Um dia, lendo um livro sobre literatura, descobri um termo: epifania. Significa o exato momento em que se rompe aquilo em que sempre acreditamos; o mundo muda, vira um outro e você também. Demorei anos para entender o sentido disso, até que um dia… bem, vou contar uma breve história: o dia em que eu realmente entendi o que er epifania.
Quando comecei a trabalhar como educadora de crianças de baixa renda, e conhecendo a dura realidade que enfrentavam, procurei fugir do papel tradicional de professora. Ensinaram-me que para essas crianças atenção e carinho bastavam:”tendo amor o resto vai”, diziam.
Ouvia então, muitos problemas familiares, entendia o quanto isso atrapalhava a aprendizagem e avaliava como precisavam de apoio e de momentos de desabafo…
Dedicava horas para conversar sobre violência nos lares, comportamento, paz, cooperação, dificuldades do cotidiano e ainda estimulava, elogiava, parabenizava as crianças por toda e qualquer ação. Eu acreditava que ensinar era assim.
Tempos depois fui trabalhar com alfabetização de adultos, num curso noturno. Meus alunos, cansados do dia intenso de trabalho, queriam aprender a escrever seus nomes e ler algumas coisas. Eu, como sempre, dedicava quase todo o tempo a ouvir as histórias de vida, os problemas, a dificuldade do transporte… Assim caminhávamos: eu exigia pouco porque eles já tinham uma vida bastante dura. No meio do ano, chegou um aluno novo, de uns 45 anos, vindo do interior. Sempre quieto, prestando atenção. Um dia perguntei o que ele estava achando das aulas. Ele olhou bem nos meus olhos e disse:
– A senhora pode ser a professora, mas é moça e sabe pouco da vida . Para me ensinar não precisa ficar cuidando da minha vida, não. Saber de onde eu venho não interessa, a senhora precisa é saber para onde eu vou e para isso precisa me ensinar direito, precisa estudar mais e ensinar lição mais difícil, a gente daqui precisa ler jornal, saber escrever carta para parente e entender o contrato do aluguel, se não eles enganam a gente. Confesso que fiquei bastante brava :
– Eu me preocupando tanto e ele sendo tão ingrato!!
Hoje, depois de muitos anos de estudo, me pego ainda pensando no seu José. Acho que ele foi o responsável pela epifania do meu percurso profissional. Talvez tenha sido ele quem despertou em mim a busca constante de aperfeiçoamento. Com sua simplicidade, me fez refletir sobre a necessidade de irmos além das boas intenções, do amor que, na verdade, não basta. Hoje, penso que para ensinar é preciso deixar de lado os nossos álibis e centrar esforços na aprendizagem real e significativa dos educandos.
(Denise Nalini, formadora do Crecheplan1)
1Atual Instituto Avisa Lá