Caroline da Costa Cardoso²
Ao contemplar escuta efetiva das crianças em suas curiosidades, interesses e hipóteses, projeto incorpora o lúdico e envolve famílias e comunidade escolar
A turma de crianças de 4 e 5 anos brincando livremente pelo pátio da escola suscitava indagações sobre a Lua (em várias ocasiões ela era observada do parque). Por exemplo: Existem várias luas ou apenas uma que altera seu formato?
Sempre que estávamos no pátio da escola, notava as indagações. Com isso, compreendi que conhecimentos sobre o dia e a noite relacionados às diferentes fases da Lua poderiam ajudá-las a ampliar suas ideias e hipóteses. A utilização de uma luneta colaborou para novas descobertas. Dessas propostas iniciais, outras perguntas foram emergindo a partir de suas curiosidades. Brincadeiras, experiências, observações e pesquisas foram organizadas para que os pequenos construíssem conhecimentos.
As crianças levantavam hipóteses como esta do João Victor, de 5 anos: A Lua tem uma luz que a ilumina.
1 Este trabalho foi vencedor do Mobilização ocupação criança, do Instituto Avisa Lá, na categoria Professor 2 – Passei a ouvir, observar e conhecer mais as crianças. Aqui se destacam relatos com as falas dos pequenos em diferentes atividades, os desenhos, os raciocínios na resolução de problemas, as escritas, os enredos e as atitudes durante o jogo simbólico, além de diálogos nas rodas de conversa.
2 Professora e coordenadora pedagógica na Rede Municipal de Uruguaiana (RS), pedagoga e especialista em Educação em Ciências.
Observação e pesquisa
Ao longo de alguns meses tivemos várias vivências orientadas pelas inquietações dos alunos. Uma delas foi observar o pôr do Sol e o nascer da Lua cheia na zona rural da cidade. Desta vez, as crianças brincaram com suas lanternas na escuridão da noite, descobrindo pequenos habitantes noturnos do local, enquanto aguardavam o espetáculo do nascer da Lua cheia. Sobre a parte mais alta do campo, havia uma luneta estrategicamente ali colocada. Com o nascer da Lua, imensa e luminosa, crianças e adultos foram até o local para visualizá-la de uma maneira diferente. A cada observação, suspiros de encantamento eram ouvidos. Uma das crianças, ao visualizar as crateras da Lua, disse: Eu estou vendo, são os filhotinhos dela! (Yuri, 4 anos). Outra concluiu: A Lua muda de cor, ela fica amarela e depois branca. (Nathaly, 5 anos)
O Programa Google Earth, ampliado em projetor, foi o recurso utilizado para que visualizássemos a Lua e nosso planeta sob outra perspectiva. Com tamanho interesse dos pequenos, ficamos um tempo considerável fazendo análises instigadas por suas perguntas. Dentre outras coisas, conseguimos ver em quais lugares os homens que pisaram na Lua estiveram, pois estão marcados por bandeiras, e a localização de nossa escola, no planeta Terra. A cada aproximação da Lua ou da Terra, a turma exclamava: Uooooooouuu!, como se estivesse em uma aventura em um desses lugares.
Em uma cidade que fica a 400 km da nossa, Santa Maria, no Rio Grande do Sul, havia a possibilidade de as crianças conhecerem um planetário. A Prefeitura Municipal colocou à disposição da turma um ônibus, e as famílias das crianças, por sua vez, arrecadaram roupas e acessórios para um brechó. Como professora, eu percebia que todo esse movimento tornaria o passeio fora da cidade uma experiência muito significativa tanto para as crianças quanto para os adultos.
As vendas no brechó foram um sucesso, confirmado pela arrecadação do valor necessário para alimentação, visita ao planetário e apreciação do filme Montanha russa cósmica³ em cinema 6D. No planetário, além de assistirem à sessão sobre o céu e as constelações, encontraram pinturas, esculturas e fotografias, ampliando assim o próprio repertório cultural. Crescia nas crianças a sensação de pertencimento ao espaço. Perceberam que, além de nós, há um universo infinito.
