritível.
Um belo dia de sol, à tarde, a professora sugeriu que as crianças colhessem os limões e entregasse para a cozinheira, ela faria uma deliciosa limonada para compor o lanchinho da tarde.
O processo foi realizado por todas as crianças do grupo. O cheirinho de fruta recém- colhida invadia toda a creche. Aquele momento tinha sido incrível, mas estava apenas começando. A cozinheira preparou a limonada na frente dos pequeninos colhedores, ensinando passo-a-passo. Aquela atividade foi finalizada com todos tomando o melhor suco de limão do mundo.
Falando em alimentação, o refeitório era planejado com móveis estruturados para a altura das crianças, naquele lugar cada criança podia se servir, colocar a quantidade de comida que desejasse comer; eram estimuladas a provar todos os alimentos, mas a quantidade eles que estipulavam. Ter este poder de decisão e autonomia, marca qualquer infância.

As festas eram os momentos mais aguardados. A creche ganhava uma nova roupagem, atividades coloridas espalhadas por todos os lados, inclusive nas árvores, tudo fruto de um processo criativo das crianças. As digitais delas estavam presentes por todos os lados, suas marcas e registros intensificando uma identidade pessoal e coletiva. As músicas, os presentes que ganhavam, os brinquedos novos tudo isso alegrava a alma.
No final do ano, a visita do Papai Noel era um encontro épico na fantasia e realidade, ele era real! Personificado na frente de todos. Tirar uma foto era o objetivo das crianças e dos familiares, além de descobrir o que tinha em seu grande saco de presentes.

Aquela menininha de cinco anos de idade cresceu amando a natureza, respeitando-a, adorando aprender e apreender conhecimentos, ficou apenas seis meses na creche, saiu de lá lendo, apesar de não ser este o objetivo daquela fase. Compreender o processo de leitura foi apenas consequência de todos os estímulos que recebeu. Tornou-se amante da leitura, sua forma de viajar sem sair do lugar.

A menina cresceu, floresceu, gerou fruto. Hoje é mãe de uma bebê de um aninho de idade que está tendo a oportunidade de visitar o infinito particular da tenra infância da mamãe.
Rebeca Medeiros de Carvalho tem a honra de ser matriculada no Centro de Educação Infantil Jardim Shangri-lá Núcleo III.

A menininha desta história que hoje é uma mulher tornou-se professora de Educação Infantil da Rede Municipal de São Paulo, influenciada pelo período mágico que viveu em sua infância, durante sua trajetória de descobertas em seus primeiros contatos com a escola.
Acredita que a Educação Infantil possui o fio condutor de transformação do mundo. Não duvida da capacidade autoral de nenhuma criança e acredita dogmaticamente no poder infantil de reescrever histórias e mudar cenários sociais.

Minha alma de criança, em corpo de mulher, deposita com constância esperança e fé nas virtudes das crianças o desejo de ser quem elas quiserem.

Daniele Barbosa Medeiros de Carvalho.
Mamãe de: Rebeca Medeiros de Carvalho – Matriculada no Berçário I C
São Paulo, 08 de julho de 2020.

Imagem: Foto da área externa do CEI Jardim Shangri-lá.

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