Faz de conta e atividade teatral

OLÍVIA MILLÉO¹


TRABALHO CÊNICO COM OBJETOS SIMBÓLICOS, IMITAÇÃO E FAZ DE CONTA COLABORA COM O JOGO TEATRAL QUE PODE COMEÇAR NA EDUCA ÇÃO INFANTIL


O início do trabalho realizado no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Vila Verde², no ano de 2010, foi norteado por perguntas fundamentais para organizar pensamentos e oferecer um fio condutor. Isso porque, para se trabalhar qualquer área de formação, é fundamental que busquemos entender suas características e elementos.

O que é teatro?
Existe teatro sem texto?
É possível trabalhar o teatro com crianças de 0 a 3 anos? (Com ou sem texto, há essa possibilidade?)
Como fazer?

Para iniciar esta reflexão, pensamos a quê a palavra teatro nos remete. Além da estrutura tradicional – espaço específico, palco, atores, plateia –, lembramo-nos da representação, da comunicação, do movimento, do ator, do público; enfim, de uma rede de ações e de relações. Teatro é representação de algo e está intimamente ligado ao ato da imitação. É percepção, são sensações, é crítica, é mobilidade, é capacidade de transformação.

Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no Maracanã ou em praça pública para milhares de espectadores. Em qualquer lugar… até mesmo dentro dos teatros. (BOAL, 2009, p.ix)


1 Educadora da rede municipal de Curitiba (PR), cursando graduação em Licenciatura em Teatro na Faculdade de Artes do Paraná. Faz parte da equipe de permanência do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Vila Verde que fica com as crianças nos dias em que as educadoras da turma se dedicam exclusivamente aos estudos e planejamentos.
2 Faz parte da Rede de Educação da Prefeitura de Curitiba (PR).

No princípio, a ideia foi os adultos dramatizarem para as crianças de forma diferenciada, sem o auxílio de figurino ou cenário grandioso, apenas com objetos que simbolizassem determinado personagem. Se dramatizássemos um clássico como Chapeuzinho Vermelho, colocávamos, por exemplo, apenas uma touca na “vovó”. A prioridade eram os gestos, as expressões e a mudança de voz. E principalmente, em pequenos grupos, deixar que as crianças, inclusive os bebês, tocassem no material, imitando nossas ações ou simplesmente brincando com a história.

Os alicerces…

Em 2012, o foco do planejamento de nossas atividades foi a imitação, cujo trabalho realizado nós o nomeamos como Eu imito e você? Imita como eu imito? Imita eu, imita tu, imita o rabo do tatu! Numa
provocação explicada a seguir.

Pensemos em uma criança que nasce numa sociedade em pleno movimento, marcada por preceitos e valores estabelecidos. Aos poucos ela aprende a conviver socialmente, apropria-se de elementos e expressa suas singularidades na convivência. E é pela imitação que a criança vai se inserindo no mundo. Ela vai conhecendo seu corpo e descobrindo possibilidades de ação a partir da observação, atribuindo sentido às suas ações por meio da brincadeira, agindo sobre o mundo e representando aquilo que percebe em seu meio.

Jean Piaget, em seu livro A formação do símbolo na criança³, estuda as fases da imitação no desenvolvimento da criança, bem como a representação simbólica e a imitação como sua gênese.

Segundo Piaget, do nascimento até os dois anos, a criança está no chamado estágio sensório-motor, em que a inteligência trabalha com as percepções através do deslocamento do próprio corpo, do contato do corpo com o que está à sua volta.


3 A formação do símbolo na criança. Imitação, jogo e sonho, imagem e representação, de Jean Piaget. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

Assim, a imitação é uma maneira de acomodação aos modelos externos.

A partir dos dois anos, começa a utilização de signos, isto é, momento em que a criança é capaz de tornar presente aquilo que não está próximo dela (representação). Inicia-se a relação entre significante e significado (função semiótica) e, consequentemente, a imaginação.

Assim, sabemos hoje que um signo teatral, presença que representa algo, comporta um significante – seus elementos materiais – um significado – seu conceito – e um referente, objeto ao qual remete na realidade. Assim, sabemos hoje que um signo teatral, presença que representa algo, comporta um significante – seus elementos materiais – um significado – seu conceito – e um referente, objeto ao qual remete na realidade.