3 Em uma cabine especial de cinema que ficava em um Shopping da cidade. Nela as crianças tinham sensações como se estivessem numa montanha russa andando pelo espaço, bem próximas de alguns elementos como Lua, planetas, estrelas.
Imaginação colocada em prática
Em seus diálogos, os pequenos começaram a imaginar e acreditar em uma possível viagem ao espaço e protagonizaram um novo percurso no projeto: o seu planejamento. Primeiramente, pensaram sobre como chegaríamos lá. Todos sabiam que o meio de transporte necessário era uma nave espacial. Mas como teríamos isso? Inspirado por desenhos das crianças, um amigo da escola materializou o transporte imaginado e, com madeira e papelão, nossa nave ganhava forma. Imprimindo suas identidades e características pessoais, as crianças coloriram a nave com rolo e tinta. No entanto, não bastava que tivessem uma nave, precisariam de muito mais para a viagem.
Diante de tantas ideias, sugeri que elaborássemos uma lista (função social da escrita), pois assim nada seria esquecido. Cada criança anotou, à sua maneira, aquilo que considerava importante levarmos ao espaço. Destacou-se, dentre as anotações das crianças, a necessidade de levarem o brinquedo favorito e os alimentos que apreciavam e consideravam necessários para a sobrevivência. Uma delas sugeriu que seria útil uma mesa e alguns banquinhos; outra, que fizéssemos uma roupa de astronauta. Tornou-se missão, para os envolvidos no trabalho, materializar os desejos para a viagem.
Como parte dos preparativos para a viagem, consideramos importante visualizar os planetas, além da Lua, como havíamos feito anteriormente. Soubemos que uma menina de 12 anos poderia nos auxiliar, pois ela possuía um telescópio. Escrevemos uma carta para Maria Clara, comunicando nossa curiosidade em conhecer o seu telescópio e visualizar os planetas. Alguns dias depois, Maria Clara respondeu nossa carta com um vídeo, confirmando sua presença em uma atividade noturna na escola com o seu telescópio. Na data marcada, recebi as crianças e as famílias na escola. Todos estavam alegres, incluindo os adultos, que nunca haviam tido uma oportunidade dessas. Maria Clara compartilhou alguns saberes sobre o espaço com as crianças, destacando algumas características dos planetas e, depois, fomos até o pátio da escola, em pequenos grupos, para visualizar os planetas que fossem possíveis naquela noite. Conseguimos localizar e observar o planeta Júpiter. Encerramos a noite com todos encantados, maravilhados com a visão que tiveram do espaço. Todos sabiam o que encontrariam no espaço; no entanto, em qual direção nossa nave deveria seguir? Sabendo que os mapas existem para facilitar a localização das pessoas aqui na Terra, uma criança sugeriu que organizássemos nosso próprio mapa do espaço, que definiria o roteiro da viagem, que caminhos percorreríamos e o que faríamos em cada lugar.
Concluída a criação desse item, ficou visível a capacidade imaginativa das crianças pela elaboração do roteiro da viagem:
– Primeiro vamos brincar de patinar nos anéis de Saturno. (Martina, 4 anos)
– Não pode patinar, porque cai na poeira dos anéis, cai lá embaixo, aí ficamos perdidos. (Maria Luiza, 5 anos)
– Podemos passar pelo buraco negro e entrar para a Lua. (Thiago, 5 anos)
– Temos que cuidar dos meteoros, cuidar do buraco negro, para não ficar lá para sempre, e não ir para nenhum lugar, ficar perdido. (Yuri, 4 anos)
– Professora, tu pode tapar o buraco negro? Porque daí não caímos… (João Victor, 5 anos)
– Vamos dançar nos planetinhas. (Thiago, 5 anos)
Marcada a data para a decolagem de nossa nave, as crianças começaram a trazer de casa, com a participação ativa das famílias, os itens necessários para equipá-la. Cada aluno analisava a melhor forma para organizar, na nave, o objeto que havia levado para a escola. Protagonizavam cada momento: decidiram que um dos mapas ficaria fora da nave e outro, dentro, para facilitar a organização da viagem, uniam-se em duplas para segurá-los, até que nosso amigo (funcionário da escola) os grampeasse. Ao organizarem os brinquedos, pensavam com carinho sobre qual seria o melhor lugar. Alguns ficaram organizados no chão da nave; outros, em um compartimento anexado (pote). A roupa de astronauta, confeccionada pela avó de uma menina, foi pendurada em um cabide que ela pegou do camarim da sala. Os banquinhos para a nave foram dois carretéis de papelão e a mesinha, uma que tínhamos na escola. Os alimentos não perecíveis chegaram antes, mas os perecíveis chegariam apenas no dia da decolagem. Não parava de surgir novas ideias para completar a nave.
