SILVANA AUGUSTO¹
UM MODO DE APRENDER COM PARCEIROS MAIS EXPERIENTES
E m entrevista à revista Pátio, em 2003, Antônio Nóvoa defendeu a valorização do
professor dentro da escola e o papel de um parceiro mais experiente na formação de
professores. Segundo ele:
Muitas vezes, centramos a nossa energia no primeiro tempo da formação (a formação inicial) e esquecemos os outros dois tempos. Por um lado, o tempo “curto” de transição entre a formação e a profissão, isto é, os primeiros anos de exercício profissional, que são, talvez, os mais decisivos na vida de um professor. Muito do nosso futuro como professores joga-se nesse período de contato com a realidade escolar e profissional. É aqui que os jovens professores mais necessitam de apoio, de um acompanhamento próximo dos colegas experientes, de um espaço de debate e de diálogo que os ajude a se integrarem na profissão. Por outro lado, o tempo “longo” do nosso percurso profissional, vivido dentro de escolas que têm de ser, elas próprias, lugares de formação. É por isso que me parece tão importante reorganizar as escolas como espaços de aprendizagem cooperativa, onde os professores possam ir formando-se em um diálogo e em uma reflexão com os colegas. Ninguém é professor sozinho, isolado. A formação exige partilha. A atividade docente necessita de dispositivos de acompanhamento.
(Pátio, Ano VII, no 27 – Dilemas Práticos dos Professores – agosto a outubro 2003.)
1 Formadora do Instituto Avisa Lá, coordenadora do curso “O coordenador pedagógico como formador em sua unidade” e professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo (SP).
Sem dúvida, essa é uma ideia muito interessante que pode gerar várias propostas de formação no próprio ambiente da escola, espaço em que se encontram professores mais antigos, professores novos, estagiários etc. Nesse contexto, sempre é possível aprender por meio da interação que se estabelece entre os pares.
Mas como pensar a respeito desses mesmos princípios na formação do coordenador pedagógico, já que ele, muitas vezes, é o único a coordenar muitos professores de uma escola? Como aplacar o isolamento e o sentimento de estar sempre tão solitário diante de desafios enormes, sem ter com quem conversar sobre a realidade da escola, acerca
de hipóteses de trabalho etc.?
Em decorrência dessas questões, colocamos o nosso ambiente virtual a serviço de uma real interação entre coordenadores de diferentes municípios e instituições educativas. Nosso intuito era criar um espaço para compartilhar questões comuns ao exercício da profissão. Esperávamos, com isso, diminuir a sensação de isolamento experimentada
por vários coordenadores e, ao mesmo tempo, promover uma troca com parceiros mais experientes, a fim de ajudá-los a olhar os mesmos problemas de sempre sob novos pontos de vista.
Um dos cursos mais procurados é o Módulo 1, voltado para a reflexão sobre o papel dos coordenadores pedagógicos. O curso visa contribuir com o processo de formação desse profissional, assegurando um espaço de interlocução para análise e reflexão da própria prática; criar referenciais para a criação de rotinas de trabalho e discutir estratégias de organização do cotidiano e de atenção às prioridades da instituição educativa.
Nesses cursos, além da interação entre os pares, os coordenadores pedagógicos também se relacionam virtualmente com um parceiro mais experiente que, nesse contexto, é formador do grupo. No curso oferecido em 2011, os participantes puderam aprender com a participação de Denise Nalini, experiente coordenadora pedagógica que assumiu o papel de formadora do grupo. Além dela, contamos também com a participação de mais uma profissional, cuja experiência possibilitou ao grupo saber um pouco mais sobre o que se pode aprender a partir de uma entrevista.
Entrevista como objeto de estudo
As entrevistas são valiosas porque permitem ao grande público, entre outras coisas, conhecer as principais ideias de um autor, de um pesquisador. Para muitos professores que não conseguem estar presentes em diversos seminários e congressos realizados, a entrevista é uma possibilidade de se aproximar dos conteúdos e da própria pessoa entrevistada. Por esse motivo nós temos olhado com mais atenção esse tipo de texto para uso na formação de professores.