Essa distinção entre significado e significante, no entanto, longe de ser um atributo exclusivo da situação teatral, já aparece em torno do segundo ano de vida, em uma atividade comum a crianças de toda e qualquer cultura e condição social: o brinquedo de faz de conta. Ao deslocar uma lata fazendo “bi-bi…”, ou ao andar na ponta dos pés como quem usa saltos altos, a criança opera uma distinção entre o significado (carro, sapatos de saltos altos) e o significante (lata, pés elevados). Tal distinção indica que ela está sendo capaz de operar com a noção de representação, ou seja, já é capaz de tornar presente algo que não está diante de si.4

Imitar, portanto, está intimamente ligado ao jogo simbólico, essencial para o desenvolvimento humano. E o imitar também está ligado ao fazer artístico. O homem, através da Arte, pode expressar o mais ínfimo. Pela Arte, ele vai imitar e imitar-se, imitar a natureza, transcendê-la e reinventar o mundo. Notamos aí uma rede de relações entre a Arte (o teatro em questão) e o fazer humano.

Agora vale a pena refletir como o teatro acontece na primeira infância. Pensemos primeiro que, ao nascer, o bebê não pensa sobre as palavras porque ele ainda não as conhece, nem estabelece associações em relação a essas mesmas palavras porque seus pensamentos são sensações. Segundo o dramaturgo brasileiro Augusto Boal, em artigo publicado na revista Sala Preta, o contato do bebê com o mundo acontecerá através de seus sentidos.

Os primeiros contatos com o mundo exterior são de natureza sensorial (…) É o Pensamento Sensível que antecede o Pensamento Simbólico (…).5


4 O lúdico e a construção do sentido, de Maria Lúcia de Souza Barros Pupo. Revista Sala Preta, São Paulo, no 1, 2001, p. 181-7.
5 Quando nasce um bebê. O pensamento sensível e o pensamento simbólico no teatro do oprimido, de Augusto Boal. Revista Sala Preta, São Paulo, no 6, 2006, p.1.

Considerando que a criança aprende pelos sentidos, é necessário estimulá-la, propondo sensações em relação às quais ela possa se ajustar e construir sua singularidade por meio de suas ações. Portanto, o teatro para bebês visa à estimulação das percepções, das sensações por meio dos elementos que compõem a arte teatral.

No teatro tudo comunica: o figurino, o som, a luz, o ator e seu corpo, a voz, o que é trazido como cenário… E tudo isso pode ser presenciado desde cedo. Os bebês são curiosos por natureza. Tudo chama sua atenção: sons, cores, objetos, nossos gestos. Por essa razão, se direcionarmos nossos objetivos para a linguagem teatral, é com esses elementos que podemos trabalhar.

O teatro na primeira infância6, na realidade, pode ser entendido, segundo Peter Slade (1978), como jogo dramático. Melhor explicar: a palavra drama oferece um suporte mais conexo ao que se realiza na primeira infância. Na obra O jogo dramático infantil, o autor destaca a palavra drama como originária do grego drao, que quer dizer ação. Para Slade, o drama são as experiências pessoais e emocionais de um ser dentro de sua realidade ou sobre ela. A criança, então, por meio de suas brincadeiras, de seus jogos, traz à tona experiências e emoções aliadas à realidade em que está inserida.

O drama é parte do que a palavra teatro contém em si e, assim como ele, não deve ser restringido ao sentido estereotipado atribuído pelos adultos. A criança de 0 a 3 anos não sente a necessidade de público. Segundo o autor, “Não existe o para quem, e quem deve ficar sentado vendo quem está fazendo quê” (SLADE, 1978, p.18). E não é porque não exista um público específico para o que está sendo feito que o teatro, nessa fase, não vá existir. Para Slade, o que a criança exercita é o jogo dramático infantil, natural e próprio das observações e internalizações da criança diante do meio em que ela está inserida.

