Estamos iniciando uma nova seção em nosso Blog: “Revisitando nosso acervo”!
A ideia desta seção partiu da possibilidade de oferecer aos nossos leitores artigos já publicados na Revista Avisa lá que tratem, em conjunto, de temáticas específicas a cada publicação, sempre com um texto de apresentação, que abre cada coleção de artigos. Esperamos contribuir com as práticas dos profissionais, com mais esta iniciativa.
E, para começar, Cisele Ortiz, coordenadora adjunta do Avisa Lá, nos brinda com um texto de abertura de artigos sobre a primeira temática. Boa Leitura!
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O que as crianças aprendem lendo e ouvindo histórias?[1]
Cisele Ortiz
Coordenadora adjunta do Instituto Avisa Lá
Desde a vida intrauterina, a partir do momento em que o bebê começa a escutar, por volta do 5º mês da gestação, ele reconhece o texto que foi lido ou a música que foi cantada. Reconhece e identifica a voz que interage com ele, mesmo na barriga. Esta afirmação já foi demonstrada por evidências em pesquisas nas quais a criança, após nascer, reage às vozes que conhece e aos textos lidos para ela, diferentemente de vozes e textos desconhecidos.
Essa possibilidade abre para a criança uma porta para estabelecer vínculos, inicialmente com sua família e, logo, ampliando para aqueles com quem interage e que se manifestam de forma poética ou melodiosa, ou seja, a criança vai entrando aos poucos na vida social.
A criança aprende na interação, seja com outras crianças ou com os adultos que a cercam. O livro lido ou a história contada são pontes, instrumentos, que facilitam essa interação e promovem trocas entre as pessoas.
Por meio da leitura a criança apropria-se de sua língua materna e, aos poucos, vai compreendendo a diferença entre a oralidade e a escrita, já que os livros são portadores da linguagem escrita e as conversas, da linguagem oral. Portanto, ouvir ou ler histórias e conversar sobre elas, favorece o desenvolvimento da oralidade, da leitura e da escrita.
Faz parte do senso comum pensar que ao ler a criança aprende novas palavras, ou seja, amplia seu vocabulário; o que é verdade, mas também é muito mais do que isso. A criança pensa sobre o que leu e não apenas repete; portanto, amplia o seu conhecimento cognitivo, pois faz reflexões e levanta hipóteses sobre como se escreve.
A literatura é um marco cultural. Como é direito da criança o acesso à cultura, portanto, é direito dela o acesso a bons livros literários.
Nas escolas e nas famílias nem sempre as crianças têm acesso a bons livros. Com a desculpa de preservar a integridade do acervo como não riscar, não rasgar, não perder os livros, eles ficam trancados em caixas ou em salas fechadas, com pouco acesso das crianças. Ou, ainda, porque os livros de boa qualidade são caros, a alternativa é oferecer para as crianças livros baratos, sem qualidade estética e nem literária.
Por trás dessas justificativas, há também a crença de que a criança não precisa disso agora, que ela não é capaz de entender, que os livros podem ser mais simples, com poucas páginas. Desta forma, subestima-se a capacidade da criança e vai se aumentando a desigualdade social e cultural do nosso país. Enquanto algumas camadas sociais têm livros de qualidade em casa e na escola, outras não tem acesso nem em casa e nem na escola, quando seria super necessário que a escola atuasse contra a desigualdade, por meio desse instrumento poderoso.
As crianças podem trocar impressões e sensações sobre a história ouvida, ampliando sua compreensão à medida que interage com seus colegas que entenderam ou interpretaram de outra forma, ampliando, assim, as camadas de leitura e sua visão de mundo, além, é claro, de aprender mediado pelo professor e a conviver e respeitar a diversidade de ideias e opiniões.
Há também um senso comum de que as crianças não podem ter acesso a livros tristes ou que geram emoções fortes, como medo, tristeza, raiva e outros, ou ainda, que a história precisa ter uma moral a ser ensinada. Ora, se a criança puder ler todo tipo de livro ela poderá ter, na literatura de qualidade, um bom aliado à expressão de seus sentimentos, ideias e emoções! Viver a fantasia, colocar-se no lugar da personagem e observar esses sentimentos de fora é muito diferente do que viver na intensidade da vida real.
Se tudo isso não bastasse, a criança pode, sem dúvida nenhuma, desenvolver o pensamento criativo e a imaginação por meio dos enredos, das personagens, dos lugares, da fantasia com as quais conviverá.
Por fim, a maneira como os adultos, sejam familiares, professores ou outros, apresentam os livros para as crianças, a maneira como leem, como conversam e como lidam com o que as crianças trazem nessas conversas, podem ou não desenvolver o interesse e o gosto pela leitura, desde muito cedo na vida da criança. E sempre é tempo de isso acontecer, mas na formação das crianças pequenas é uma atividade essencial.
Para finalizar repetimos aqui a genial frase de Ferreira Goulart e que cabe para a literatura também: “A ARTE EXISTE PORQUE A VIDA NÃO BASTA”.
Leia mais sobre o assunto nos artigos da revista Avisa lá:
https://avisala.org.br/index.php/assunto/tempo-didadico/literatura-e-formacao-de-repertorio/
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[1] Texto escrito para o blog do Instituto Avisa Lá.
Foto: Lia Olival Costa e Márcia Félix