Lelê Ancona*
Conheci a proposta do Remida com mais profundidade no trabalho realizado pelo Instituto Avisa Lá na DRE Itaquera/SP, em parceria com o Remida Buenos Aires. No decorrer desse projeto pude refletir sobre as diferentes aproximações possíveis aos materiais de descarte, assim como a necessidade de uma apresentação estética que mobilizasse a criação.
Saber dessa necessidade, assim como da importância de criar uma rede de contatos com empresas e instituições que doem os materiais, é muito diferente de ver o projeto acontecer.
Pela lente da tela havia explorado o Remida Buenos Aires, em seu site convidativo que promove ideias e desejos e, antes que pudesse chegar na Argentina, cheguei em Bolonha, na Itália, para visitar o Remida de lá.
Cheguei sem aviso prévio, sem convite ou solicitação de visita e fui muito bem recebida. A atelierista Aurora Monfasani me mostrou o espaço e me deixou passeando por lá, com liberdade para registrar em fotos e vídeos o que me interessasse.
O espaço do Remida em Bolonha fica distante do centro da cidade e o frio de fevereiro não impediu a observação desse caminho que levava à porta, já bastante convidativo, com evidentes interações dos materiais e espaço feitas pelas pessoas que vivenciam essa proposta.
O espaço não é grande para a quantidade de materiais que estão disponíveis e a primeira sensação é de um certo caos, até que se torna possível perceber a ordem que dá sentido ao que é proposto. São muitos materiais, de diferentes cores, formatos, texturas, que promovem sensações e provocações diversas. É difícil saber para onde olhar, qual deles escolher para tocar.
Aos poucos fui encontrando inúmeras ilhas de interesse.
Os espaços destinados para as oficinas possibilitaram a compreensão das abordagens exploradas com os materiais.
A interação com as luzes e as muitas descobertas possíveis com o translucido, com as cores, com as formas que se sobrepõem. A possibilidade de explorar o equilíbrio, a composição no tridimensional com a diversidade destas materialidades.
O ateliê “Linguagens expressivas” possibilitava outra forma de interação, outras cores, que lembravam mais a terra e a força para construir com seus elementos.
Uma organização estética que não esquece da importância da autonomia, de que cada um possa encontrar os instrumentos de trabalho e voltar a guardar, sem que tenha um professor interferindo. O espaço concebido como parte da concepção de que cada um possa buscar sua forma de interagir.
Ali encontrei um grupo de professores argentinos que fazia uma visita e uma professora de Bolonha que recolhia materiais para levar para seus alunos. Conversamos um pouco, ela tem o mesmo nome que o meu, Alessandra e essa coincidência nos aproximou. Contou-me que paga uma taxa anual para que possa ir até lá e buscar os materiais de que precise em seu trabalho na escola.
Fiquei envolvida pelos detalhes, pelas histórias, pelas vivências possíveis de adivinhar nas marcas deixadas nos cantos, nos painéis, nas mesas que receberam criações ou que estão preparadas para o que virá.
Escolhi essa imagem da casa “Hotel dos insetos” para concluir minha fala sobre esse espaço, pois a sensação de acolhimento, de vontade de ficar mais foi a que levei comigo. Saí de lá com vontade de ver acontecer pelas bandas de cá um projeto que traga essa potência em meio a tanta delicadeza.
No dia seguinte pude conhecer o Remida de Reggio Emilia e perceber muitos pontos que se assemelham e alguns outros que se distanciam.
A primeira impressão ao adentrar o Remida em Reggio Emilia é causada pelo tamanho do espaço. Construído em uma antiga fábrica de grãos, podemos ver as estruturas onde os grãos ficavam armazenados e essa característica faz com que seja um espaço muito alto, além de muito amplo. Concebido para compartilhar o espaço com outros projetos, parte das paredes e do mobiliário é possível ser movimentado, possibilitando que novas organizações espaciais sejam propostas, a depender da necessidade apresentada.
Nestas prateleiras apoiadas em rodas podemos encontrar livros que podem ser levados para casa com diversos assuntos e gêneros e logo a sua frente, podemos ver uma estante de livros organizados por suas cores, reforçando o conceito de materialidade dos objetos.
Os livros são vistos para além das ideias ou conceitos que carregam, mas também pelo que podemos sentir com os nossos sentidos, escutando-os, tocando e percebendo suas texturas, reconhecendo seus formatos e cores.
A luz e as cores estão presentes de muitas maneiras, como pela janela que tinge o
espaço e dialoga com as mesas de luz. As cores da luz que adentram o ambiente e que se alteram em decorrência da luminosidade do dia interfere no jogo de luz destas mesas redondas, que também são modificadas pelos objetos aí colocados.
Assim como no Remida de Bolonha, observamos muitos objetos organizados de forma estética, possibilitando outro olhar para cada um deles.
O inusitado das formas provoca, promove descobertas, nos coloca em movimento tanto pelas novas relações estabelecidas com objetos já conhecidos, como pela descoberta de novos objetos.
A organização do espaço acolhe ateliês, além de um espaço dedicado para a organização dos materiais que podem ser retirados. Nesta imagem temos também na parte superior um acervo de diferentes materiais que o Remida foi recolhendo no decorrer dos anos. Os cursos e as exposições são realizados nesse grande espaço, que vai se modelando conforme sua necessidade. O movimento é perceptível, um lugar no qual percebemos a presença das pessoas, não somente das que trabalham lá, sejam como funcionárias, sejam como voluntárias, mas também das educadoras que vão buscar materiais ou formação e das crianças que participam das oficinas.
Saí de lá com as mãos inquietas, com vontade de explorar tantas materialidades existentes.
_______________________________________
Lelê Ancona é formadora no Instituto Avisa Lá, diretora do Projeto Circularte Educação: www.circularte.com.br, e professora há 30 anos. Doutora em Educação pela PUC/SP, Mestre e Especialista em Teatro pela ECA/USP, Graduada em Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina. Desenvolveu pesquisa de pós-doutorado na UNICAMP com bolsa FAPESP, investigando a imagem docente no diálogo com o fazer teatral e a escrita espetacular.