Logo, se o imitar é tão importante na infância e também um dos componentes possíveis na arte dramática, o consideramos como parte das atividades a serem realizadas com as crianças. É claro que não estamos nos referindo à imitação como simples cópia, mas sim como um ato de investigação, como observa Melissa dos Santos Lopes (2008, p.2):

Antes, é necessário explicar que o conceito de Imitação a que me refiro não se dirige àquela estereotipada, pelo contrário, quando abordo esse termo, minha busca é a proximidade entre a realidade do que se vê, com a realidade de quem vive.

Ao imitar algo ou alguém, o indivíduo não deixa de imprimir suas peculiaridades naquela imitação; peculiaridades estas observadas e adquiridas da relação com o mundo, com os objetos, com as pessoas; peculiaridades estas que nunca serão iguais. Por isso é tão importante ter consciência de “seu” corpo para poder buscar o corpo do outro.


6 Crianças de 0 a 3 anos.

Pela brincadeira, pelo jogo, a criança representa o outro, a realidade e a si mesmo. Brinca de ser fazendo de conta, experimenta diferentes sensações, aguça os sentidos. É a sua liberdade de ser o que quiser e de se conhecer. Sem dúvida, isso revela pontos de contato com o teatro.

Cotidiano como tema

Uma das questões propostas era refletir sobre o cotidiano. Segundo Boal (2009), nossa rotina é repleta de cenas ritualizadas: café da manhã, almoço, jantar, banho… Constantemente representamos diferentes papéis sociais, com diferentes personagens. A Olívia que aqui escreve não é a mesma em casa, com os amigos, no trabalho… Pois representa variados papéis sociais e se relaciona com diferentes pessoas, objetos e até animais.

A ideia foi levar fragmentos de cenas diárias para dentro da sala e se portar conforme o pedido naquela “cena”. Na minha experiência universitária do Curso de Teatro, após apresentarmos alguma cena para os colegas de turma, conversamos sobre o que foi assistido. Será que com as crianças esse tipo de situação seria possível? Tentamos então…

Linguagem teatral

O Teatro na educação infantil deve ser entendido como uma experiência completamente integrada às outras experiências vividas pelas crianças: a leitura de histórias, a brincadeira, a expressão plástica, a música, o movimento.

Desde cedo, as crianças podem refletir sobre o que é específico desta Arte: o espaço cênico, a presença de personagens, a dramaturgia, bem como sobre o cenário, o figurino, a maquiagem, objetos de cena, luz e som, elementos que compõem a linguagem teatral.

O Teatro é uma arte que integra várias experiências; ao fazer teatro a criança se coloca movimentando-se, expressando-se, falando e cantando, como forma de significar situações. Seus aspectos motores, afetivos e intelectuais se associam com as linguagens que ela está construindo, experiência muito importante no processo de construção da própria imagem e sentido de si.

A dramatização está ligada ao jogo, onde reside a raiz de toda a criação infantil. Muito cedo, as crianças começam a brincar de ser coisas diferentes, destacando ou modificando sua própria aparência. A experiência de interagir com diferentes parceiros as leva a imitar significativamente seus gestos, movimentos e expressões. Nessas brincadeiras, as crianças poderão ser apoiadas pelo professor ou pelos colegas na utilização de vários elementos característicos do teatro: fantasias, maquiagem, adereços, máscaras etc.

A aprendizagem do fazer teatral, além de passar pelo aperfeiçoamento do brincar de faz de conta, também se beneficia da maior experiência das crianças em usufruir da contação de histórias que se faz cotidianamente no CEI, creche ou EMEI, em que aprendem a lidar com as palavras e imagens às quais elas remetem.

Fonte: Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações
Didáticas para Educação Infantil. Prefeitura Municipal de São Paulo.

Enquanto uma educadora estava com as crianças em um espaço no CMEI, outras montavam um cenário bem simples e simbólico na sala. Quando as crianças voltavam à sala, elas percebiam que uma cena, sem muito diálogo, estava acontecendo.

