Brincar com arte

Um caminho para construir, imaginar e transformar as brincadeiras infantis utilizando elementos de artes visuais
Produção feita pelas crianças da Grão de Chão (foto: arquivo da escola)

Produção feita pelas crianças da Grão de Chão (fotos: arquivo da escola)

Na Escola Grão de Chão1, o dia começa com diversas atividades realizadas na parte externa da casa, que chamamos de Quintal. Crianças de diferentes idades (de 2 a 6 anos) escolhem brincar no tanque de areia, na mesa de desenho, no brinquedão ou no “Caminho”. Mas o que é esse tal “Caminho”? São construções lúdicas (montadas pelos educadores com a participação dos pequenos), que utilizam diversos materiais, como pneus, tábuas, módulos de madeira, escadas, tonéis de ferro, tecidos e cordas. Elas compõem um cenário diferente a cada dia e propiciam desafios corporais e diversos jogos simbólicos, como casinha, castelo, barco pirata, trem, nave espacial etc.

Quando a criança tem à sua disposição tempo, espaço propício e diversidade de materiais, a capacidade de inventar é valorizada e alimentada em um jogo constante de transformar. Além da inventividade, brincar no “Caminho” favorece a socialização de todos e estimula a percepção e o domínio de habilidades corporais, afetivas e cognitivas. Também desenvolve a iniciativa, a imaginação e o interesse por novos desafios, além de despertar o sentido de responsabilidade coletiva, pois construímos e desmontamos o “Caminho” em grupo. Dividir espaços, compartilhar ideias e resolver problemas são outras aprendizagens privilegiadas nesses momentos.

O “Caminho” dentro da sala
Quando decidi levar a brincadeira do “Caminho” para dentro da sala, eu trabalhava com um grupo formado por pequenos de 3 anos. Essa é uma idade em que eles ampliam significativamente as habilidades corporais e apresentam grande interesse por brincadeiras e jogos. A atividade já era, para a turma, a representação das conquistas corporais e foi muito importante integrar esse interesse a outras áreas do conhecimento, como Matemática e Artes. Primeiramente, exploramos a construção de percursos utilizando papéis recortados em formas variadas, e as crianças começaram a estabelecer relações com os formatos das tábuas, dos pneus e dos tonéis. Em outro momento, oferecemos materiais tridimensionais (latas, madeiras, palitos e tampinhas plásticas) para que possam construí-los novamente e, utilizando bonecos de pano, a turma reproduziu as brincadeiras do Quintal. A produção ficou mais elaborada e cresceu o interesse em conhecer e nomear as figuras dos objetos.

A partir de observações de formatos variados, elas passaram a identificá-las nas peças do “Caminho”, nos brinquedos, nas portas, nas janelas e até nas arandelas! Algumas, entusiasmadas, me contaram que em casa também havia muitas formas diferentes. A brincadeira ganhou um novo significado – a descoberta do mundo das formas.

“Caminho A”

“Caminho A”

Mundo das formas
Propus um projeto de Artes Visuais e fiz um convite: “Vamos viajar para o mundo das formas?”. Expliquei que, durante essa viagem, a turma conheceria alguns artistas que utilizavam, cada um do seu jeito, as formas em suas obras. Os pequenos também poderiam ter suas próprias ideias, para com elas elaborar recortes, colagens, construções, relevos e esculturas. As apreciações evidenciaram alguns elementos de Artes Visuais, como forma, cor, textura e, principalmente, a questão do espaço bi e tridimensional, o relevo e o movimento. Do começo ao fim do trabalho, fizemos explorações importantes dentro e fora da sala, com materiais grandes e pequenos, fixos e móveis, leves e pesados, e assim por diante. Os artistas apresentados foram escolhidos porque trabalhavam as formas geométricas nos diversos planos. São eles: Hélio Oiticica2, Jesús Rafael Soto3, Sérgio Camargo4 e Rubem Valentim5.

Levando em conta a idade das crianças, as apreciações foram realizadas de maneira lúdica. Por isso, as propostas tinham um título divertido, como, por exemplo, Brincadeira das formas, que recebeu esse nome porque, ao observar composições de Rubem Valentim, os pequenos disseram que as formas pareciam estar brincando, uma subindo em cima da outra, formando filas ou torres, como se fosse um jogo de equilíbrio. Na produção, criaram também uma brincadeira e aplicaram o conhecimento adquirido por meio de apreciação.