O contexto em que a entrevista é veiculada gera diferentes aprendizagens. Quando assistimos a uma entrevista na TV, por exemplo, ou mesmo quando lemos nos jornais, dificilmente tomamos a entrevista como objeto de estudo. Mas em um curso a distância uma entrevista é entendida como um conteúdo a ser estudado. Nesse caso, vários são os procedimentos utilizados pelos participantes: ouvir mais de uma vez o mesmo trecho; pausar para tomar nota de uma informação importante; sintetizar as ideias mais relevantes, emitir uma opinião sobre o que foi aprendido.
E por que não compartilhar a entrevista desde sua origem? Foi o que propusemos às turmas sob a coordenação de Denise Nalini. Depois de três fóruns de discussão sobre os principais problemas do dia a dia do coordenador pedagógico e do estudo de textos especializados sobre o assunto, o grupo formulou uma série de questões.
As questões dos coordenadores
Bloco 1 – O papel do coordenador pedagógico: como garantir seu fazer cotidiano e o planejamento
1. Como o coordenador pedagógico pode garantir seu papel de mediador e formador sem entrar em conflito com uma gestão que não tem essa compreensão do profissional de coordenação?
2. Considerando todas as atribuições que um coordenador pedagógico desenvolve ao longo do dia, como você faz para planejar e antecipar ações e, ao mesmo tempo, manter-se sempre informado?
3. Como fazer para não nos envolvermos em tarefas que não se enquadram na nossa função e que tomam boa parte do nosso tempo na escola?
4. Qual seria a melhor forma de planejar as atividades de uma coordenadora? Quais seriam os tópicos importantes a serem desenvolvidos durante o ano? Como eles poderiam ser divididos?
Bloco 2 – Formação continuada: professores resistentes e a prática da formação
5. Como lidar com um grupo de professores resistentes a novas propostas de trabalho? Serão propostas inovadoras que os obrigará a deixar a “zona de conforto” gerada por vários anos de magistério tradicional e se lançar por caminhos pouco conhecidos por eles?
6. Como garantir momentos de formação prazerosos, objetivos e com foco? Como atuar com professores resistentes a mudanças e ainda com práticas equivocadas?
7. Como criar espaços e propor formação de professores do nosso coletivo? Como formar um coletivo de professores?
8. Como realizar um horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) formativo que atenda às expectativas de professores com 20 anos de magistério e aos que ingressaram agora?
9. Uma vez estabelecida uma rotina de formação na escola, como garantir que os professores participem de forma atuante nesse processo? Ou seja, que pontos devem ser observados para que se faça uma avaliação do trabalho e um possível replanejamento do processo, caso necessário.
Bloco 3 – A observação e as estratégias formativas
10. Em nossos fóruns, discutimos a importância da observação do trabalho pedagógico do professor em sala de aula. Como inserir esta proposta, descaracterizando o papel de fiscal? O que não pode faltar numa pauta de observação?
11. Como deve estar estruturada a formação permanente do coordenador pedagógico?
12. Quais são as estratégias formativas que não podem deixar de fazer parte da rotina do coordenador pedagógico?
13. Quais são as estratégias formativas que devem fazer parte da formação de professores?
Propusemos então: Por que não procurar alguém para participar dessa discussão e responder às questões? Os coordenadores participantes do curso formularam suas perguntas e Denise ajudou-os a organizá-las em blocos temáticos. Com esse roteiro, procuramos Débora Rana, ex-diretora de creche pública em São Paulo e coordenadora da Escola Projeto Vida. Ela nos concedeu uma entrevista que foi gravada e postada em podcasts no ambiente do curso. Os participantes tiveram uma semana para ouvir a entrevista à la carte, com os pedidos que eles haviam encomendado.
Diálogo com o parceiro mais experiente
Logo depois da semana dedicada ao estudo da entrevista, abrimos um fórum para que os participantes pudessem avaliar a atividade e refletir sobre os conteúdos apresentados. As respostas publicadas revelaram que a interação com um parceiro mais experiente contextualizou melhor as reflexões e provocou deslocamentos necessários para se enxergar o outro lado das questões do dia a dia.
O primeiro passo dessa interação foi marcado pela emissão de uma nota avaliativa e uma opinião sobre a entrevista. Esse convite fez com que cada um apresentasse outro aspecto que tivesse sido mais relevante para si próprio. Pudemos observar quantas coisas diferentes foram aprendidas ao mesmo tempo e quantos olhares diferentes sobre o mesmo conteúdo.
