As bromélias e o berçário de larvas…

Damaris Gomes Maranhão¹


A alarmante disseminação de diferentes vírus transmitidos pelo mosquito AEDES aegypti leva a uma ampliação das fontes de informação, mas nem sempre confiáveis. é preciso ser criterioso ao pesquisar, divulgar e aplicar as informações


Andando pela Rua Fradique Coutinho em direção à Rua Teodoro Sampaio, na capital paulista, onde minha filha gestante de 22 semanas me aguardava para acompanhá-la durante o exame de ultrassom morfológico, avistei um estabelecimento comercial com um painel de madeira com lindas bromélias. Em outros tempos, eu apenas teria admirado as flores, mas, agora, elas me parecem uma possibilidade ameaçadora de se transformar em um berçário de larvas de Aedes aegypti.

Enquanto tento zelar pela vida humana em gestação, não apenas da minha neta, mas de todas as outras, eu penso em como todos deveriam estar seriamente envolvidos na eliminação da possiblidade de a fêmea do “Sr. Aedes” procriar. Pode parecer um contrassenso, um atentado contra a vida de insetos voadores que deveriam estar procriando livremente na floresta. Mas esse não é um mosquito qualquer.


1Doutora em Ciências da Saúde, é formadora no Instituto Avisa Lá, professora do Curso de Enfermagem da Universidade de Santo Amaro e de Pós-Graduação em Formação e Gestão em Educação Infantil do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo – SP, e consultora do MEC em Saúde e
Bem-Estar para construção das Bases Nacionais Curriculares.

A volta do mosquito

A começar por seu nome, que se pronuncia Aédes e em grego significa “odioso”, “desagradável”, talvez por ter as pernas rajadas e, apesar de pequeno, ser o veículo que dissemina vários vírus que antes viviam nas florestas. Entre cerca de 150 arbovírus conhecidos, ele transmite entre os humanos o vírus da nossa velha conhecida febre amarela, os três tipos de vírus que causam a dengue e, mais recentemente entre nós, os que causam doenças com nomes esquisitos – chikungunya e zika.

Ele é muito esperto e vem aprimorando suas habilidades desde que saiu do Egito, dispersou-se pela costa leste da África, alcançou as Américas, depois a Ásia, há muitos e muitos anos. Mas ele não veio voando. É provável que tenha sido trazido nos porões dos navios. Com muito esforço dos profissionais de Saúde Pública e métodos desenvolvidos por Oswaldo Cruz no início do século XX, o Brasil eliminou o Aedes em 1955, feito reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Seu retorno é explicado tanto por não ter sido eliminado em outros países, como por nosso relaxamento com os cuidados com o ambiente para evitar sua procriação. Aqui, na década de 1960, voltou a encontrar condições ideais para se reproduzir em todos os estados brasileiros.

As modificações ambientais e a urbanização caótica associada ao fenômeno da globalização, das trocas comerciais e das viagens entre os diversos países deste planeta têm ajudado o Aedes na seleção de habilidades para sobreviver nas cidades. Com isso, ele se reproduz em casas, estabelecimentos comerciais, escolas, calhas, lajes, ralos, canteiros de obra, parques, quintais, caçambas, locais com lixo e materiais abandonados, em qualquer lugar mais escuro que tenha um pouquinho de água parada e gente para alimentar com seu sangue a fêmea.

A busca por informações

Mas o que tem a ver a linda bromélia com isso? A última vez que prestei atenção em um vaso de bromélias foi no jardim em frente ao salão de festas do condomínio onde minha filha reside. O fato de eu estar preocupada com a epidemia de microcefalia associada à explosão de casos de infecção pelo vírus zika no Nordeste tem aguçado minha percepção. Ao vê-las, em vez de apenas admirar sua beleza, tive um pensamento de indignação: Como, neste momento, deixaram essas plantas tão belas expostas à chuva, prontas para oferecer seu cálice como um berçário para as larvas de um mosquito que tem mobilizado o País inteiro e até a Organização Mundial da Saúde?

