Empréstimo de livros: muito além da sacolinha literária

Ana Carolina Carvalho²


O que aprendem as crianças da educação infantil que levam livros da escola para casa? essa atividade está cada vez mais presente na educação, mas será que é bem aproveitada?


1 Texto elaborado para o curso a distância: Práticas de leitura e escrita: indicações literárias. Programa Formar em Rede+.
2 Consultora do Programa.

Escolher um livro para levar para casa e sair com um pedacinho do que é vivido na escola na sacola. Levar o que gosta, o que faz sentido, ou o que assusta, o que encanta, o que faz rir. Compartilhar com a família, ler em outros lugares, para além da escola. Ouvir outras vozes, que não a da professora. Mostrar-se leitor para a família ou para quem puder usufruir junto da leitura.

Quantas coisas estão envolvidas no empréstimo de livros!

Não é à toa que as atividades de empréstimo são estimuladas por quem trabalha a favor da formação de leitores. É neste momento que a criança pode se mostrar leitora para além da escola, revelar suas escolhas. Há também outros propósitos para tal atividade: o apreço pelo livro, o desenvolvimento do gosto pela leitura, as trocas e parcerias entre família e escola.

Desdobramentos da atividade do empréstimo

Tudo isso já seria suficiente para justificar a atividade e, no entanto, muito mais pode ser feito a partir do empréstimo de livros. A primeira coisa é aprender a falar sobre o que foi lido em casa. A criança que leva o livro emprestado pode exercer o papel de contar sobre ele para a turma: Gostou do que leu? Sentiu medo? Achou graça? Sobre o que fala o livro? Tem um personagem incrível? Para que essa conversa ocorra, o papel da professora é fundamental. Ela será a mediadora e poderá incentivar a criança a falar sobre o livro, indicar para algum amigo (para Fulano porque é uma história de bruxa, ou de monstros, ou um texto informativo… e por aí vai), e também fazer a indicação a partir do que a criança conta: para quem gosta de sentir um pouquinho de medo, acho que essa história é ideal pelo que Fulano está contando…

O livro e a leitura feita fora da escola devem ser explorados visando à ampliação das trocas entre leitores. E também o desenvolvimento do repertório literário da turma, a partir da diversidade de leituras que se apresentam.

A observação dos empréstimos realizados, por sua vez, pode muito bem servir como bússola para que a professora não só conheça o gosto de uma determinada criança, mas se olhar como um todo, o gosto da turma. E aproveitar essa observação ao escolher outras leituras para o grupo.

Outro desdobramento interessante que a atividade de empréstimo pode favorecer relaciona-se com a escrita. Sabemos que as crianças, mesmo antes de saber ler e escrever convencionalmente, constroem hipóteses sobre o funcionamento da escrita, pois vivem em um mundo em que a escrita é cada vez mais significativa. Observam também que a escrita possui diversas funções em nossa vida e são sempre muito atentas às práticas sociais que envolvem esse objeto cultural. Na escola, não ensinamos simplesmente a escrever, mas, sim, as práticas sociais que envolvem a escrita por meio de atividades contextualizadas e reais, plenas de sentido.

Por que, então, não aproveitar o momento de empréstimo para que as crianças registrem o livro retirado? Esta é uma boa oportunidade para que escrevam o próprio nome, reconheçam a escrita do título do livro escolhido, numa atividade que tem um porquê, uma função, e por isso, é contextualizada.

Nos anos anteriores, as escolas participantes do curso sobre Nome Próprio³ adotaram essa atividade no canto de leitura. Além da escrita, o envolvimento das crianças com a organização do canto de leitura e com o próprio empréstimo foi maior, e as professoras tiveram assistentes muito empenhados em registrar os livros retirados. Todos ganharam.

Condições para o empréstimo

Se um dos objetivos do empréstimo é garantir a diversidade de leituras é crucial que o cantinho de leitura esteja abastecido com livros variados, procurando selecionar gêneros literários diversos – contos clássicos e contemporâneos, histórias tradicionais, poesia, livros ilustrados e os sem texto – e livros de não ficção para compor o espaço. No caso das crianças bem pequenas, vale lembrar que a seleção do acervo deverá ser composta de livros com boas narrativas, lembrando que nem sempre os livros de pano ou de plástico apresentam um enredo de qualidade. É importante também que os livros sejam trocados de tempos em tempos, garantindo assim a diversidade. O ideal é promover um rodízio entre as turmas. É preciso que o acervo seja composto de, pelo menos, dois livros por criança. Assim, teremos tanto livros que vão para as casas quanto os que ficarão no canto para a leitura na sala do grupo.

A parceria com as famílias é fundamental, em especial na Educação Infantil, já que os adultos responsáveis pelas crianças exercerão o papel de mediadores e a função de zelar pelo livro, garantindo que esteja bem cuidado e que seja devolvido à escola. Uma carta às famílias, uma conversa sobre a importância e condições de empréstimo nas reuniões de pais ajudam a envolver os adultos na atividade. Em relação ao envolvimento dos familiares na atividade, também podemos questionar o porquê da leitura em casa. O que queremos com essa oportunidade que damos às crianças e familiares? Um momento prazeroso, que propicia uma aproximação entre eles? Um momento de afeto permeado pela palavra, tão importante para o desenvolvimento da criança? Se sim, a leitura basta. Não é preciso enviar questionários aos pais, solicitação de desenho ou escrita sobre a história. Basta confiar que a leitura vai acontecer e que a criança poderá falar sobre ela na escola, indicando o livro aos colegas, contando o que mais marcou na leitura etc. E já é muita coisa!

É importante também que as crianças, desde cedo, estejam cientes da organização da atividade, da importância da devolução no dia combinado, do cuidado com o livro etc. Para os pequenos, procure dar referências para o dia da entrega: logo depois do fim de semana, por exemplo.

Entre outros aspectos que precisam ser pensados, estão: a frequência de retirada dos livros, quantas crianças poderão levar o livro a cada vez, considerando os exemplares do acervo.

E chegando ao final do nosso breve texto, podemos retomar a ideia da sacolinha literária. Ter um recipiente para guardar e preservar o livro é uma boa ideia, mas sempre lembrando que o crucial disso tudo são o livro e a experiência que ele pode oferecer às crianças e seus familiares. A estrela não é a sacolinha literária! Ela pode ser simples, feita de tecido de algodão, sem muitos frufrus. Afinal de contas, o que vai encantar mesmo são o texto, as ilustrações, a escolha e a oportunidade de levar o livro consigo e, dentro dele, outros mundos possíveis.


3 Curso integrante do Formar em Rede+.
Posted in Revista Avisa lá #70.