Crianças de quinto ano revelam sua trajetória como leitoras e a importância de alguns influenciadores: escola e família
Há grande diversidade de objetos nos espaços em que as crianças estão inseridas, com diferentes características, usos e estéticas. Conhecer o mundo implica conhecer as relações entre os seres humanos, a natureza, os objetos e a forma como interagem com os recursos com os quais dispõem.
Segundo os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI):
Os materiais constituem um instrumento importante para o desenvolvimento da tarefa educativa, uma vez que são um meio que auxilia a ação das crianças. Se de um lado, possuem qualidades físicas que permitem a construção de um conhecimento mais direto e baseado na experiência imediata, por outro, possuem qualidades outras que serão conhecidas apenas pela intervenção dos adultos ou de parceiros mais experientes. As crianças exploram os objetos, conhecem suas propriedades e funções e, além disso, transformam-nos nas suas brincadeiras, atribuindo-lhes novos significados. (Vol. 1. p.71)
Para que os objetos possam ser utilizados como fonte de conhecimentos para as crianças, é necessário criar situações nas quais elas observem e percebam suas características sensíveis e também suas propriedades não evidentes. Foi pensando em oferecer às crianças de 4 e 5 anos do G5 novas informações sobre os materiais e seus usos e propiciar experiências diversas que organizamos o projeto Costureiros reais na Escola Grão de Chão, em São Paulo (SP).
A ideia de iniciarmos o trabalho com atividades envolvendo alinhavo e costura surgiu da observação de uma brincadeira que passou a acontecer diariamente na sala do G5. Após o término das atividades deixávamos alguns cantos com diferentes propostas de exploração de materiais disponíveis para as crianças e, dentre eles, estava o alinhavo de madeira.
O grupo interessou-se em explorar as várias formas de preencher o desenho com as linhas e logo esta brincadeira tornou-se um jogo simbólico. Eles tornaram-se “costureiros da realeza”, os quais precisavam fazer as roupas para as princesas, príncipes, reis e rainhas e ficavam escondidos costurando para a bruxa não encontrá-los.
Diariamente a história acontecia no mesmo canto da sala: eles alinhavavam, criavam e encenavam, posteriormente, um enredo. Na área de Ciências Naturais e Sociais já estávamos desenvolvendo um projeto sobre o Sistema Solar em que fomos pesquisando sobre o Universo e as características de cada planeta. Quando iniciamos nossas pesquisas sobre o planeta Terra focamos na preservação do meio ambiente e na transformação dos materiais como uma das formas de reaproveitamento dos recursos naturais e dos objetos de nosso cotidiano.
Com isso, pensamos em integrar as áreas (Ciências Naturais e Sociais e Artes Plásticas) e discutir o reaproveitamento, a criação e a reinvenção de materiais que são muitas vezes chamados de lixo, tais como: bandeja de isopor, retalhos de papel, garrafas PET, folhas, sementes e pedaços de galhos recolhidos do chão do Parque da Água Branca, em São Paulo (SP); retalhos de tecidos e de materiais sintéticos, entre outros.
Nosso principal objetivo era trabalhar a costura com diferentes materiais relacionando essa atividade à proposta do projeto de transformar o lixo em arte. Para isso, pensamos em um conjunto de atividades sequenciadas com diferentes graus de dificuldade e habilidades, partindo de materiais mais firmes, como o isopor (em que as crianças conseguissem costurar com a ajuda de agulhas grossas), até chegarmos ao desafio de costurar em tecidos.
A exploração dos materiais como primeira etapa do processo garantiu, de certa forma, a elaboração e o aprimoramento do olhar sobre os objetos e materiais disponíveis. É na exploração que nos debatemos com as dificuldades ou as facilidades de criar e produzir algo novo a partir dos recursos dos quais dispomos.
Nesse sentido, essa primeira exploração funciona como um “rascunho”. O que o aluno percebia e expressava nesse primeiro momento foi fundamental para que pudéssemos tomar novas decisões sobre como prosseguir com o projeto.
No Grão, o brincar acontece em todos os momentos, seja em sala, ao ar livre, no quintal… Costurar permaneceu como uma grande brincadeira para o grupo. E o jogo simbólico, que já acontecia, foi tornando-se mais elaborado em função das histórias que foram escutando, como A maravilhosa roupa do rei, As roupas novas do Imperador, Rumpelstichen, dentre outras, cujo enredo apresentava roupas mágicas que conferiam aos seus usuários poderes fantásticos. Aos poucos, as crianças tornaram-se verdadeiros costureiros, aprendendo a dar nó, colocando a linha na agulha (grossa), criando pontos diferentes e unindo materiais diversos para dar vida às suas criações.
Em busca de transformar o lixo em arte, trabalhamos com conteúdos da Arte Contemporânea, na exploração reutilização de materiais diferentes para a produção e na apreciação de artistas, como Vik Muniz, Nuno Ramos e Franz Krajcberg. A Arte Popular Brasileira também foi apreciada em seu fazer artesanal inspirado nas bordadeiras das diversas regiões do Brasil.
Dentre os artistas apresentados às crianças durante o projeto, destacamos o trabalho de Leonilson (1957-1993) – pintor, desenhista e escultor contemporâneo, que fez uso de costuras e bordados em sua produção artística. Suas obras, assim como os mantos e lençóis também bordados de Arthur Bispo do Rosário (1911-1989), serviram de inspiração para que as crianças realizassem o produto final do projeto: a criação de uma roupa mágica com a qual poderiam transformar-se no que desejassem.
