JOÃO PAULO ALY CECILIO¹
EXPERIÊNCIAS COM ÁGUA LEVAM À DESCOBERTA DE TÉCNICAS E POSSIBILIDADES CRIATIVAS PARA PINTAR E DESENHAR
As Artes Visuais fazem parte do dia a dia da nossa escola como linguagem fundamental a ser trabalhada com as crianças de todas as idades. Desta vez, ela surgiu naturalmente como um dos eixos da pesquisa sobre água com a qual trabalhamos o ano inteiro.
Fazer experimentos com cores, utilizar a água nos diversos estados da matéria como elemento artístico, conhecer e apreciar obras de artistas que trabalham com água, desenhar, pintar, construir. Essas foram algumas das vivências pelas quais o Grupo 5² passou em 2013, sempre mantendo um espírito investigador:
Se a tinta é mole como a água, será que ela ficará dura depois de congelada?
O que será que a chuva faz com os desenhos?
Durante as experiências sobre os diferentes estados da água, fizemos “gelo-tinta”, e as crianças surpreenderam-se com sua temperatura, forma, textura, derretimento e possibilidade artística. Ao desenhar/pintar com o “gelo-tinta”, ele gelava as mãos e se derretia aos poucos. Para dominar a nova técnica, foi preciso muito papel toalha para proteger as mãozinhas. O resultado foi que as toalhas manchadas, pinturas feitas sem querer, ficaram tão incríveis quanto as produções das crianças.
1 Professor da Escola Grão de Chão, em São Paulo (SP), desde 2009. É pedagogo, arte-educador e músico. Iniciou seus trabalhos em 2002 no Projeto de Educação, Cidadania e Economia Solidária da Prefeitura de São Paulo.
2 Grupo de crianças entre 5 e 6 anos.
Desta vez, os papéis não foram descartados como de costume. Ficaram guardados e, quando secaram, pudemos apreciar as manchas formadas espontaneamente, bem como a diluição de algumas cores. O verde, por exemplo, se decompôs em amarelo e azul durante a absorção da tinta pelo papel. O resultado final foi a montagem de uma caixa com esses papéis, apreciados em nossa Exposição de Artes.
Durante o tempo das experiências com gelo e tinta, apresentei artistas que também trabalham com a água nesse estado, como Néle Azevedo e Paulo Bruscky.
As crianças se surpreenderam, ficaram encantadas ao apreciarem os trabalhos desses artistas e se instigaram muito com o fato de as esculturas de gelo em temperatura ambiente, derreterem, perdendo
a forma sólida, congelada, tornando a obra breve e passageira.
Assim produzimos nossas formas e esculturas de gelo, mais tarde incorporadas à Engenhoca, nome
da nossa instalação.
Paulo Bruscky
Artista multimídia, poeta, nasceu em Recife (PE) em 1949. Na década de 1960, inicia pesquisa no campo da arte conceitual, para a qual o conceito ou a atitude mental tem prioridade em relação à aparência da obra. A partir de 1970 desenvolve pesquisas em arte-xerox. Em 1973, atua no Movimento Internacional de Arte Postal, sendo um dos pioneiros no Brasil nessa arte, e no ano seguinte lança o Manifesto Nadaísta. Realiza 30 filmes de artistas e videoarte entre 1979 e 1982, e começa a produzir videoinstalações em 1983. Cria, em 1980, o xerox-filme com base em sequências xerográficas. É editor de livros de artistas e mantém em seu ateliê no Recife importante coleção de livros e documentos sobre arte contemporânea, entre eles correspondência com integrantes dos grupos Fluxus e Gutai (Japão). Em
2004, seu ateliê é integralmente transferido do Recife para São Paulo, sendo remontado em uma das oito salas especiais da 26a Bienal Internacional de São Paulo. Os materiais mais usados em seus trabalhos são o tempo, o gelo, a fumaça, coisas sensoriais e a tecnologia.
Fonte: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_
biografi a&cd_item=1&cd_verbete=2995&cd_idioma=28555
Néle Azevedo
Nascida em Santos Dumont, em 1950, a artista plástica mineira Néle Azevedo tem chamado atenção com sua série de intervenções urbanas intitulada de Monumento Mínimo.
No projeto, esculturas de gelo de homens na posição de sentar, com cerca de 20 cm, saem direto de um freezer e vão para algum importante monumento da cidade em que está passando. Essa intervenção conta primeiro com a participação das pessoas, que ajudam a distribuir os pequenos seres gelados no monumento em questão.
Fonte: http://www.benitabrasil.com/artes/esculturas-de-gelo-de-nele-azevedo/
A tinta quando encontra a água
As crianças pintaram com aquarela de pastilha e líquida, ambas as formas diluídas com muita água. Experimentaram usar a carga da caneta hidrocor no papel filtro, que absorve a água aos poucos e decompõe os pigmentos da tinta.
