A natureza como aliada

ANTONIA MARIA, MARIA CRISTIANA, MICHELE BARBOSA E QUITÉRIA MARIA¹


POR QUE NÃO APROVEITAR ELEMENTOS DA NATUREZA PARA QUE AS CRIANÇAS BRINQUEM, CRIEM E SE EXPRESSEM DE MUITAS MANEIRAS, COMO FAZEM OS ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS?


Ao observarmos as crianças no parque percebemos que havia uma preferência pelos brinquedos industrializados em
detrimento ao uso dos elementos naturais. Esse olhar para as crianças do Berçário II (BII) nos levou a introduzir na rotina novas proposições com foco em elementos naturais e no movimento corporal das crianças.


1 Professoras do berçário II do Centro de Educação Infantil Jardim Shangri-lá (Núcleo III) – Centro Comunitário Jardim Autódromo, São Paulo (SP).

Fomos alimentados nesse percurso por dois artistas: o polonês Frans Krajcberg, que tem em suas obras raízes, cipós, caules de palmeiras, associados a pigmentos naturais e troncos calcinados, como forma de repensar o contato e o papel do homem no cuidado e na preservação da natureza, e a artista estadunidense Carol Hummel, que interfere em árvores dos espaços públicos com crochê e linhas. Com essa inspiração, oferecemos às crianças situações para jogos simbólicos que envolveram exploração e contato com os elementos naturais. Dessa maneira as crianças tiveram oportunidade de vivenciar experiências únicas, brincando com os elementos presentes no Centro de Educação Infantil (CEI), mexendo com terra, folhas, sementes, coletando galhos, subindo, descendo, entrando e saindo, criando novos jeitos de brincar e produzir arte, valorizando os espaços naturais presentes no CEI. A ideia central dessa proposta era a exploração de elementos naturais do Centro de Educação, integrando esses materiais às brincadeiras e aos jogos de faz de conta e um de seus objetivos principais, o de favorecer a autonomia das crianças e seu processo de criação.  Desenvolvemos, então, uma sequência de atividades² com crianças entre 1 e 2 anos, marcada por algumas etapas:


2 Essa sequência didática é parte do projeto Conexões – A poética das crianças de 0 a 3 anos e a Arte Contemporânea, desenvolvido pelo Instituto Avisa Lá, tendo por formadoras: Denise Nalini, Mariana Americano e Cintia Manzano. O projeto teve o apoio do Instituto Minidi Pedroso de Arte e Educação Social (Impaes) e contou com a parceria do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). É um projeto de formação continuada de professores em 14 creches conveniadas à prefeitura que se localizam no extremo da Zona Sul de São Paulo (Parelheiros, Grajaú, Cidade Dutra e Interlagos). Foram elaborados diferentes produtos, como Exposição Itinerante de Sequências de trabalho com crianças.

O que encontramos lá fora

Passearam pelo percurso do parque, com várias árvores, canteiros com hortaliças, ervas medicinais e temperos. Nesse lugar, as crianças manusearam os elementos presentes como folhas, gravetos, terras, pedras, sementes de café, limão e tudo o que foram encontrando.

Durante as proposições, o educador foi o mediador da manipulação dos elementos, sempre respeitando as competências infantis, convidando as crianças para brincar e criar novas experiências nos momentos de faz de conta. Mesmo aquelas que antes haviam demonstrado resistência em brincar em espaços como esses, interagiram com o ambiente e com os elementos de forma lúdica e tranquila. Ultrapassaram o limite da proposta inicial, que era de apenas explorar o percurso, pois foram até o tanque de arreia e pegaram baldes e pás para coletar areia e diferentes objetos que foram encontrando.

Brincadeiras e percursos

Organizamos no espaço com árvores, ao lado da horta, um percurso, delimitando o espaço com barbante de forma que favorecesse os movimentos do corpo: subir, descer, entrar, sair, abaixar e levantar. Utilizamos pneus, ondas e marulhos³, lycras, baldes e pás que estavam dispostos no espaço para as crianças criarem suas brincadeiras por meio do faz de conta. Pudemos observar muitos gestos e movimentos comunicativos, interagindo bastante entre elas. Tiveram contato direto com a terra e mexeram com outros elementos nela presentes, como gravetos, folhas, frutas (café e limão) que estavam acessíveis.


3 Onda: objeto em formato de onda para subir e descer. Marulhos: fios com conchas que produzem sons ao serem tocados e quando há vento. Ambos são feitos de papel machê e inspirados na obra da artista paulistana Amélia Toledo.

Onde está a arte? Na natureza?

