Mamãe eu quero mamar

Acolher e apoiar mães que aleitam os filhos na creche é um compromisso que deve ser assumido por todos os profissionais responsáveis pelas creches

Domingo à tarde, 27 de fevereiro de 2011, ao som de um bloco que canta na rua a marchinha de carnaval Mamãe eu quero1, inicio este artigo. Com o desenvolvimento cultural e científico dos últimos 30 anos, surgiram recomendações novas sobre a alimentação infantil, sobretudo relacionadas à importância do resgate do aleitamento materno. Isso me instiga, com todo respeito aos autores da marchinha de carnaval, a propor uma mudança em um dos versos da letra da música: “Dá o peito pro bebê não chorar!”, no lugar de “Dá a chupeta pro bebê não chorar!”3, isto porque, segundo especialistas, deve-se evitar interferências na instituição bem-sucedida do aleitamento materno, especialmente nos primeiros meses de vida.

Como favorecer o aleitamento em uma época em que a maioria das mulheres, terminada a licença-maternidade, volta a trabalhar? Esta é uma questão ainda sem solução para grande parte das mães que estão no mercado de trabalho. As creches instaladas em algumas empresas, poucas ainda, têm como um de seus principais objetivos apoiar as mães que retornam ao trabalho.

Também compartilham com essas mulheres os cuidados e a Educação Infantil, possibilitando a continuidade do aleitamento materno. Outra iniciativa que merece destaque é o fato de algumas empresas ampliarem o período de licença-maternidade para seis meses, o que contribui para o aleitamento materno exclusivo – sem a oferta de outro líquido ou alimento nessa fase –, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)3 e por outras instituições, como o Ministério da Saúde4, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)5 e a Sociedade Brasileira de Enfermeiros Pediatras (SOBEP)6.

Alimentar o bebê exclusivamente com leite do peito nos primeiros meses de vida é, de acordo com a pesquisa realizada no Brasil, em 2006, pelo epidemiogista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas – RS, em parceria com centros de pesquisa de outros países, uma possibilidade de promover o crescimento e o desenvolvimento saudável; a melhor regulação da saciedade; a prevenção de males que afligem a humanidade até a idade adulta e que são as principais causas de adoecimento e morte, como obesidade, hipertensão arterial, lipidemias, câncer, diabetes e outras doenças cardiovasculares.

Pelo aleitamento materno
Observo em minha prática em creches de empresas, confirmada pela pesquisa que está sendo realizada sob minha orientação, que inúmeras crianças chegam à instituição com complemento de outro leite, às vezes, prescrito pelo pediatra para atender a uma preocupação da mãe, que se sente insegura, muitas vezes, em conciliar o aleitamento exclusivo no momento do retorno ao trabalho. Mesmo mulheres que não estão inseridas no mercado de trabalho, por influência cultural ou por dificuldade no processo de aleitamento, sem contar com o apoio dos profissionais de Saúde e de Educação, podem optar pela mamadeira, o que quase sempre é uma escolha que tem consequências para a saúde dos pequenos a curto e a longo prazo.

As creches fora dos locais de trabalho
As creches, por serem instituições que compartilham cuidados e educação de crianças menores de três anos, desde os primeiros meses de vida, são consideradas espaço privilegiado para a promoção de práticas saudáveis de alimentação, uma das dimensões da aprendizagem sobre o cuidado de si, do outro e do ambiente previstas nas Orientações Curriculares para a Educação Infantil.

O que se observa, entretanto, é que nem sempre essa prática é abordada nos cursos ou em programas de formação inicial e continuada de professores, coordenadores e gestores de Educação Infantil, o que contraria a concepção de acolhimento e de apoio às mães de bebês matriculados em creches públicas e privadas, previstas nas Orientações Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

Parto da concepção de cuidado expresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil7:

A dimensão do cuidado, no seu caráter ético, é assim orientada pela perspectiva de promoção da qualidade e sustentabilidade da vida e pelo princípio do direito e da proteção integral da criança. O cuidado, compreendido na sua dimensão necessariamente humana que coloca homens e mulheres em relações de intimidade e afetividade, é característico não apenas da Educação Infantil, mas de todos os níveis de ensino. Na Educação Infantil, todavia, a especificidade da criança bem pequena, que necessita do professor até adquirir autonomia para os cuidados de si, expõe de forma mais evidente a relação indissociável do educar e do cuidar nesse contexto8.

