No cotidiano, encantamento e descobertas do professor e das crianças.

Elessandra Ferrari Gazola [1]

Aqui na cidade Santa Cruz do Rio Pardo, em São Paulo, temos nos dedicado a estudar as aproximações das crianças com as culturas do escrito, na Educação Infantil, por meio da formação do Instituto Avisa Lá, com o valioso apoio da Special Dog Company em parceria com a Secretaria de Educação. Parte desse trabalho está sistematizado no livro LER, ESCREVER E BRINCAR: MODOS DE VIVER A INFÂNCIA NA ESCOLA [2].

Temos investido nesse conhecimento a partir dos interesses e curiosidades das crianças, criando oportunidades para elas participarem ativamente dessas descobertas sobre a linguagem escrita.

Mesmo com os vários anos de experiência em sala de aula, ainda sinto desconfortos em relação a algumas práticas por não saber como conduzi-las. Os sentidos que normalmente essa palavra traz seria algo negativo, mas aqui, a utilizo para diagnosticar a minha necessidade de estar sempre atenta e em frequente busca de como provocar, desafiar e encantar minhas crianças.

O mundo está ao nosso redor para ser descoberto e me coloco, como professora, na posição de colaboradora dos pequenos para olhar como as palavras podem guardar nossas memórias, nossos sentimentos e querências.

Por isso compartilho aqui uma experiência de professora da turma de 5 anos com 10 meninas e 7 meninos.

As palavras adentram qualquer espaço e até os “não espaços”, ou seja, não pedem licença, apenas invadem nosso cotidiano e nos completam com os significados que a leitura e escrita produzem.

Essas crianças se mostram ativas, curiosas e expressivas. Percebi, que, para que se mantenham interessadas em suas pesquisas é necessário sempre buscar criar dinâmicas diversas de ensinar e aprender, considerando como pensam, as formas de agrupá-las e desafiá-las com diferentes propostas.

No que se refere à aproximação e experiência das crianças com a leitura e escrita, busco inserir a necessidade de construirmos com as palavras, os textos, as listas, os recados, situações que dão sentido para o que leem e produzem.

As listas, em especial, são utilizadas pelo grupo como busca de referências para suas escritas. Elas surgem a partir de situações diversas. Para iniciarmos alguma atividade, combino com eles que teremos uma senha, que segue critérios dos mais variados: devem falar o nome da brincadeira favorita, de uma cor, de um animal…e a partir das respostas as listas são construídas, o que oferece para as crianças novas oportunidades de pesquisas .[3] Um exemplo  é a pesquisa de outras palavras que tenham a mesma inicial do nome deles e assim vamos agregando várias listas e repertoriando o grupo. Quando vamos escrever algo, as listas servem de apoio, é comum vê-las correr em alguma das listas e mostrar semelhanças na escrita, observando partes iniciais ou finais comuns e até mesmo palavras que rimam.

A escrita da rotina do dia, é construída juntamente com o grupo, é algo combinado e esperado por eles, juntos registramos o que iremos realizar durante a manhã. Procuro realizar o registro da rotina de várias maneiras: escrevendo na lousa com a ajuda deles, ditando para mim, também ofereço tarjetas com os momentos que teremos durante o período e vou questionando para poderem localizar e colocarem na lousa e também peço para as crianças escreverem e assim,  juntos vamos refletindo sobre a escrita.

Faz parte da nossa rotina, identificar as crianças presentes e faltosas. A escrita favorece o reconhecimento dos nomes dos colegas, além da relação de pertencimento a um grupo e desperta para um ponto importantíssimo, porque não dizer vital, que é o entendimento da escrita como forma de comunicação; comunicar para a merendeira quem compareceu na escola, comunicar quais e quantos crachás deverão ser entregues, além de outras funções que essa ação produz.  Riqueza de conhecimento em gestos tão corriqueiros, porém, carregados de significados. O momento desse registro envolve tanto a percepção dos nomes dos colegas, quanto a quantificação dos presentes e dos faltosos. A ação de fazer a chamada agrega várias situações em uma mesma ação; válido ressaltar, porém, que existem circunstâncias em que o olhar para a questão de número abre novos questionamentos como, quantos meninos vieram a mais ou a menos que as meninas? Ontem, quantas meninas vieram? Juntando todos, quantas crianças estão na sala hoje? Em outros momentos, a escrita dos nomes chama mais atenção quando percebem quantas crianças iniciam com A, que uma parte do nome da Miriãn também está no nome do Luiz Miguel… ou seja, o cenário de contar, quantificar ou registrar os nomes das crianças são potentes quando se tem claro as possibilidades de reflexão.