Todos os lugares são lugares de aprender. Cidades, florestas, quintais, territórios a serem investigados, com árvores, rios, clareiras, praças, praias. A natureza é um manancial de possibilidades para a formação estética, não só para as crianças, como para todos os seres humanos (…), traz em si desafios físicos e estéticos que mobilizam as crianças a se aventurarem. A lama, a areia, as pedras, seus formatos e cores, seus pesos e temperaturas; as plantas, suas folhas, sementes, troncos e talos, raízes com diferentes texturas, cheiros, cores, tamanhos; e os animais que habitam esses lugares: os insetos com seus ruídos peculiares, suas cores e formatos; os diferentes relevos, as topografias: os rios, montes, barrancos, planícies. Enfim, um universo de possibilidades a serem observadas e investigadas, a serem brincadas, que nos levam a um sentimento de comunhão. Somos parte da natureza e devemos e podemos nos ligar a ela. (…)

Os professores, pensando que sabem o que é melhor para suas crianças, inclusive para “poupá-las” de acidentes, como pequenos tombos, restringem suas ações e movimentos. Por isso é comum que as crianças percam sua curiosidade natural, a sensibilidade para perceber tudo, sentir, ver, o impulso para se aventurar a subir numa árvore, pular um pequeno riacho, por exemplo.

Interações: onde está a arte na infância?, de Stela Barbieri. São Paulo: Blucher, 2012.

Que cheiro é este?

Com os grupos organizados, passeamos pela horta e fomos identificando com as crianças elementos naturais com cheiro, sentindo o aroma e a textura de cada elemento. Depois de conhecermos e explorarmos esse espaço, colhemos manjericão, alecrim, capim cidreira, hortelã, canela, cravo. Dessa maneira, favorecemos o contato das crianças com produtos da natureza em diversas situações do cotidiano e nos momentos do faz de conta. Aproveitamos para fazer uma colheita para confecção do móbile para a sala.

Carol Hummel, artista e pofessora da University of Cincinnati, Ohio.

Na minha prática artística, estou interessada em conexões feitas e o rastro que deixo enquanto me movo pelo espaço, tempo e lugar.

Meu trabalho é ontológico na intenção e atravessa os constrangimentos socialmente construídos da diferença, explorando os laços que unem os seres humanos uns aos outros através da cultura, parentesco, história, interação social e amizade. Intervenções com crochê.

Fonte: http://www.carolhummel.com/

Ateliê de artes com elementos naturais

O espaço do ateliê foi previamente organizado com suportes, pincel, cola nas mesas com diferentes suportes de cores e formas variadas, e as crianças ficaram livres para explorar os elementos colhidos por eles nos espaços externos do CEI. Usamos recursos variados, como suportes de formas diversas: mesas, folhas, gravetos, flores, sementes, grãos, cola, pincel,
tinta guache.

Os desdobramentos

Ao longo do trabalho, os elementos naturais passaram a fazer parte do cotidiano das crianças.

Hoje, os elementos naturais estão presentes durante toda a rotina do CEI, nas sequências de artes, nos ateliês com pintura, nos desenho e colagem, utilizando-se dos diversos planos, nas rodas de conversas e nos momentos de faz de conta das crianças.

Frans Krajcberg (Kozienice, Polônia, 1921). Escultor, pintor, gravador, fotógrafo. Estuda engenharia e artes na Universidade de Leningrado. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), perde toda a família em um campo de concentração. Chega ao Brasil em 1948. Em 1951, participa da 1ª Bienal Internacional de São Paulo com duas pinturas. Desde 1972, naturalizado brasileiro, reside em Nova Viçosa, no litoral sul da Bahia. Amplia o trabalho com escultura, iniciado em Minas Gerais, utilizando troncos e raízes, sobre os quais realiza intervenções. Viaja constantemente para a Amazônia e Mato Grosso e fotografa os desmatamentos e queimadas, revelando imagens dramáticas. Dessas viagens, retorna com raízes e troncos calcinados, que utiliza em suas esculturas. Na década de 1980, inicia a série Africana, utilizando raízes, cipós e caules de palmeiras associados a pigmentos minerais. A pesquisa e utilização de elementos da natureza, em especial da floresta amazônica, e a defesa do meio ambiente, marcam toda sua obra. O Instituto Frans Krajcberg, em Curitiba, é inaugurado em 2003, recebendo a doação de mais de uma centena de obras do artista.

Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10730/frans-krajcberg

Durante as brincadeiras no parque, tornou-se possível e rico a inserção de novos materiais, além dos naturais, como panelas, talheres, troncos.

Ao final da sequência vivida pelas crianças, o resultado foi tão positivo que, juntos, planejamos e construímos um percurso sensorial para o parque. Percurso este que visou possibilitar o acesso diário das crianças aos elementos explorados por elas. Para a realização dessa intervenção envolveram-se todos os grupos do CEI, pois as crianças tiveram espaço para deixar suas marcas, utilizando-se dos materiais colhidos durante toda a sequência.

Posted in Revista Avisa lá #69.