Uma viagem coletiva
No dia da decolagem, acompanhei um grupo por vez para entrar na nave, os alunos haviam concluído que não caberia a turma toda ao mesmo tempo. Dessa forma, seguiam de quatro em quatro crianças. Um funcionário da equipe de apoio movimentava a nave do lado de fora para enriquecer a brincadeira.
Ao acolher os pequenos no início da manhã do dia em que ocorreria a decolagem, as emoções transpareciam nos olhares, nas falas e em gestos inquietos. Os familiares demonstravam que as expectativas para a viagem haviam contagiado também os adultos. Segundo Helena, mãe da Martita, a filha “acordou pensando na viagem, disse que vai tirar muitas fotos com os colegas de todos os planetas, para que, quando voltar, possa lembrar-se de tudo.”
Toda a escola sabia do grande evento que aconteceria em nossa turma e, percebendo a nave posicionada no pátio, turmas deslocaram-se com suas professoras para despedirem-se das crianças que “viajariam ao espaço”. Formou-se um grande corredor, pelo qual as crianças passariam até chegar à nave. Os alunos de outras turmas também quiseram experimentar a brincadeira, e os adultos, por sua vez, encantavam-se com as reações dos filhos.
No momento da decolagem, todos, tomados por surpresa e encantamento, reagiam de formas singulares: uns corriam sorridentes em direção à nave; outros analisavam atentamente o caminho, e havia quem demonstrasse certa insegurança no olhar e na forma como aproximavam-se dos adultos que estavam mais próximos da nave, como aconteceu com Martina, que após entrar na nave chorou e desistiu da viagem. A colega Beatriz, de 5 anos, que estava junto a ela, disse: Não chora, é só brincadeira, Martina. Notei que um menino, ao caminhar entre o corredor humano, movimentava-se vagarosamente, marcando passos, até que se virou de costas para a nave e abanou para todos: era a representação de um verdadeiro astronauta.
O projeto da professora Carol teve repercussão em toda a escola; as crianças de outras turmas queriam embarcar na nave, e as professoras sentiram-se incentivadas a também realizar esse tipo de atividade, pela alegria que perceberam nas crianças. Sempre que um projeto assim é desenvolvido, os educadores têm a oportunidade de ampliar o olhar e perceber novas possibilidades para o trabalho com as crianças. (Jane Tavares, diretora)
Depois da experiência, várias justificativas foram apresentadas pelas crianças com relação ao fato de a nave não ter decolado de verdade:
– A nave não decolou porque estava muito pesada. (Breno, 5 anos)
– Eu expliquei que só foguete de verdade, de plástico, que tem que ter coisa embaixo, fogo. (Yuri, 4 anos)
– A nossa nave não voou porque ela não é feita de prata, é de madeira e papelão. (Nathaly, 5 anos)
– É só pegar tijolo e construir a nave. (Inácio, 5 anos)
– Mas daí fica muito pesada. (Nathaly, 5 anos)
Convidamos dois policiais militares, responsáveis por pilotar um helicóptero na cidade, para conversarem com as crianças. Menos preocupadas em obter uma resposta para a problemática da decolagem, as crianças queriam interagir, conversar sobre o trabalho deles e compartilhar os resultados da viagem. Assim como guiaram a constituição dos percursos, as crianças também souberam demonstrar o quanto estavam satisfeitas com a experiência. A grande brincadeira sonhada, imaginada, materializada e vivenciada encerrou-se no tempo das crianças. O entendimento de que o tempo de duração dos projetos pode também ser determinado pelo envolvimento dos estudantes ampliou-se e estabeleceu-se em minha percepção.