No caso de Formas curiosas, ao apreciar alguns Bólides, de Hélio Oiticica, elas perceberam que as formas geométricas apareciam de modo curioso em caixas, garrafas, tecidos e outros materiais. Ao realizar uma oficina livre (possibilidade de escolher e explorar com autonomia diversos materiais), as crianças produziram objetos-esculturas tendo como ponto de partida uma caixa. Brincar com o “Caminho” e os blocos lógicos possibilitou à turma de 3 anos conhecer as formas geométricas e estabelecer relações com o corpo e o pensamento lógico-matemático. Em contato com as diversas produções na aula de Arte, cada criança utilizou as formas de maneira expressiva, ampliando também o repertório lúdico, imaginário, poético e cultural.

(Silvia Bogik Haddad, professora da Escola Grão de Chão, em São Paulo – SP)

1A Escola Grão de Chão atende crianças de 1 a 7 anos, no bairro da Água Branca, em São Paulo (SP).

2Hélio Oiticica (1937-1980) nasceu no Rio de Janeiro. Foi pintor, escultor, artista plástico e performático. Criador do Parangolé, uma espécie de capa que, ao ser movimentada, revela suas cores e materiais utilizados, o que a torna uma escultura móvel.

3Jesús Rafael Soto (1923-2005), nascido em Ciudad Bolívar, Venezuela, foi o criador da Arte Cinética e ficou conhecido pelas esculturas chamadas Penetráveis, dentro das quais as pessoas podem entrar, caminhar e interagir com elas.

4Sérgio Camargo (1930-1990), nascido no Rio de Janeiro, foi artista plástico, escultor e filósofo. Nas décadas de 1960 e 1970, em Paris, concentrou seus trabalhos em esculturas, em madeiras, com pinturas monocromáticas.

5Rubem Valentim (1922-1991) nasceu em Salvador, Bahia. Dentista, jornalista e pintor autodidata, contribuiu para o movimento de renovação do panorama cultural baiano com sua pintura não figurativa de base geométrica. Ao residir em Brasília, passou a recortar, do suporte bidimensional da pintura, seus símbolos e signos, concedendo-lhes a vida autônoma de objetos tridimensionais.

crianças brincando com papéis recortados representando o “Caminho"

crianças brincando com papéis recortados representando o “Caminho”

Esqueleto do Projeto de Artes Visuais

  1. Estudo do espaço: observação dos espaços interno e externo da escola e descoberta das formas naturais e geométricas.
  2. Descoberta das formas: plano bidimensional – Metaesquema (Hélio Oiticica).
  3. Formas em movimento: Relevo Espacial (Hélio Oiticica).
  4. Formas curiosas: plano tridimensional – Bólides (Hélio Oiticica).
  5. A brincadeira das formas: plano bimensional (Rubem Valentim).
  6. As formas querem passear: relevo (Rubem Valentim).
  7. As formas ficaram amigas: plano tridimensional (Rubem Valentim).
  8. Formas, linhas e movimento: móbiles (Jesús Rafael Soto).
  9. Dança das linhas: relevos (Jesús Rafael Soto).
  10. A bagunça das formas: relevo (Sergio Camargo).
“Caminho”

“Caminho”

Ficha técnica

Escola Grão de Chão
Endereço: Rua Tanabi, 275 – Água Branca – São Paulo – SP – CEP 05002-010
Tel.: (11) 3673-0208 e 3672 -5926
Email: escola@graodechao.com.br
Site: www.graodechao.com.br
Diretoras: Lucília Franzini, Maria Cecília Franzini e Paula Ruggiero
Coordenadora pedagógica: Lucília Franzini
Email: lucilia@graodechao.com.br
Professora: Silvia Bogik Haddad
Email: sil.haddad@hotmail.com

Para saber mais

Livros

  • Arte contemporânea – Mostra do redescobrimento, Catálogo da exposição de Nelson Aguilar (org.) e Suzana Sassoun (coord. geral). Fundação Bienal de São Paulo. Tel.: (11) 5574-5922.
  • A criança e o número, de Constance Kamii. Ed. Papirus. Tel.: (19) 3272-4500 e vendas@papirus.com.br.
  • Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora, de Rudolf Arnheim. Ed. Pioneira. Tel.: (11) 3665-9900.
  • Universos da arte, de Fayga Ostrower. Ed. Campus: Rio de Janeiro. Tel.: 0800-265340 e www.campus.com.br.
“Caminho em miniatura”

“Caminho em miniatura”

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