A primeira cena dessa sequência foi a do café da manhã. As crianças chegaram, viram as educadoras tomando café em xícaras de porcelana, sentadas no chão sobre o tatame. Foram usados objetos não convencionais para causar estranhamento nos pequenos. Sem “direcionamento”, as crianças foram se sentando, transbordando curiosidade em volta da cena, como num teatro de arena. Sem falar nada, íamos colocando café imaginário na xícara, adoçando e tal… Às gargalhadas, as crianças iam pedindo para ver o conteúdo das xícaras, imitavam-nos sentindo o aroma, ou pediam para servir, com o bule, os colegas. O objetivo era permitir que eles explorassem aquele material. Não houve alvoroço porque as crianças não estavam curiosas apenas com os objetos, mas com as nossas ações. Em algum momento
do dia sempre usamos a estratégia do silêncio, priorizando ações, gestos, olhares…

A segunda cena foi a do banho. Montamos o cenário apenas com uma cortina para box de banheiro e frascos vazios de xampus, e fomos nós que começamos a brincadeira de faz de conta. As crianças do maternal II chegavam e iam se sentando nos tatames, sabendo que alguma coisa estava acontecendo. Após a cena “muda”, conversávamos a respeito do que eles haviam visto. Surgiram falas como “É banho”; “Minha mãe me dá banho e lava minha orelha”… Em seguida, eles puderam brincar no cenário e com os objetos.

Augusto Boal (1931-2009)

Diretor, autor e teórico. Por ser um dos únicos homens de teatro a escrever sobre sua prática, formulando teorias a respeito de seu trabalho, torna-se uma referência do teatro brasileiro. Principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1960. Criador do teatro do oprimido, metodologia internacionalmente conhecida que alia teatro à ação social.

Fonte: www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=703

Um outro olhar

De fato, é preciso mesmo perguntar-se: o que é teatro? E o que é possível identificar, da natureza teatral, na primeira infância?

Há muito tempo que o Teatro deixou de ser entendido apenas como a “arte da representação”. E, se é possível falar de situações teatrais com crianças menores de 3 anos, certamente o ponto de coincidência do fazer infantil com o teatro não será ainda a representação, mas a corporeidade, a fisicalização7, o próprio corpo – elementos importantes no teatro.

É verdade que um dos tipos de teatro é aquele que “representa a realidade”. Porém, o trabalho com as crianças pequenas pode nos fazer pensar em outras maneiras de entender e propor atividades teatrais para as crianças.

Machado (2010) nos convida a pensar numa perspectiva de teatro como o entendia Artaud (1896-1948), para quem, para haver teatro, não é absolutamente necessário que haja representação, mas que haja, antes de tudo, vida. Para Artaud, o teatro se faz a partir do corpo do ator, que não mais “representará”, mas vivenciará, corporificará seus personagens, dramas e conflitos no corpo.

Formas de teatro que não necessariamente se comprometem com a linearidade, com a narrativa com começo-meio-fim, ou com personagens preestabelecidos chamam-se pós-dramáticas. E é interessante perceber o quanto o teatro pós-dramático tem a ver com as formas de expressão da criança bem pequena. Nesse sentido, pensar o faz de conta e o teatro a partir de uma perspectiva artaudiana pode abrir possibilidades de contemplar o teatro na escola e perspectivas para o nosso trabalho como professores de teatro, em qualquer faixa etária, na chave de um teatro contemporâneo, pós-dramático, em que não se escolherá mais temas, personagens ou histórias prontas para serem representadas,
nem falas ou palco e plateia. Nessa perspectiva, a criança “é” pessoa e personagem, e seu corpo e movimento oferecem materialidade a situações imaginárias, que podem ser apoiadas pelo professor, modificando os ambientes de brincar das crianças com o uso de objetos, luzes, transparências, criando climas, tempos e espaços outros:

Trabalhar com crianças pequenas na chave do teatro pós-dramático é voltar o olhar para a criança mesma, e para o dom do faz de conta, para sua capacidade de imaginar e seu polimorfismo. Nesse tipo de trabalho o professor poderá até mesmo abrir mão do recurso de um baú de roupas, fantasias e objetos cênicos, para fazer um teatro invisível (a olho nu). O importante é poder propor intercâmbios entre o brincar e o fazer teatral, de modo que a criança pequena compreenda, ela mesma, semelhanças e diferenças entre esses fazeres. (Machado, 2010, p.100)

Maria Paula Zurawsky, professora, formadora de educadores e artistas do Grupo Furunfunfum de Teatro, em São Paulo (SP)