R. F., por exemplo, avaliou a entrevista da seguinte maneira:
Boa noite!
Gostei muitíssimo da entrevista, principalmente porque fiquei mais tranquila quanto às inquietudes diárias na minha prática. Sempre me questiono: Será que estou no caminho certo? Será que isso ou aquilo acontece em todas as escolas? Será que agi corretamente? Felizmente, com a entrevista, vi que é claro que tenho que fazer muitas mudanças, mas que nem tudo está errado. A entrevista atendeu plenamente às minhas expectativas e contribuirá para melhorar meu desempenho como coordenadora.
Grata.
R. F.
M. D. também pôde pensar sobre o assunto. A entrevista a fez refletir sobre seu papel profissional e o que é a sua prioridade:
Olá Denise, olá colegas Gostei muito da entrevista da coordenadora Débora Rana, mas gostei principalmente da sua postura, colocando-se de forma tranquila e clara. Muitas coisas me chamaram a atenção nesta entrevista, principalmente quando é colocado que a nossa demanda, o nosso foco, é a aprendizagem dos alunos e, para tanto, é necessário auxiliar o professor a transformar conhecimento em didática, fazer reflexões e saber justificar as suas ações em sala de aula. Todas as nossas ações deverão estar voltadas para este fim, organizando e reorganizando nossa rotina, criando espaços e nos colocando como parceiros dos professores, construindo uma relação de confiança.
Um abraço
M. D.
Um dos pontos que mais chamou a atenção foi a diferenciação entre os perfis de professores, pois, muitas vezes, adotamos as mesmas estratégias para diferentes perfis e necessidades formativas. Vários participantes ficaram intrigados com essa diferenciação, sobretudo porque começaram a ver o outro lado da questão, a tratar as resistências como algo saudável, inerente ao trabalho, como relatou C. G.:
Boa tarde Denise!
Achei a entrevista significativa para minhas reflexões e posturas. Foi interessante ver que no meu percurso profissional encontrei algumas professoras resistentes que me deixavam extremamente ansiosa devido às minhas constantes mudanças de estratégias para atingir meus objetivos. Percebi que estas profissionais foram o meu foco durante toda minha estadia nesta escola, e agora percebo que colaboraram para minha reflexão sobre a prática.
Ao ouvir as respostas da coordenadora, apesar de achar todos os questionamentos relevantes para o meu papel de coordenadora, foquei em alguns aspectos que me fizeram repensar minha conduta: quando perguntou-se sobre a descaracterização do papel de fiscal, achei de grande valia a forma que a coordenadora conduz seu grupo com ênfase na parceria. Outro aspecto que achei interessante foi a observação do coordenador quanto à forma que o professor olha para seu aluno e de pensarmos sobre a aprendizagem dos alunos.
Estes e outros tópicos fizeram-me perceber que o estabelecimento da rotina é primordial para a organização do meu trabalho e que muitas situações do dia a dia que se referem ao aluno e ao professor deverão ter minha ação direta para prosperarem dentro da instituição, elegendo prioridades para que aconteça a formação do professor em serviço.
Um abraço
C. G.
T. B., que foi professora antes de ser coordenadora pedagógica, venceu o preconceito em relação a esse assunto. Em seu relato, é possível rever sua própria história:
Oi Silvana,
Como foi citado na entrevista, a professora resistente não quer mudar, está centrada e tem seu foco. Seguindo a linha de pensamento da nossa coordenadora entrevistada, devemos procurar um caminho que a ajude a ver outros interesses, e que essa tal resistência termine. Não só acredito nisso, como eu, professora mais antiga, afirmo que isso já aconteceu comigo. Percebi que só estava atrapalhando meu rendimento, rompi com minhas amarras e mudei. Só melhorei em meu trabalho e estou chegando aonde quero, aumentando meu conhecimento e até subindo de cargo. O que acho pior são professores que não evoluem e não estão interessados em nada.
