Quando o trabalho de diferentes áreas é integrado para atender às crianças, promove o bem-estar dos pequenos e de suas famílias, além de otimizar os serviços prestados
O Programa Infância Ideal é desenvolvido pelo Instituto Camargo Corrêa e conta com a parceria do Instituto Avisa Lá1, que faz a formação técnica dos profissionais de Educação Infantil nos municípios de Apiaí (SP), Bodoquena (MS), Juriti (PA) e Pedro Leopoldo (MG). Em Apiaí, localizado na região do Vale da Ribeira (SP), o trabalho teve início com as conversas entre o secretário municipal de Educação e a equipe do Instituto Avisa Lá no envolvimento das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) com as escolas, o que desencadeou no propósito maior de estabelecer uma aliança intersecretarial envolvendo Saúde e Educação. O objetivo era formar ambas as equipes para conhecer e se apropriar das diretrizes e rotinas referentes às crianças dos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEIs), das Escolas Municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEFs) e dos Centros Municipais de Atendimento Especial (CEMAEs)2. Além disso, havia a intenção de integrar os atendimentos das unidades educacionais com o Programa de Saúde da Família (PSF) e sistematizar procedimentos-padrão em relação às questões de saúde dos pequenos, dos funcionários e das pessoas das comunidades. Cada município em que há o Programa Infância Ideal implementado passa por um processo similar de estruturação. O primeiro passo é organizar o Comitê de Desenvolvimento Comunitário (CDC), que atua como ponto de encontro entre representantes do poder público, da iniciativa privada e do terceiro setor. O CDC é responsável pela identificação dos ativos e desafios da localidade e define áreas prioritárias de atuação.
Próximos porém distantes
Ao iniciar o projeto, nós, formadoras do Instituto Avisa Lá, visitamos, em 2008, várias unidades educacionais e ficamos admiradas com a proximidade física das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Constatamos que as instituições de Saúde e Educação eram próximas, e que elas desconheciam seus procedimentos, costumes e rotinas. Alguns profissionais se conheciam, não havia intercâmbio entre eles. Era notório que a Educação assumia tarefas nem sempre claras para os profissionais; por outro lado, as UBSs prescreviam ações que seus profissionais também desconheciam os procedimentos. Uma criança era atendida em várias áreas, cuja comunicação entre elas inexistia. A proposta delineada pela formadora do Avisa Lá, Margarida Yuba3, levou em consideração o modelo intersetorial do Sistema Único de Saúde (SUS), que teve como objetivo iniciar um processo de integração entre escolas e UBSs nas questões referentes à saúde, tendo como base a abrangência territorial. Ou seja, para cada unidade educacional foi determinada uma UBS de referência. Para que essa proposta fosse viabilizada, a formadora Luzia A. Carelli fez (e ainda faz) a formação dos trabalhadores dos CEMEIs, das EMEIEFs e dos CEMAEs – diretores e equipes de cozinha e limpeza e técnicos da Secretaria Municipal de Educação – e com todas as enfermeiras do PSF do município. Ressaltamos que das 11 unidades educacionais existentes, três estão localizadas na área rural. Vale destacar que a população de Apiaí, segundo o Censo de 2000, é constituída por 27.162 habitantes, sendo 16.648 pertencentes à zona urbana e 10.514 à zona rural.
A proposta é que até o fim da formação, em dezembro de 2010, as escolas tenham elaborado, em parceria com as UBSs, um manual de procedimentos de saúde de Apiaí, utilizando-se da troca de materiais escritos e das discussões feitas nas reuniões mensais.
Formação nas escolas
À medida que discutíamos limpeza e desinfecção, paralelamente, refletíamos sobre temas fundamentais para que os profissionais envolvidos entendessem o valor e a importância de seu papel no trabalho na Educação Infantil. Começamos por concepção de creche, traçando uma linha do tempo, com dados desde os primórdios até os dias de hoje, sua evolução e seus ganhos. Atualmente, as escolas de Educação Infantil são espaços de educação e um direito da infância. Portanto, os profissionais da cozinha e de limpeza também são educadores, e o desempenho do seu papel nesse espaço é profissional, o que difere do doméstico.
Também discutimos a concepção de criança e como se dá seu desenvolvimento até os 6 anos. A criança é capaz de desenvolver a autonomia, trocar ideias e há peculiaridades de desenvolvimento em cada faixa etária. Consequentemente, os cuidados de limpeza e desinfecção para promover a saúde e evitar doenças e acidentes são fundamentais. Começamos a trabalhar com a observação dos espaços e ambientes. Cada unidade desenhou sua planta baixa e, a partir daí, discutimos o porquê das diferentes áreas – crítica, semicrítica4, não crítica – e cuidados necessários em cada uma delas. Também resgatamos um pouco da história da instituição, como o tempo de instalação no local, o motivo do nome etc. Entendendo as diferentes áreas, trabalhamos os procedimentos de limpeza e desinfecção do ambiente e espaço, avaliamos as estruturas físicas, a iluminação, a ventilação, os equipamentos, a água, o acondicionamento do lixo e o saneamento básico. A formadora também esteve em todas as unidades, observando e fotografando. O material coletado da rotina diária será usado como material didático para as discussões teóricas, juntando-se às referências bibliográficas.