7 Fisicalizar: Manifestação física de uma comunicação. Expressão física de uma atitude. Dar vida a um objeto ou situação. Em: SPOLIN, V. Orientação: Consciência Sensorial. In: Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 49-51.
8 Implicações do pensamento merleau-pontiano para compreender o ensino e a prática teatral junto a crianças, de Marina Marcondes Machado. In: Merleau-Ponty e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

A segunda proposta foi a escolha da dramatização da música favorita deles: O leão e a minhoca. Antes de tudo, pesquisamos um pouco sobre os animais e descobrimos que não sabíamos muita coisa sobre eles. Partimos, então, para a pesquisa dos personagens. Notamos, depois de assistir a alguns vídeos, que o som produzido pelos leões é bem diferente do som conhecido por nós. Levamos então à roda de conversa, em primeiro lugar, o som gravado. As crianças tinham de nos dizer qual era o bicho relativo ao som apresentado. “Joaninha”, “Barata”… As crianças disseram tudo, menos leão. Começamos, então, a dar dicas, aliando gestos ao som, até elas acertarem. Des cobrimos, com essa atividade, que investimos bastante no sentido visual sem considerar a possibilidade de aliá-lo a um estímulo sonoro, o que se traduziria em excelentes possibilidades de desenvolvimento do processo simbólico.

Em seguida, introduzimos imagens estáticas e em movimento. Levamos cartões com imagens de leões em várias situações e em diferentes ângulos para as rodas de conversa. Falamos sobre essas imagens e as investigamos, favorecendo a imitação, inclusive, com a observação no espelho. Na segunda etapa, levamos vídeos de leões tomando banho, rugindo, andando, correndo, lambendo a pata… Sempre com a proposta de imitar cada movimento.

Com as crianças, garimpamos o terreno do CMEI em busca de minhocas que foram colocadas em um balde e levadas para as salas a fim de observarmos atentamente seus movimentos. Um laboratório! E tudo isso tendo o corpo como foco primordial.

Quando se dramatizou a história contida na música, foram introduzidos objetos simbólicos. Apenas uma meia-calça na cabeça para a minhoca e uma juba feita de barbante para o leão. Dramatizamos várias vezes na mesma turma, e em cada uma dessas dramatizações trocamos os papéis. Se numa dramatização fui minhoca, na outra fui leão, e assim se seguiu com minhas colegas. A finalidade era a de mostrar às crianças que qualquer uma podia ser o leão ou a minhoca. Brincamos disso com eles, e eles foram leão e minhoca ao mesmo tempo!

A maquiagem

Grupos de 7 ou 8 crianças sentadas nos tatames, ao som de uma música calma, observaram uma educadora pintando a outra (novamente sem ter a fala por foco, mas a ação), enquanto a terceira educadora brincava com o restante da turma em outro espaço do CMEI (assim como nos demais encaminhamentos). Aos poucos, as crianças pediam o material ou nós mesmas íamos oferecendo para que o explorassem.

O próprio corpo, o corpo do amigo e até mesmo o nosso viraram um grande suporte para o desenho, de maneira livre. Não nos prendemos a desenhar “algo”, nem cobramos isso deles, mas deixamos que o material fosse testado nos corpos, tendo o espelho como fonte para observações.

Todas essas brincadeiras descritas foram realizadas com as turmas do berçário e do maternal I e II. O planejamento não foi seguido ao “pé da letra” e as etapas não seguiram iguais em todas as turmas, pois a faixa etária era diferente, e isso precisou ser respeitado. O processo foi registrado fotograficamente e por algumas filmagens que foram exibidas em data show para as crianças. Elas se tornaram espectadoras delas mesmas.

Aparentemente simples, as atividades de imitação de gestos, sons e práticas sociais cotidianas constituem os primeiros passos para iniciar as crianças no jogo teatral.

E assim concluímos o ano, com um gostinho de quero mais!

Antonin Artaud (França, 1896-1948)

Foi um poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês. Esteve ligado ao movimento surrealista. Sua obra O teatro e seu duplo é um dos principais escritos sobre a arte do teatro no século XX, referência de grandes diretores como Peter Brook, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba.

Fonte: Antonin Artaud: a posição da carne, Teixeira Coelho. São Paulo: Brasiliense, 1982
Posted in Revista Avisa lá #55.