Retomamos a série de vídeos e resenhas de livros de Ana Carolina Carvalho, formadora do Avisa Lá.
Neste retorno, Ana Carolina comenta um livro que trata da relação de diferentes leitores com os livros e aponta a leitura como uma experiência singular. Nossa colunista revela conhecimento e sensibilidade, levando-nos a degustar suas palavras e apreciar as ilustrações que nos apresenta.
Além do vídeo, o texto narra uma experiência que torna o livro ainda mais especial para ela.
Clique na imagem para acessar o vídeo e leia a resenha abaixo.
Na terra dos livros, Quint Buchholz
Editora Panda books
Ana Carolina Carvalho
Já faz tempo que quero falar sobre esse livro. Minha história com ele começou em uma viagem. Como leitora, gosto de frequentar livrarias, sebos e bibliotecas de outros lugares. Saber como são esses espaços dedicados à leitura, estar perto de leitores de outras terras costuma fazer parte dos meus interesses quando viajo, sobretudo quando tenho a chance de ir para outros países (ultimamente, por várias razões, essas viagens andam impossíveis, fiquemos com as memórias das que fizemos). Se consigo minimamente entender a língua, as visitas às livrarias e sebos ficam com um atrativo a mais, já que posso me arriscar a comprar um ou outro livro de autores locais, cujos títulos ainda não foram traduzidos, ou até mesmo adquirir uma edição de um livro de que gosto muito, em formato diferente do publicado no Brasil. Por que não? Leitor tem cada mania…
Talvez até nem seja mania, mas o jeito próprio de ler e de ser leitor: estar perto dos livros e de outros que também leem. Afinal, ser leitor não é apenas estar diante de um livro e compreender seus sentidos. Também é leitor aquele que reconhece e usufrui das muitas práticas de leitura: a leitura solitária, compartilhada, coletiva ou em dupla, a conversa entre leitores, as indicações de livros, a ida frequente aos espaços de leitura, a busca pelas resenhas e críticas-pontes que nos fazem ler melhor. Aliás, todas essas ações, ou se quisermos nomear “comportamentos leitores” existem porque nos ajudam a ler melhor, nos colocam dentro do mundo da leitura, em rede, em comunidade. Já pensou nisso? A leitura, ainda que seja feita na intimidade, a sós, é sempre permeada por outros, pelo outro – outro leitor, o escritor, aquele nos indicou o livro, aquela em que pensamos quando lemos e para quem vamos indicar nossa leitura. Enfim, uma grande rede nos sustenta quando lemos.
Bem, tudo isso para falar do encontro com um livro. Ele se deu em uma livraria charmosa em Montevideo, Uruguai. Fiz essa viagem em 2017, com meus filhos. Antes de partir, fiz uma busca sobre as livrarias e sebos que poderia visitar. Encontrei a livraria Escaramuza, situada no bairro Cordón, em Montevideo. Uma casa linda e antiquíssima, reformada com muito esmero para abrigar livros e um café delicioso. Nessa visita, encontrei um autor até então desconhecido para mim: o alemão Quint Buchholz (sim, não era um uruguaio, mas autor traduzido para o espanhol). Logo de cara, me encantei. Trata-se de um artista que se dedica a criar belíssimas imagens sobre o encontro com os livros e a leitura. Como poderia não me encantar? Seus traços lembram um pouco o artista belga Rene Magritte, importante nome da corrente surrealista. Ao seu modo, Buchholz também traz aspectos inusitados, pintando uma atmosfera onírica em meio a uma representação realista das paisagens e figuras.
No caso dos dois livros que encontrei nessa livraria, o que Buchholz procurava retratar era justamente a relação das personagens com a leitura. Um dos títulos chamava-se Em el país de los libros e a cada página, surgia retratada uma experiência diferente de leitura, em texto e imagens. Desde o primeiro salto de uma leitora que se aventura ao abrir um livro, passando pela leitora que prefere a calmaria, em contraposição àquele que enfrenta o bom combate, numa relação totalmente diferente da que se sente acompanhada ao ler, ou a que se dedica a devaneios, e até mesmo aquele que escuta uma novidade quando abre um livro. Quantas experiências diversas podem caber numa leitura. Vemos a cada página, o leitor ou a leitora, ativos, que encontram o livro à sua maneira, conferindo sempre sentidos pessoais. Os traços de Bucchholz também suscitam um tipo de experiência, na medida em que nos deslocam, oferecendo paisagens nunca vistas. A cada página, podemos também nos encontrar naqueles retratos inusitados, como um espelho revelando nosso jeito de ler e encontrar um livro.
A questão é que esse livro não existia no Brasil. Aliás, nenhum do artista alemão. Com o exemplar espanhol em mãos, fui em busca de uma editora que quisesse publicá-los, traduzindo não aquela versão que eu tinha encontrado, mas do original em alemão. Quem se encantou com o projeto foi a Tatiana Fulas, da editora Panda Books. E assim, nascia a versão brasileira chamada Na terra dos livros, com tradução da Claudia Cavalcanti.
Hoje em dia, as duas versões, em português e em espanhol moram ao lado na estante. Uno edifica um mundo em outro tempo. O outro vai lendo bem devagar. Otra nunca está sola cuando oscurece el cielo. Ele olha o mundo de outros jeitos. Em ambas as línguas, em nos desenhos, o que encontramos são declarações de amor à diversidade e a singularidade de livros e de leitores.