Informações em dia
As enfermeiras que participam da formação são todas do PSF – seis ao todo, que atendem em oito UBSs. Começamos a atualizar as carteiras de vacinação dos funcionários da Educação, afinal, para cuidar da saúde da criança, é importante que o profissional também cuide da sua. Após atualização, todos entregaram cópias em suas respectivas unidades. A formadora elaborou uma planilha para as escolas com o nome de cada funcionário, sua função, as vacinas tomadas e as previstas. Esse mapeamento facilitou, para a diretora escolar, o entendimento e a cobrança das próximas vacinas nas datas correspondentes. A carteira de vacinação dos pequenos foram atualizadas nas unidades de saúde. No entanto, nem todas as diretoras tinham a cópia e também não sabiam quais as vacinas necessárias. Foi elaborado um texto pela formadora, de acordo com o calendário básico de vacinação do Ministério da Saúde, colocando as doses obrigatórias até os 6 anos e as doenças que poderiam causar quando não aplicadas. Havia uma tabela anexa que indicava a idade e a vacina correspondente. Acrescentou-se também as que não fazem parte do calendário. Em outra oportunidade, foi dado um documento específico da Secretaria da Saúde de São Paulo, para pessoas portadoras da Síndrome de Down e nele consta o calendário de vacinas que eles podem receber gratuitamente.
Outro ponto fundamental foi conhecer o histórico de saúde da criança atendida. É importante saber a estatura e o peso ao nascer, se há alguma doença, se é alérgica, o que come, o estado nutricional, se está fazendo algum tratamento etc. É igualmente importante saber se a casa possui saneamento básico, se a água utilizada é potável, se tem chuveiro, qual o grau de escolaridade dos pais etc. Vale destacar que esse último item e as condições socioeconômicas estão diretamente ligados às condições de saúde. Não tínhamos essas informações e, por isso, elaboramos instrumentais com os quais pudéssemos, após sua aplicação, analisar o estado de saúde de cada criança por escola. Elaboramos as fichas de saúde e a socioeconômica, o local em que foi aplicado o pré-teste em todas as unidades estabelecendo, a princípio, um total de 10% nos CEMEIs e 5% nas EMEIEFs. Após a avaliação do pré-teste, serão aplicadas definitivamente em todos os pequenos na matrícula para 2010.
Outro instrumental implantado foi o de encaminhamento médico da criança com intercorrência de saúde para a UBS de referência. A Secretaria da Saúde solicitou aos médicos que preenchessem esse encaminhamento com o diagnóstico e orientações sobre os cuidados necessários na creche. As diretoras das EMEIEFs também receberam treinamento e material do Ministério da Educação sobre acuidade visual para capacitar suas equipes e compartilhar com os diretores dos CEMEIEs. Os que apresentaram problemas já foram encaminhados às UBSs, que por sua vez serão avaliados pelo oftalmologista. Será realizado um encontro especial com as enfermeiras e suas respectivas equipes de agentes comunitárias de saúde (ACSs) e as diretoras. O PSF não tinha conhecimento dos procedimentos estabelecidos nas unidades educacionais que ajudam as diretoras a orientar as famílias nos encaminhamentos devidos. A proposta desse encontro terá por objetivo a apresentação das ACSs às diretoras e vice-versa, e também apresentar o trabalho de saúde que está sendo desenvolvido nas escolas.
Ações futuras
A programação para 2010 está voltada mais para questões que envolvem ações conjuntas, como a participação das crianças, dos pais, da comunidade e dos profissionais. A proposta é melhorar a integração das redes de Educação e Saúde. Por onde começar essa integração? Já existe a parceria entre as enfermeiras e as diretoras. Para 2010, pretende-se integrar o trabalho entre a Saúde e a Educação. A unidade educacional terá a avaliação dos perfis de saúde e socioeconômico de cada criança. Identificadas as doenças e dificuldades das famílias, elas serão encaminhadas para o atendimento na UBS. A enfermeira apresentará o caso para a ACS de referência para que os problemas de saúde sejam resolvidos, orientando e acompanhando o pequeno e a família, dando uma devolutiva para a diretora e professora. Dependendo das condições socioeconômica e de saúde, a Secretaria de Assistência Social também será articulada e integrada a essa rede, além do Conselho Tutelar5, que já desenvolve um bom trabalho.
