Experimentar para criar

Acesso a diferentes tipos de materiais e suportes nas atividades de arte estimula o desenvolvimento dessa linguagem em crianças muito pequenas
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Fotos: Ana Paula Yazbek

Desde o início do Espaço da Vila1, em 2002, as atividades de Arte fazem parte do nosso dia a dia. Sempre nos permitimos experimentar muito, sem exagerada preocupação com a possível sujeira decorrente das experiências e sem limitar o contato dos pequenos com os mais diversos materiais. Ao longo dos anos, esse trabalho foi ganhando mais consistência. Passamos a planejar nossas ações com base no momento da produção e nos desafios inerentes a cada proposta, e não mais no resultado e nas marcas que ficavam impressas nos papéis. Fomos percebendo que nossas intervenções, tanto na maneira de organizar o espaço como na escolha dos materiais, eram de extrema importância para o momento da produção. Notamos, progressivamente, mesmo trabalhando com crianças tão pequenas, que era possível organizar atividades em forma de oficinas, nas quais elas poderiam escolher os materiais a serem utilizados. As oficinas, cada vez mais, têm ocupado diferentes espaços, poucas vezes restritas à sala. Ocupamos o jardim, os murais, o chão, as árvores, as teclas…

Não enfrentamos nenhuma resistência ou mesmo dispersão, pelo simples fato de ocuparmos espaços pouco usuais. Talvez, pela idade da turminha, ainda seja cedo denominar essas propostas de Oficina de Percurso, pois dá a ideia de algo a ser percorrido, com algum tipo de intenção prévia no momento da produção, o que seria pretensioso com os tão pequenos. Sabemos, entretanto, que essa intenção ocorre pela experimentação durante a própria produção, então, por enquanto, denominamos apenas de oficina. Depois da leitura dos livros de Anna Marie Holm (ver box abaixo) e da oficina de artes realizada no piquenique do fim de 2007, sugeri, em reunião pedagógica, a organização de uma grande oficina que envolvesse, ao mesmo tempo, todas as turmas do Espaço Vila. O objetivo era experimentar algumas sugestões apresentadas no livro, como o uso de materiais inusitados para a produção – vassouras, esfregões, escovinhas, plástico bolha, brinquedos e objetos encapados.
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A ideia era integrar o espaço de produção ao de brincadeira, deixando os pequenos livres para a experimentação. A intervenção dos educadores estaria voltada à organização e à escolha dos materiais; durante a produção, ao suporte (fornecimento de tintas, por exemplo) e ao atendimento às solicitações dos meninos e das meninas. Em reunião pedagógica, registramos em um quadro (abaixo) como seria a oficina, discriminando os espaços utilizados, as modalidades a serem trabalhadas, os materiais e o preparo (organização) ne cessários. A maior parte das propostas já havia sido feita anteriormente com algumas turmas. A pintura do tronco da árvore, as melecas e o uso de alguns instrumentos não eram novidade, mas a reunião de todas as propostas ocorrendo ao mesmo tempo era algo novo.
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Inicialmente, pensamos em organizar a oficina de um dia para o outro, mas em decorrência das variações de temperatura, optamos por não determinar o dia em que ela ocorreria. Enviei um e-mail aos pais para que ficassem cientes da atividade e providenciassem roupas adequadas para a atividade. Leia a mensagem a seguir.

“Os pequenos nos convidam a experimentar.
Eles têm a arte dentro de si.
Eles criam arte.
Eles nos dizem algo.
Algo que perdemos.
Algo atraente e sedutor.
Algo que reconhecemos.
E que não podemos explicar.
Tudo é muito maior.
Para as crianças pequenas existe uma conexão direta entre vida e obra.
Essas são coisas inseparáveis.”
(Anna Marie Holm)

Caros pais,
Como já é de conhecimento de todos, realizamos, todos os dias, um trabalho em artes plásticas, que envolve propostas de pintura, desenho, colagem, modelagem e melecas. Como parte desse trabalho, organizamos, semanalmente, oficinas que garantem o acesso autônomo das crianças a diferentes materiais. Na próxima semana (de 5 a 9 de maio), realizaremos uma GRANDE OFICINA DE ARTES, com todas as turmas trabalhando ao mesmo tempo. Por isso, pedimos que enviem DIARIAMENTE nas mochilas uma muda de roupa (se possível, num saquinho à parte), que possa ser usada em uma atividade como essa sem que cause maiores transtornos caso fique mais suja do que deveria.