Destaco a seguir, entre os dezenove parâmetros para uma creche saudável previstos nas Orientações Curriculares, os subitens do parâmetro relativo ao aleitamento materno:

(…)
5. Alimente os bebês, atenda às necessidades nutricionais, afetivas e de aprendizagens de novos paladares e consistências, com base nas recomendações para o processo de desmame e nas normas de higiene para ambientes coletivos;

6. Acolha as mães dos lactentes e ofereça condições para que elas conciliem aleitamento e trabalho e sigam regras de higiene para ambientes coletivos;

7. Organize as refeições em ambiente higiênico, seguro, confortável, belo e que possibilite autonomia, socialização e boa nutrição a todos os grupos etários;

8. Ajude as crianças que recusam alimentos ou que apresentem dificuldades para se alimentar sozinhas;

9. Disponibilize água potável e utensílios limpos individualizados para que as crianças possam beber água quando desejarem e sejam incentivadas a fazê-lo durante todo o dia
(…)

Além de destacar esse parâmetro, é preciso que os educadores, coordenadores e gestores planejem os espaços e as ações que tornam possível essa prática em creches de empresas privadas ou públicas. Algumas dessas instituições possuem um local para que a mãe possa aleitar o filho, seja ao chegar à escola, nos horários que consiga comparecer à unidade ou no fim da tarde, antes de ir para casa com o filho.

É o caso do Programa Mama Nenê, da Prefeitura de Curitiba (PR), que existe há quatro anos. O Programa incentiva o aleitamento materno nas creches com turmas de berçário (de 3 meses a 2 anos) e, desde 2007, já beneficiou 1.073 bebês em Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e em Centros de Educação Infantil conveniados, e 239 bebês receberam o leite materno armazenado9.

Fonte: fôlder Programa Mama Nenê / Prefeitura da Cidade de Curitiba – PR

Fonte: fôlder Programa Mama Nenê / Prefeitura da Cidade de Curitiba – PR

Em salas reservadas e confortáveis, as mães podem amamentar os filhos ou retirar o leite para deixar armazenado no lactário. Posteriormente, o leite é oferecido em copinhos aos bebês, pelas educadoras. Todos os CMEIs com berçário receberam a poltrona de amamentação. A amamentação exclusiva, até os seis meses de idade, complementada até os dois anos ou mais, possibilita inúmeras vantagens para a criança, mãe, família, sociedade e Estado. Favorece a construção e o fortalecimento do vínculo mãe-filho, o desenvolvimento neuromotor infantil, a melhoria no desempenho escolar, a redução da mortalidade infantil e a melhoria na qualidade de vida.

Para que as mães possam compreender os benefícios do aleitamento materno e perceber a importância da amamentação ou da administração do leite armazenado, a prefeitura capacita semestralmente lactaristas, educadores, pedagogos, diretores e profissionais das unidades de saúde. O Programa já qualificou 266 lactaristas e 3.310 educadores, professores, diretores e pedagogos de CMEIs e de creches conveniadas. O treinamento é contínuo10.

Essa infraestrutura é pré-requisito previsto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)11. No entanto, vale a pena destacar que é preciso rever atitudes e procedimentos. O acolhimento de uma criança que mama no peito deve ser previsto na formação dos professores. A maneira de organizar os momentos das refeições também, uma vez que, no espaço coletivo, os pequenos interagem com crianças que usam mamadeira e chupeta, e podem querer imitá-las. Como lidar com essas situações?

As bonecas e os livros oferecidos às crianças, e manipulados por elas, precisam contemplar modelos que incluam figuras que mamam no peito, conforme já se encontra em modelos fabricados por grupos favoráveis ao aleitamento materno. O uso indiscriminado de mamadeira e de chupeta naturaliza de tal maneira esses objetos em nosso meio que não conseguimos conceber a infância sem eles. Como mudar essa cultura? Por que devemos contribuir para combater a cultura da mamadeira e das fórmulas lácteas? Essas são algumas questões que propomos aos educadores, convidando-os a escrever para a Revista avisa lá sobre suas práticas, dúvidas e experiências sobre como conciliar aleitamento materno e Educação Infantil.

(Damaris Gomes Maranhão, enfermeira e formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo – SP)

1Marchinha de carnaval composta por Jararaca e Ratinho, em 1936, em São Paulo – SP.

2 A estrofe original da marchinha é Mamãe eu quero, mamãe eu quero,/Mamãe eu quero mamar!/Dá a chupeta! Dá a chupeta!/Dá a chupeta pro bebê não chorar!

3Agência especializada em saúde, subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU), com sede em Genebra, Suíça.

4Órgão do Poder Executivo Federal responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltados para a promoção, a prevenção e a assistência à saúde dos brasileiros, com sede em Brasília – DF. Site: www.saude.gov.br.

5Congrega pediatras de expressão na medicina brasileira e as sociedades estaduais de pediatria. Atua na defesa dos profi ssionais da área pediátrica e também dos direitos das crianças e dos adolescentes, com sede no Rio de Janeiro – RJ. Site: www.sbp.com.br.

6Sociedade civil de direito privado, sem fi ns lucrativos, de caráter sociocultural e técnico-científi co, com o propósito de congregar enfermeiros que atuam na área relacionada à criança e ao adolescente, com sede em São Paulo – SP. Site: www.sobep.org.br.

7As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, aprovadas em 17 de dezembro de 2009, determina que cabe ao Ministério da Educação (MEC) elaborar orientações para a implementação dessas Diretrizes. Para saber mais, consulte o site www.mec.gov.br.