Fizemos também pintura com sacos cheios de água colorida. A partir de um pequeno furo, as crianças gotejaram tinta sobre papel, criando lindos efeitos. Ao levantar seu trabalho, Rafael percebeu que a tinta desenhava, ou melhor, seguia seu curso, sozinha, dependendo do movimento que ele fazia com o suporte. Sem o uso do pincel ou de outro instrumento qualquer, aprendemos mais um jeito de desenhar com a tinta e relançamos a proposta como uma nova experimentação. Como eu estava imerso e aberto a tudo que dizia respeito ao nosso tema, a água, identifiquei no trabalho de um amigo, o artista Thomaz Meanda³, grande semelhança com a produção das crianças nesta fase da pesquisa. Meanda foi um artista que nos indicou uma forma de finalização desse trabalho – cada criança, com os desenhos que fez, uniu-os delicadamente, como um quebra cabeça.
Se a água dilui a tinta, o que pode acontecer se um desenho tomar chuva?
Essa foi mais uma pergunta que resultou em uma série de experiências com resultados artísticos interessantes.
Para respondê-la, construímos um varal no Quintal da escola, que é um espaço de brincadeiras e investigações, e penduramos os desenhos feitos com lápis aquarela. O resultado não foi o que imaginávamos, pois a tinta não diluiu a ponto de desconstruir o desenho, mas o processo de construção nos aproximou muito do entendimento a respeito dos materiais e de suas limitações.
Neste caminho, encontrei o trabalho de Michel Groisman, que propõe a performance de partilhar água de maneiras inusitadas. Mostrei ao grupo e, assim, resolvemos fazer um filme com a nossa experiência de compartilhar a água. Sonorizar o filme foi uma etapa importante do entendimento sobre o som desse elemento. Dentre os objetos sonoros da escola e outros, escolhemos os instrumentos de percussão que, quando tocados, emitiam um som que se aproximava ao som de um pequeno curso da água. Depois, para dar mais realismo, abrimos as torneiras e colocamos água nos copos, e, assim, captamos e gravamos o som desejado.
Pigmentos naturais
A água, que nos dá a vida, é também a água que nos alimenta. Como na culinária utilizamos a água como ingrediente principal, perguntei ao grupo:
– Qual é a comida que tem muita água?
A resposta foi unânime:
– É a sopa, João.
Fizemos uma deliciosa sopa de legumes. Para continuar com nossas pesquisas, eu trouxe uma centrífuga e mostrei como separar a água dos alimentos. Como resultado, obtivemos maravilhosas “tintas” de cenoura, couve, laranja, beterraba. Para finalizar, fizemos um registro com as tintas produzidas.
3 Ver mais sobre o artista em: https://www.facebook.com/thomaz.meanda.works e http://www.youtube.com/user/TomCatsAndRats
Exposição final
O trabalho de artes tem um papel muito importante em nosso currículo. As atividades de sala, nossas pesquisas e investigações geralmente culminam em algum registro plástico. Ao longo do ano, organizamos e classificamos os trabalhos e apresentamos tudo isso à nossa comunidade em forma de uma Exposição de Artes.
Criamos uma instalação na sala com diversas produções – a Engenhoca –, e apresentamos o filme Partilhando a água, tendo as crianças como sonoplastas. Foram expostos também os trabalhos que registraram nosso percurso, em forma de aquarelas, desenhos, pinturas, bem como esculturas de gelo, entre outros produtos. Os visitantes se intrigaram muito com as produções apresentadas, bem especial com a Engenhoca. Nesse dia, as crianças tiveram um papel muito importante durante a visitação do público, já que elas eram responsáveis por apresentar suas próprias obras. Como nossa exposição fica montada durante alguns dias, as crianças se encarregaram também de fazer a monitoria de suas obras para os colegas das outras turmas.
As pesquisas continuaram ao longo do ano, tomando sempre por base a água, nosso elemento essencial.
Aquarela
A aquarela é uma técnica de pintura na qual os pigmentos se encontram suspensos ou dissolvidos em água. Os suportes utilizados na aquarela são muito variados, embora o mais comum seja o papel com elevada gramagem. São também utilizados como suporte o papiro, casca de árvore, plástico, couro,
tecido, madeira e tela.
A aquarela é uma técnica muito antiga cujo aparecimento se supõe esteja relacionado com a invenção do papel e dos pincéis de pelo de coelho, ambos surgidos na China há mais de 2000 anos. No ocidente, há vários exemplos do emprego desta técnica desde a Idade Média.