Obrigada,
Equipe do Espaço da Vila

Em 7 de maio de 2008, uma quarta-feira, realizamos a oficina. Ao chegarem ao Espaço, as monitoras responsáveis pelas turmas já estavam empenhadas em organizar os locais previamente definidos. Fizemos algumas alterações no planejamento. A casinha de plástico foi forrada com plástico bolha; o telhado, com jornal, e oferecemos vassouras e esfregões para a pintura. Eu havia esquecido os tecidos que seriam usados para a colagem. Talvez tenha sido até bom, pois essa seria realmente uma proposta nova, que possivelmente não seria bem aproveitada. Forramos a parte de cima do brinquedão com papel-celofane vermelho e deixamos argila para modelar. Não imaginávamos o efeito que poderia ter na luminosidade para quem estivesse trabalhando na parte de baixo. O espaço de desenho ficou ainda mais aconchegante, com atmosfera acolhedora para a produção. No caminho de tijolos, que ligava o banheiro ao tanque de areia, forramos o chão com papel kraft e deixamos o local livre para a impressão de marcas, com passos e motocas. Jogamos um pouco de tinta no chão e deixamos as motocas acessíveis para o deslocamento.
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Enquanto esperavam, as crianças assistiam a um filme em nosso cineminha. Aqui, a primeira dificuldade: manter todas as crianças juntas, em compasso de espera, seria a melhor atividade para anteceder a esse tipo de proposta? O que poderia ter sido proposto para que isso não ocorresse? Seria interessante envolvê-las na preparação dos espaços? Se elas tivessem feito outras atividades, ou mesmo participado em parte da organização, provavelmente a tensão notada enquanto tudo ficava pronto talvez tivesse sido menor. Tal proposta exige muita agilidade e trabalho em equipe para que ocorra da melhor maneira possível. E à medida que os espaços ficavam prontos, as roupas dos pequenos eram trocadas para que ficassem com as vestimentas adequadas.

Essa é uma boa questão. Com certeza, as crianças estavam bem curiosas com a surpresa. Achei a ideia de participar da organização excelente. Na próxima oficina, é possível tentar selecionar tarefas para alguns grupos, como ajudar a levar os materiais, arrumar os pincéis e organizar algumas ferramentas nos espaços. Dessa maneira, pode ser que a tensão diminua mesmo, pois vão, de alguma forma, acompanhando o movimento. Talvez o clima de primeira oficina estivesse contagiando todo o espaço! Sobre o envolvimento da equipe, isso fica claro nas imagens. O cuidado com a organização, o carinho dos objetos arrumados… é perceptível!

Observações de Karen Greif Amar, professora de Arte da Escola da Vila, em São Paulo (SP).

Quando quase tudo já estava organizado, liberamos a criançada. Não houve nenhuma conversa ou roda antes da produção. Ao saírem do cineminha, os pequenos se depararam com o Espaço tomado e transformado e, aleatoriamente, iniciou-se a produção. Certamente a realização de uma roda teria sido o procedimento mais adequado, mas não havia mais como contê-los. Se eles tivessem participado do preparo da oficina, esse início talvez tivesse sido mais harmonioso. Foi quase uma debandada, sem que ninguém soubesse ao certo o que iria acontecer. Cada um indo para um local diferente, colocando as mãos nas tintas, numa ação aleatória, de pura experimentação. Logo observamos algumas inadequações referentes à organização dos espaços: no centro da pracinha, onde colocamos caixas de papelão e CDs, havíamos forrado o chão com plástico, o que tornou o piso bastante escorregadio devido o respingar de tinta. Rapidamente, colocamos jornal sobre o plástico. É importante destacar que praticamente todas as crianças aderiram à oficina e exploraram, cada uma a seu modo, os diferentes espaços. As educadoras, por sua vez, fizeram todo o possível para que a atividade fosse realizada.

O plástico pode ser interessante num espaço de pintura mural, colocado sobre uma parede que proponha uma pintura diferente – sobre a janela, por exemplo. Teria de olhar novamente o espaço. Ou sobre algumas imagens coladas na parede… Vamos falar sobre isso – por exemplo, cole umas imagens sobre a mesa, encape com o plástico transparente e ofereça tinta para que os pequenos pintem sobre elas.