O trabalho só está começando. Ainda temos muito para fazer. Acuidade auditiva, estado nutricional, doenças respiratórias, verminoses, saúde bucal, violência doméstica e sexual, primeiros socorros são alguns dos itens. Também precisamos olhar cuidadosamente para a saúde dos funcionários. Pressão alta, sobrepeso, diabete, de pressão, tabagismo e outras doenças devem estar no radar de todos. Um fator que não podemos esquecer quando nos referimos à saúde é que não basta apenas cuidar da doença, do físico, temos também de propor ações que possibilitem o acesso ao lazer, à cultura e ao esporte. É claro que nessa caminhada ainda vamos nos deparar com grandes desafios. A Saúde e a Educação no Brasil têm muito para melhorar. O importante é não desanimar ou se sentir impotente em algumas situações quando nos deparamos com a demora para solucionar os problemas. Esperamos que essa experiência possa contribuir com outras ações que se façam necessárias. Trabalhamos para a melhoria na qualidade de vida das crianças, de suas famílias e de suas respectivas comunidades.
(Ana Benedita Guedes Brentano e Luzia A. Carelli, formadoras do Instituto Avisa Lá, em São Paulo – SP)
1O Programa Infância Ideal realiza projetos de formação na área de Educação Infantil nos municípios de Apiaí (SP), Bodoquena (MS), Juriti (PA) e Pedro Leopoldo (MG), onde estão localizadas as fábricas de cimento Cauê. Para que o trabalho ocorra, é importante que se estabeleça uma rede de parcerias com todas as interfaces no que se refere ao atendimento às crianças. Essa rede de diferentes áreas deve estar sempre articulada, trocando experiências e buscando soluções conjuntas para os problemas. Dessa maneira, as ações coordenadas passam a ser desenvolvidas beneficiando as crianças, os adolescentes, as famílias e a comunidade onde estão inseridos. 2O Centro Municipal de Atendimento Especial (CEMAE) atende pessoas com deficiências, desde o nascimento até a terceira idade, e tem por objetivo prevenir a deficiência, promover o desenvolvimento do conhecimento por meio de situações educacionais e da inclusão na sociedade.
3Margarida Yuba trabalhou desde o início do projeto e foi substituída por Luzia A. Carelli, que assumiu em janeiro de 2009. Ambas são enfermeiras e formadoras do Instituto Avisa Lá, em São Paulo (SP).
4Ver quadro de Classificação das áreas críticas, semicríticas e não críticas no artigo Para cada ambiente um cuidado especial, de Damaris Maranhão e Elza Corsi, In Revista Avisa lá no 24-Outubro/2005.
5Órgão público municipal de caráter autônomo e permanente, existente em 35 regiões da cidade de São Paulo, cuja função é zelar pelos direitos da infância e juventude, conforme os princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA): <http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias /participacao_parceria/conselhos_tutelares/0001>.
Classificação dos ambientes
- Áreas críticas: são aquelas que têm maior potencial de crescer e disseminar micróbios.
- Áreas semicríticas tem potencial intermediário.
- Áreas não críticas são aquelas com menor potencial de contaminação.
(Fonte: Para cada ambiente um cuidado especial, de Damaris Maranhão e Elza Corsi, In Revista Avisa lá no 24 – Outubro/2005)
Ficha técnica
Projeto Infância Ideal
Instituto Camargo Corrêa – Endereço: Rua Funchal, 160 – São Paulo – SP. CEP: 04551-903 – Tel.: (11) 3841-5631 – Site: http://www.institutocamargocorrea.org.br Formação em Apiaí (SP) – Instituto Avisa Lá
Coordenação: Ana Benedita Guedes Brentano
E-mail: ana.brentano@terra.com.br
Formadoras: Eliana Sisla, Heloisa Pacheco e Luzia Carelli
E-mail: luacarelli@gmail.com
Secretaria Municipal de Educação e Esportes – Endereço: Rua 19 de novembro, 185/3 – Centro, Apiaí – SP. CEP: 18320-000 – Tel.: (15) 3552-2400/1690 – E-mail: educacao@apiai.sp.gov.br – Site: http://apiai.sp.gov.br/educacao
Livros
- Manual de boas práticas de higiene e de cuidados com a saúde para Centros de Educação Infantil, de Andrea Anzai Nakamura, Luz Martins Júnior, Prefeitura de São Paulo & Coordenação de Vigilância em Saúde (COVISA): São Paulo,2008.
- Saúde e nutrição em creches e centros de educação infantil (2), de Ana Lydia Sawaya e Gisela Maria Bernardes Solymos (organizadoras). Coleção Vencendo a Desnutrição, Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN) e Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP): Ed. Salus Paulista: São Paulo, 2002.
- Creche e pré-escola: uma abordagem em saúde, de Lana Ermelinda da Silva dos Santos (organizadora), Artes Médicas: São Paulo, 2004.