As atividades que organizamos envolvendo diferentes tipos de materiais mostraram às crianças as possibilidades de transformação, de reutilização e de construção de novos elementos, formas e texturas a partir do uso da costura. Isso se tornou ainda mais evidente quando, munidos de agulhas, linhas e lãs tingidas por eles mesmos, nossos alunos deram asas à imaginação e criaram lindas roupas, transformando-se nos personagens imaginados nas histórias contadas durante todo o trabalho.
Observamos que, durante o processo de confecção das roupas, as crianças utilizaram-se de características associativas dos objetos, seus usos simbólicos e suas possibilidades reais para, aos poucos, relacioná-los e transformá-los em suas obras.
É no fazer artístico e no contato com os objetos de arte que parte significativa do conhecimento em Artes Visuais acontece. No decorrer desse processo, o prazer e o domínio do gesto e da visualidade evoluem para o prazer e o domínio do próprio fazer artístico, da simbolização e da leitura de imagens.
O ponto de partida para o desenvolvimento estético e artístico é o ato simbólico que permite reconhecer que os objetos persistem, independentes de sua presença física e imediata.
Operar no mundo dos símbolos é perceber e interpretar elementos que se referem a alguma coisa que está fora dos próprios objetos. Os símbolos reapresentam o mundo a partir das relações que a criança estabelece consigo mesma, com as outras pessoas, com a imaginação e com a cultura1.
A alegria da conquista de cada criança durante todo o trabalho de criação que envolveu esse projeto trouxe-nos a certeza de que o aspecto criativo, presente em todo o processo, alimentado pelo imaginário, é da natureza da criança (ou melhor, do homem) e, tendo ela o ambiente livre para experimentar e desenvolver, esse será sempre um conteúdo precioso em todos os momentos da vida.
(Carolina Rossi, professora de Educação Infantil na Escola Grão de Chão, em São Paulo-SP)
1Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental.Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 91. Disponível em: portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf
Sequência de atividades do projeto Costureiros reais
Além das atividades elaboradas para o projeto de Ciências propusemos:
- Alinhavo livre no isopor.
- Desenho e alinhavo no isopor.
- Costura de retalhos de papel.
- Tingimento de barbante, desenho e colagem do barbante tingido sobre papel.
- Costura de Garrafa Pet e pedaços de plástico (escultura).
- Desenho e bordado sobre tela.
- Desenho, colagem e costura sobre material sintético.
- Roupa Mágica – Costura e colagem sobre pano.
Ficha Técnica
- Escola Grão de Chão
Endereço: Rua Tanabi, 275 – Água Branca. CEP 05002-010 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3672-0208
Site: www.graodechao.com.br
Diretoras: Lucília Helena Franzini, Maria Cecília Franzini e Paula Antunes Ruggiero
Coordenação das Ofi cinas de Artes Visuais: Lucília Helena Franzini e Paula Antunes Ruggiero
E-mails: lucilia@graodechao.com.br e paula@graodechao.com.br
Professora: Carolina Rossi
E-mail: carolinarossi@hotmail.com
Artistas que bordam:
José Leonilson Bezerra Dias
José Leonilson Bezerra Dias (1957-1993), artista cearense, produziu uma obra predominantemente autobiográfica e centrada, fazendo uso recorrente de costuras e bordados, construindo peças que, segundo a crítica Lisette Lagnado, foram construídas como cartas íntimas. Em 1991, descobriu-se portador do vírus da Aids e a condição de doente parece ter impactado muito sua obra. Seu último trabalho foi uma instalação concebida para a Capela do Morumbi, em São Paulo (SP), em 1993, revelando um sentido espiritual e fazendo alusão à fragilidade da vida.
No ano de sua morte, familiares e amigos fundaram o Projeto Leonilson, com o objetivo de organizar os arquivos do artista e de pesquisar, catalogar e divulgar suas obras, visando à realização de um catálogo geral de sua produção artística de grande importância no panorama cultural contemporâneo brasileiro.
Bispo do Rosário
Arthur Bispo do Rosário (1911-1989), artista sergipano, impregnou em sua obra a tradição dos bordados feitos pelos artesãos de sua terra natal. Partindo das referências encontradas nas vestes e nos arranjos dos santos usados nas festas religiosas, o artista motivou-se a utilizar a mesma técnica em mantos, fichários de nomes e até em um carrossel francês antigo, além de outras peças do vestuário.
Vivendo pela arte e para a arte, o artista também fez esculturas e instalações. Bispo do Rosário faleceu no hospital psiquiátrico em 1989, após quase 50 anos de recolhimento.
Para saber mais
Livros
- Dossiê: Entre lugares do corpo e da arte, de Ana Angélica Albano e Márcia Strazzacapa (org.).In. Pro-Posições/ UNICAMP. Faculdade de Educação – Campinas, v.21, n.2 (62), maio/ago. 2010. Tel.: (19) 3521-5602. Disponível em: mail.fae.unicamp.br/~proposicoes/edicoes/sumario61.html
- Criatividade e processo de educação, de Fayga Ostrower. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977. Tel.: (24) 2233-9000. Site: www.universovozes.com.br
- Arte/Educação Contemporânea. Consonâncias internacionais, de Ana Mae Barbosa (org.). São Paulo: Editora Cortez, 2006. Tel.: (11) 3611-9616. Site: www.cortezeditora.com.br