(Karen Greif Amar)

Algumas crianças se assustaram com a novidade. Uma delas se recusou a participar da oficina e foi encaminhada ao brinquedão. Praticamente sozinha, explorou as possibilidades da argila sem nenhum contato com os colegas. Quando eles se aproximaram, ela já estava tão envolvida com a proposta que nem precisou de ajuda. Algumas brincavam na rampa do brinquedão, forrada com plástico bolha.

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Será que ela se sentiu acolhida por um material conhecido? Sei que tinta também faz parte do seu repertório, mas a argila conservava sua forma original de ser no mundo.

(Karen Greif Amar)

A maioria se organizou para a produção. Algumas crianças iam de um lugar para o outro, como se quisessem experimentar cada um dos espaços. Outras se detinham em uma proposta, partilhavam os materiais com os colegas e ficavam envolvidas com a produção. O dinamismo delas, provavelmente, se deveu à forma como trabalhamos no Espaço da Vila. Isto é, como não trabalhamos em salas, muitas situações de aprendizagem ocorrem em área externa, o que possibilita que um grupo se envolva em uma roda de conversa enquanto outro brinca num local próximo, sem que haja grande dispersão. O uso de materiais novos, como os esfregões da casinha, foi uma experiência interessante. Mesmo sem nunca ter usado esse instrumento, os pequenos, muito rapidamente, descobriram como utilizálo. Alguns os levaram para outros espaços, mas, de modo geral, os mantiveram próximos à casinha. Essa apropriação sobre a utilização dos objetos pode ser explicada pelas inúmeras situações vivenciadas por eles. Por isso, praticamente não houve disputa por materiais. Apesar da aparente bagunça e da sensação de que muitas coisas escapavam ao controle dos adultos, as imagens (fotos e filmes) apresentam todos extremamente envolvidos em suas produções.

Você não acha que elas sentiram que tudo estava organizado com carinho para elas? Veja, tem um diferencial muito importante aqui que é o papel do professor, planejando, cuidando, preparando e acompanhando de perto todo o trabalho deles. Isso é percebido pelas crianças, é sentido de verdade, não precisa ser dito. Quando uma atividade é organizada e planejada (mesmo se em parte, pois nesse caso vocês não sabiam ao certo o que poderia acontecer), ela tem um diferencial porque foi realizada para aquele grupo em especial, levando em consideração suas características, suas vivências e seus desafios. É uma proposta para elas e isso é percebido, porque ficaram esperando, porque tinham uma roupa especial para sujar, porque eram coisas que adoram fazer. Isso que é o grande segredo: conhecer seu grupo, seu trabalho e planejar para ele especialmente. Quando você diz que muitas coisas escapam do controle dos adultos, penso que ainda bem! Teremos mais pistas para continuar pensando e desafiando esses pequenos!

(Karen Greif Amar)

O contato com essa diversidade de materiais certamente despertou inúmeras sensações táteis, que variavam do prazer ao desprazer, da curiosidade à aflição. Mesmo havendo alguns choros, a atmosfera era de muita tranquilidade e de produção. As lágrimas não passaram despercebidas. Algumas eram demonstrações de puro estranhamento; outras, decorrentes de pequenos acidentes, mas à medida que as crianças eram atendidas, elas logo se encaminhavam para um dos espaços e voltavam a produzir.

Houve muita interação. As de mais idade conversavam sobre o que estavam fazendo e, em alguns momentos, demonstravam carinho e encantamento pela produção das menores. Praticamente todos os espaços foram utilizados. Entretanto, quando a atividade foi concluída, enfrentamos nova dificuldade: conseguir, ao mesmo tempo, limpar as crianças, organizar os espaços e evitar que se sujassem novamente. Trabalhamos em mutirão e, no fim, tudo deu certo.