Outra variação da construção da rotina que considero interessante pontuar e que acontece no grupo é a observação de tarjetas com diferentes momentos que teríamos durante o dia para que, através de suas estratégias, identificarem o elenco de atividades. Interessante como buscam as referências no alfabeto e nos nomes dos colegas parecidos com as escritas que já conhecem:

– “Vamos começar com o CAFÉ. Onde será que está escrito café?

– “CA… é o C com A”.

– “E Lanche”? (professora)

– “Tem o LA do nome da Lavínia”.

– “E onde fica o LA no nome da Lavínia”? (professora)

Já buscando a lista de nomes, vamos juntos à procura para identificar o que estamos precisando e assim, um complementando o pensamento do outro, a rotina vai se constituindo. No momento da palavra SAÍDA, algumas crianças disseram que começava com A, logo em seguida já vieram outras contribuições…mas tem o S junto!!

As falas se entrelaçam e borbulham diante das palavras!

Mesmo na escrita do próprio nome, o simples registro na lousa, atrai o olhar dos colegas, que na espera para chegar a vez de escrever, olham como o nome do amigo se constrói. É um aprendizado silencioso, tênue e poderoso!

Com essas experiências na Educação Infantil busco gerar a “necessidade” da escrita e situações comunicativas, seja em uma lista, bilhetes, textos coletivos ou brincadeiras.

Com as cantigas e parlendas de memória, as crianças buscam resolver os problemas de como organizar o que falam com o que está escrito, para isso continuam seguindo o que já sabem sobre a leitura e em duplas trocam e complementam suas hipóteses.

Todas essas oportunidades de convivência com as palavras vão além da decifração; saber os nomes das letras é importante, mas o fascinante é saber como utilizá-las para comunicar o que sentimos, o que pensamos e imaginamos.

Olhar com demora para as elaborações das crianças quando estão produzindo suas escritas é imprescindível, sendo possível perceber quando lápis e folha, mãos e olhos se fundem na busca da solução para os desafios da construção das mensagens a serem comunicadas.

Olhar para Educação Infantil, pensar como as crianças realizam suas descobertas sobre a leitura e escrita não pode ser encarado como algo prosaico, pelo contrário, é algo inédito e único, pois cada um traz dentro de si suas experiências com as palavras, algo que já o atravessou e fez sentido: uma lista de mercado, o nome de um brinquedo, o nome da avó, dos primos, pois essas falas frequentemente são pronunciadas quando estão realizando suas relações e conexões.

Estar atento a esses conhecimentos fazem a diferença entre decorar códigos e saber como utilizá-los de forma significativa. Ao expressarem suas ideias, mostram admiração. Quando Davi descobriu que o mesmo BRA do seu sobrenome BRANCO está em BRA do Brasil, seus olhos brilharam ao me contar. O mesmo aconteceu quanto Antônio identificou que na palavra CIRANDA tem também o AN de seu nome.

As crianças têm um interesse genuíno de saber sobre o que está escrito, como está escrito, em conversar sobre as leituras realizadas; é direito de elas terem acesso à cultura escrita. Tudo acontece de forma tranquila, organizando situações e oportunidades com sentido e significado em que, imersos no mundo letrado, nossas crianças possam ter tempo e espaço para colocarem seu pensamento em ação, de nos mostrarem quão potentes são, o quanto fazem comparações, observações e elaborações.

Finalizo com um exemplo recente:

Ontem, o Antônio escreveu a rotina para nós, acompanhado de suas colegas.

Destaco que ele, com bastante entusiasmo, foi escrevendo e não teve dúvidas em usar a forma que conhecia quando queria se referir às propostas diversificadas que organizei para a turma, escreveu brincando de coisas e   as placas que construímos para colocar na escola viraram pracas.

Suas atitudes na escrita revelam conhecimento, segurança e protagonismo, o que nos enche de encantamento.

Que em contrapartida, nós, professores, sejamos respeitosos e acolhedores de suas realidades, tendo uma postura consciente de nosso papel nesse percurso de descobertas, elas não aprendem sozinhas… nós aprendemos juntos!

setembro de 2025

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[1]  professora de Educação Infantil no município de Santa Cruz do Rio Pardo, EMEIEF PROF María José Rios, Diretora Adriana Nascimento

[2] https://www.santacruzdoriopardo.sp.gov.br/assets/uploads/livros/Livro-Sec-Educacao.pdf

[3] Lista é um gênero que compreende um conjunto de palavras de um mesmo campo semântico.

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