8Parecer CNE/CEB no 20/2009, aprovado em 11 de novembro de 2009, revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Disponível no site: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12992:diretrizes-para-aeducacao-basica&catid=323:orgaos-vinculados

9Informações atualizadas cedidas pelas responsáveis pelo Programa Mama Nenê, Patricia Sesiuk e Vera Lúcia Grande Dal Molin, da Secretaria Municipal de Educação, Curitiba – PR.

10Trecho extraído da reportagem “Programa incentiva amamentação nas creches”, disponível no site da Prefeitura de Curitiba: www.
curitiba.pr.gov.br/noticias/programa-incentiva-amamentacao-nas-creches/20972.

11Promove a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados. Site: www.anvisa.gov.br.

Ficha Técnica

  • Damaris Gomes Maranhão
    E-mail: damaranhao@uol.com.br
  • Secretaria Municipal de Educação de Curitiba – PR
    Diretora: Ida Regina Moro Milléo de Mendonça
    Endereço: Avenida João Gualberto, 623 – 3o andar (Edifício Delta) – Juvevê. CEP: 80030-000 – Curitiba – PR
    Tel.: (41) 3350-3190
    E-mail: sme@sme.curitiba.pr.gov.br
    Projeto Mama Nenê
    Responsáveis – Secretaria Municipal da Educação: Patricia Sesiuk e Vera Lúcia Grande Dal Molin
    Tel.: (41) 3350-3190 / 3350-3187
    Responsável pela parceria entre Secretaria Municipal da Saúde e
    Programa de Aleitamento Materno (PROAMA): Dra. Claudete Teixeira Closs
    Tel.: (41) 3225-6407
    Site: www.curitiba.pr.gov.br/noticias/secretaria/secretaria-municipal-da-educacao/16
  • Revista avisa lá
    Assistente de edição: Simone Mattos de Alcântara Pinto
    E-mail: simonealcantara10@gmail.com
Foto retirada da publicação Pela Lente do Amor, projeto sob a coordenação de Carlo Signorini e coordenação geral de Raquel Barros – Associação Lua Nova

Foto retirada da publicação Pela Lente do Amor, projeto sob a coordenação de Carlo Signorini e coordenação geral de Raquel Barros – Associação Lua Nova

Dez passos para a implantação do Programa Mama Nenê

Critérios para uma instituição de Educação Infantil que incentiva o aleitamento materno:

  1. Todos os profissionais da instituição têm conhecimento do Programa Mama Nenê.
  2. As lactaristas, os profissionais dos berçários e os que cobrem permanência participaram do Curso para Implantação do Programa Mama Nenê.
  3. O CMEI e o CEI Conveniado têm uma rotina escrita sobre os passos para a realização da amamentação.
  4. Na matrícula de bebês, até um ano de idade, a mãe é orientada sobre as vantagens do aleitamento materno e encorajada a continuar amamentando o filho somente com leite materno até os seis meses e, como complemento, até um ano ou mais, com a vinculação do Programa Mama Nenê.
  5. A mãe que não pode amamentar o filho no CMEI ou no CEI Conveniado é encaminhada à Unidade de Saúde mais próxima ou ao Programa de Aleitamento Materno (PROAMA), para receber as orientações de como armazenar o leite a ser oferecido posteriormente ao filho.
  6. As mães têm um local reservado para amamentar os filhos no CMEI ou no CEI Conveniado, ou para retirar o leite, a ser oferecido posteriormente aos bebês, e são orientadas se apresentam dúvidas neste processo.
  7. A instituição tem fixado, no local destinado à amamentação, o protocolo de procedimentos para a retirada e o armazenamento do leite materno com segurança.
  8. O CMEI e o CEI Conveniado divulgam o Programa Mama Nenê para todas as mães ou responsáveis pelos bebês por meio de fôlder explicativo próprio.
  9. O CMEI e o CEI Conveniado realizam pelo menos uma reunião com a comunidade para divulgar o Programa Mama Nenê e apresentar os benefícios da amamentação para a qualidade de vida das crianças.
  10. O CMEI e o CEI Conveniado promovem a organização de um grupo de apoio às mães que amamentam, acessível a outras mães da comunidade que estejam amamentando.

Fonte: Programa Mama Nenê, Secretaria Municipal de Educação, Curitiba – PR.

Para Saber Mais

  • Conciliando aleitamento materno e trabalho: perspectiva de usuárias de uma creche pública, de Ana Cecília Sacramento dos Santos, sob a orientação de Damaris Gomes Maranhão. Revista de Enfermagem da UNISA. Disponível na íntegra em: www.unisa.br/graduacao/biologicas/enfer/revista/arquivos/2004-10.pdf.
  • Fatores de risco associados ao desmame precoce e ao período de desmame em lactentes matriculados em creches, de Domingos Palma, Fábio Ancona Lopez, José Augusto A. C. Taddei, Marina Borelli Barbosa e Semíramis Martins A. Domene (Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo). Revista Paulista de Pediatria. Disponível em: www.scielo.br/pdf/rpp/v27n3/07.pdf.
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