Com a mão na massa

A escola de educação infantil tradicionalmente propõe colagens às crianças. Como fazê-lo bem? Que materiais são possíveis além do enfadonho papel crepon rasgado e amassado, do feijão, do macarrão e de formas geométricas recortadas? O que mais pode entrar em uma composição? Quem dá as dicas são as professoras de crianças de 2 a 3 anos da Escola Projeto Vida em São Paulo

A disposição dos objetos obedece a uma organização

Nossa escola realizou no mês de maio mais um “Café com Arte”. Trata-se de uma mostra que teve como objetivo valorizar as produções realizadas pelas crianças, assim como compartilhar com a comunidade a produção em artes visuais. Sabíamos que as crianças, ainda que bem pequenas, podiam contribuir para um evento como esse.

Para nós, professoras das turmas de 2 a 3 anos, era claro que a produção tinha que ter a “cara” e a participação das crianças, mas isso não estava nada fácil. O que poderia fazer sentido para crianças tão pequenas? A idéia dada pela Magda Furginele, artista plástica, professora de artes e curadora da exposição nos agradou muito: composição de quadros em placas de madeira com massa acrílica1, utilizando brinquedos de plástico e sucatas para colagem.

Não sabíamos ao certo o que as crianças poderiam aprender com o trabalho, além, é claro, de muita diversão. Mesmo assim, investimos nessa produção com a curiosidade de observar, a cada momento, as ações das crianças. Fizemos a proposta em várias etapas:

Em sala conversamos com as crianças sobre o evento e o que iríamos fazer.

  1. Então, mostramos o material – bonecas, carrinhos, bichos, tampas – e deixamos que explorassem, dando oportunidade para conhecerem e brincarem antes de produzir.
  2. Depois, organizamos o espaço e o material. Colocamos duas mesas na área externa, uma com o material agrupado por tipo e outra com a placa de madeira já coberta pela massa.
  3. Demos início ao trabalho orientando as crianças para que pegassem os materiais e os colocassem sobre a massa.

E assim foi. Em duplas, iam compondo o quadro. A nossa intervenção consistia em organizar o material e orientar a produção em relação aos procedi-mentos de pegar os brinquedos e colocá-los sobre a massa. Isso foi decisivo para que elas pudessem se ocupar exclusivamente da composição.

Em alguns momentos sugeríamos que pegassem brinquedos diferentes, mas nem sempre nossa sugestão era acatada por elas. Sabíamos que não devíamos interferir nas suas opções. Os movimentos de colocar os objetos na massa e voltar para escolher outros foram repetidos inúmeras vezes com concentração e empenho. No fim, surgiram produções muito interessantes.

Pensamos também numa forma diferente de expor esses quadros. Fizemos junto com as crianças um caminho com garrafas descartáveis, coloridas e descoradas, cheias de água com diversos materiais, inspirados em uma das últimas cenas do filme “Quando Tudo Começa”.

Fotos: Helô Pacheco

As crianças colaboraram desde a transformação da água incolor em água colorida, utilizando anilina, até a construção do caminho. Garrafas de Coca-Cola de 2 litros foram durante duas semanas objeto de experimentação das crianças: colavam diferentes materiais, rolavam na tinta, na areia, na terra, colocavam água, anilina, areia, pó colorido etc. Percebia-se o envolvimento delas, pois se empenhavam em comunicar algo sobre o que haviam realizado, ainda que sem domínio da linguagem oral.

Apesar de o trabalho parecer terminado, um novo desafio foi proposto para os pequenos: formar com aquelas garrafas um caminho que levasse o público a apreciar o mural principal. Cícero, nosso zelador, fez os buracos no chão, e então o nosso trabalho foi colocar as 100 garrafas nos buracos, desfrutando da alegria de brincar nesse caminho. Depois de tudo pronto, fomos passear pelo caminho. Imaginem a alegria delas andando pelo labirinto de garrafas coloridas.

O que aprendemos sobre as crianças
Inicialmente, partimos da hipótese de que se tratava de uma produção totalmente aleatória, algo como jogar brinquedinhos na massa. Que intenções crianças tão pequenas poderiam ter?

Foi só durante a realização da atividade que começamos a perceber que o trabalho feito por elas não era tão sem intenção como imaginávamos. Percebemos que elas escolhiam quais e onde queriam colocar os brinquedos.

Às vezes decidiam deixar alguns espaços sem nada. Frente a cada objeto pareciam ter uma real tomada de decisão. Na verdade, não sabíamos se havia critérios que as guiassem, mas não tínhamos dúvidas de que a nossa hipótese inicial estava errada, não era uma produção aleatória, ao contrário, tratava-se de produtores comprometidos com seu trabalho.

Uma das produções

Helô Pacheco, professora de artes que visitou nossa escola, nos ajudou a ver com clareza os critérios usados pelas crianças: as opções de distribuição espacial, o agrupamento por categorias, as disposições lineares e circulares claramente separadas, a opção de colocar objetos dentro de outros, objetos em pé e deitados, enfim uma riqueza de possibilidades que deu a cada composição uma singularidade estética, como podemos observar:

No dia da tão esperada mostra a surpresa foi geral: como crianças tão pequenas foram capazes de produzir um trabalho tão interessante? E lá estávamos nós como testemunhas dessa produção.

Decididamente os pequenos são mais capazes do que imaginamos. Esta foi nossa primeira experiência de composição, mas não a primeira com a arte, já realizamos outras e, como estávamos mais informadas, pudemos fazer intervenções com objetivos mais claros e previamente definidos.

1 É necessário cuidados ao usar a massa com crianças. No caso a professora acompanhou bem de perto para evitar qualquer problema no manuseio.

A concentração dos objetos esféricos dá o tom nessa produção

Ficha técnica:

Escola Projeto Vida. Rua Sóror Angélica, 364, Jd. São Bento. Tel. (11) 6236-1459 ou 6236-8345. Internet: www.projetovida.com.br Equipe: Débora Rana, Maria do Carmo da Silva Rodrigues e Maria Inês Miranda Righi.

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