Um abraço
T. B.
Outras coordenadoras também escreveram a respeito de pontos que mais lhes chamaram a atenção:
Olá Denise e demais colegas, Sobre a entrevista com Débora Rana, o que mais me chamou a atenção foi quando tratou do dia a dia do coordenador na escola, algo que, às vezes, diante do que estamos estudando todos esses dias, temia que estivéssemos saindo de um extremo para outro. Embora reconheça que a formação dos professores deve ser tarefa primordial do coordenador, não podemos deixar de nos envolvermos com questões administrativas, atendimento aos pais, alunos etc. Na escola que trabalho já estamos caminhando para dedicarmos mais tempo à formação do que a qualquer outra atividade, pois nossa gestora se preocupa muito com esse trabalho, nos dando abertura para o trabalho.
R. N.
Olá pessoal,
Gostei bastante da primeira resposta quanto à definição do papel do coordenador perante a equipe gestora. Se essa equipe não entender, participar e colaborar desse trabalho não haverá resultados positivos. Como a palestrante colocou, o coordenador não pode ficar refém desta equipe, ou à espera do que pode ou não fazer na escola, e, sim, estar ciente do seu papel e ter muita clareza dos objetivos e metas a atingir, nunca perder esse foco. Assim, com muita certeza, poderá se opor quando os movimentos forem contrários ao que se pretende alcançar.
A. C. G.
Síntese das aprendizagens
Depois do primeiro movimento – comentário sobre uma opinião ou a primeira impressão –, os participantes podem elaborar sínteses sobre os vários pontos tratados e que muitas vezes podem até passar despercebidos em uma primeira escuta de uma entrevista. Com as contribuições de todos nesse fórum, os principais pontos tratados vão se evidenciando, atravessados pelos diferentes olhares dos participantes do curso. Essa é a melhor ocasião para a organização de uma boa síntese.
V. R., V. S. e M. B., por exemplo, elaboraram sínteses de todos os pontos abordados por Débora Rana na entrevista. Elas postaram suas contribuições no fórum, de modo que todos pudessem ter acesso e, a partir disso, tivessem a oportunidade de reorganizar as próprias anotações. Para M. B., esses pontos são fundamentais para nortear a organização e o planejamento do trabalho do coordenador pedagógico. Segundo o trio, Débora possibilitou a reflexão sobre os seguintes pontos:
•O papel do coordenador como gerenciador da equipe para garantir o coletivo na formação continuada.
•O cuidado que se deve ter ao gerenciar o trabalho de forma democrática e justa.
•O foco do trabalho do coordenador pedagógico deve ser a aprendizagem do aluno.
•O olhar que o coordenador deve ter para a relação professor-aluno, reconhecer se o professor olha para os alunos, conversa com eles, respeita-os.
•A diferença entre perfis de professores: o resistente e o pouco comprometido.
•A questão da resistência de alguns professores que, em alguns casos, decorre do despreparo, do medo diante do desconhecido.
•A necessidade de se estabelecer uma relação de confiança com os professores, ajudando-os a transformar conhecimento em didática.
•O perfil agregador e articulador que o coordenador deve desenvolver.
•O enfrentamento do conflito como algo necessário para provocar mudanças. Os conflitos devem ser vistos como contexto de discussão para esclarecimento do trabalho do coordenador e avanço no processo de formação.
•O equilíbrio necessário das diversas demandas feitas ao coordenador: fazer apenas formação não é algo real, a escola tem muitas necessidades.
•A necessidade que o coordenador tem de não ficar rendido ao grupo e, ao mesmo tempo, ajudar o diretor a entender sua função na escola.
•A necessidade de planejar os momentos de HTPC, considerando atividades ajustadas aos desafios de cada professor.
•Considerar que a observação que o coordenador faz em relação às salas de aula não é avaliação. É preciso ter foco na elaboração da pauta de observação, clareza na parceria com professor e antecipação de indicadores são importantes para qualificar e tornar esse trabalho significativo para a formação coletiva e individual.
•Tematização das práticas educativas pode ser vista como um princípio de trabalho de formação, além de estratégia.
Desse modo, chegamos ao fim de um longo processo formativo que contou com diferentes passos e mediações: a aproximação com o conteúdo principal; o estudo de textos sobre o assunto; a organização de um roteiro de entrevista; o estudo da entrevista; a elaboração de notas avaliativas e opiniões pessoais, síntese final. Depois disso, chegou a hora de publicar os resultados alcançados para que os nossos leitores também possam dar continuidade ao processo de reflexão sobre os desafios do coordenador pedagógico.
Esperamos que essa experiência possa gerar novas aprendizagens nas mais variadas regiões do Brasil.