Com os bebês, a novidade era ainda maior. As educadoras organizaram uma micro-oficina com os diversos materiais e deixaram que eles explorassem o mais possível. Os menores da turma eram levados a sentir a textura da meleca de sagu e, em seus movimentos aleatórios, imprimir algumas marcas nos papéis. Os maiores se sentiram convidados a explorar os materiais, pisando e manipulando as melecas e ocupando todos os espaços organizados. Alguns materiais foram levados à boca, mas não de forma preocupante. A sensação de que algo fugia ao controle das educadoras também permeou esse momento, mas, apesar disso, foi bem interessante.
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Avaliação da oficina

Em uma reunião pedagógica, solicitei às educadoras que falassem a respeito de suas impressões em relação à oficina. Os primeiros comentários foram de desabafo e desagrado.

– Foi horrível!
– Detestei!
– Foi pior para quem ficou cuidando das crianças enquanto as monitoras preparavam os espaços!
– Nós não conseguimos organizar tudo como havíamos planejado!

Entretanto, à medida que falavam sobre a ação das crianças, sobre o clima de produção e de envolvimento que permeou toda a atividade, a sensação de frustração e de fracasso diminuía. Foi possível identificar, por exemplo, uma grande ansiedade nossa decorrente do pouco tempo destinado à realização da oficina. Pouco tempo para o preparo e para a produção. Realizaremos novamente a atividade, mas dedicaremos um tempo maior à organização dos espaços e envolveremos as crianças na organização. Na verdade, ficamos tão animadas em poder proporcionar essa situação de aprendizagem, que acabamos atuando como crianças que não conseguem esperar. Ao final da reunião, todas ficaram aliviadas, principalmente porque reconheceram a qualidade do trabalho realizado.

Assim como o celofane vermelho, que incidiu outra luminosidade no espaço do brinquedão, a partir da análise das imagens e da reflexão sobre a oficina, pudemos ver esse trabalho com outros olhos. Finalizamos a reunião com novos comentários:

– Puxa! Não tinha pensado sobre tudo isso!
– Realmente! Tiveram muitas coisas legais! É impressionante como as crianças ficam envolvidas!
– É mesmo! Eu vi cada cena…
– Agora estou aliviada! Porque eu tinha tanta expectativa e fiquei bem frustrada depois da oficina!
– … dá vontade de fazer de novo!

(Ana Paula Yazbek, pedagoga e diretora da escola Espaço da Vila, com colaboração de Karen Greif Amar, professora de Arte da Escola da Vila, em São Paulo-SP, e formadora de professores da mesma área)

1O Espaço da Vila atende a crianças de até 3 anos. Desenvolve atividades de berçário e de recreação e conta com a parceria da Escola da Vila.
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Artista de referência

“Vejo nas entrelinhas tudo aquilo que não é nada. Procuro sentir o sublime entre as crianças. A narrativa sublime é como uma música que preenche o ambiente e depois desaparece”.

Anna Marie Holm é dinamarquesa, artista contemporânea e educadora. Desenvolve um trabalho a partir de ampla pesquisa e investigação de Arte. Em seu ateliê, recebe bebês, crianças, adolescentes e jovens e com eles realiza diversas oficinas nas quais os sentimentos e pensamentos estão sempre em desenvolvimento, visando ao crescimento pessoal. Utiliza os mais diversos materiais e suas propostas são inovadoras e dinâmicas. Dois livros de sua autoria foram lançados no Brasil: Baby-Art: os primeiros passos com a Arte e Fazer e pensar Arte.

Ficha técnica

Espaço da Vila Berçário e Recreação – Endereço: Rua Antonio Mariani, 58 – São Paulo – SP. CEP: 05530-000 – Tel.: (11) 3727-2700 – E-mail: espacodavila@espacodavila.com.br
Site: http://www.espacodavila.com.br
Diretoras: Ana Paula Yazbek e Helena Yazbek
E-mails: anapaula@espacodavila.com.br e lena@espacodavila.com.br
Professores na ocasião da oficina: Ana Laura Arruda Leite de Castro, Ana Paula Carrascosa Vasco, Heloisa das Chagas Trigo, Leticia Durval de Souza e Vivian Cristina Gouvêa.

Para saber mais

Livros

  • Baby-Art: os primeiros passos com a Arte, de Anna Marie Holm. Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP). – Tel.: (11) 5085-1300 – E-mail: shopmam@mam.org.br
  • Fazer e pensar Arte, de Anna Marie Holm. Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP). Tel.: (11) 5085-1300 – E-mail: shopmam@mam.org.br.
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