Mas, afinal, tenho embasamento para argumentar com o proprietário da loja para que retire do espaço externo as bromélias, como minha filha solicitou em seu condomínio? Para confirmar ou descartar essa ideia, tenho neste mesmo computador onde escrevo este texto uma possibilidade imensa de pesquisa, desde que eu saiba selecionar as informações com fonte segura daquelas que apenas nos confundem. Afinal, como escreveu o sanitarista italiano Giovanni Berlinguer, promover a saúde é ajudar as pessoas – e, no meu caso, os gestores públicos, os professores, os familiares, os enfermeiros com os quais contribuo com a formação – a refletir criticamente sobre todas as informações a que temos acesso todos os dias e que às vezes são conflitantes entre si² .


2BERLINGUER, Giovanni. Questões de vida: ética, ciência e saúde. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 136

Começo pelo caminho mais fácil – pelo Google –, embora nem sempre contendo informações confiáveis, e na primeira matéria que acesso sobre bromélias encontro um debate de internautas sobre o que me interessa – afinal, elas constituem ou não um berçário ideal para as larvas de Aedes? Em vez de transcrever o primeiro achado que me fez quase desistir de continuar meu texto a partir dessa perspectiva, convido-os a consultar a matéria publicada por uma jornalista no site do UOL em 11 de janeiro de 2013, no link: http://mulher.uol.com.br/casa-e-decoracao/noticias/redacao/2013/01/11/ faceis-
-de-manter-bromelias-sao-lindas-e-nao-atraem-mosquito-da-dengue.htm. Assim também poderão apreciar a beleza das bromélias. Mas antes, um alerta: não leiam apenas o texto; continuem, vejam os comentários dos internautas, que realizam um debate sobre o que nos interessa.

Ao ler com atenção os comentários dos internautas, pode-se recorrer aos argumentos de um deles, identificado como Phil PHP, que até nos fornece uma referência científica de que há diferenças nos modos de vida e procriação do Aedes nos ambientes das florestas e nos urbanos. E esse é o pulo do gato. Voltemos a uma reflexão mais conceitual – vários autores afirmam que o processo saúde/doença é determinado socialmente, mas, afinal, o que significa isso na vida cotidiana? Significa que o processo saúde/doença é fruto não apenas da biologia, no caso os vírus da dengue, chikungunya e zica, mas
também da interação deles com aspectos relativos aos modos como os humanos organizam sua vida, interferem na natureza, modificam os outros seres vivos. Cito na íntegra o argumento do internauta à jornalista que escreveu a matéria e afirmou no seu título que as bromélias não constituem criadouros de larvas, referindo-se a um estudo realizado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz.

“Acredito que haja uma diferença muito grande em um local como o jardim Botânico, onde, devido a sua preservação, há uma maior quantidade de larvas e outros organismos capazes de competir com as larvas do Aedes, e as áreas antrópicas (ocupadas pelo homem), onde poucas espécies são capazes de se ambientar e obter sucesso reprodutivo, se estabelecendo nesses locais.

O Aedes aegypti, em ambiente silvestre, é suprido pela competição até mesmo de outra espécie de Aedes, chamada albopictus, mas o mesmo não ocorre em ambientes antrópicos”
(Phil PHP, 2013).

Se continuarem a ler, verão que os internautas criticam a matéria afirmando que a negativa enfática do título foi inadequada, porque o tema é de interesse da Saúde Pública. E lembramos que isso ocorreu há três anos, quando ainda não cogitávamos a silenciosa tragédia que atinge hoje várias famílias no Nordeste.

O mesmo internauta continua fundamentando seu ponto de vista, com base em outra referência científica:

“Segundo o Tratado de Entomologia Médica, escrito pela maior autoridade brasileira, senão mundial no assunto, Prof. Dr. Oswaldo Forattini, da Faculdade de Saúde Pública da USP, bem como informações contidas no Livro dos pesquisadores Rotraut Consoli e Ricardo Lourenço de Oliveira, do Instituto Oswaldo Cruz, intitulado: “Principais Mosquitos de Importância Sanitária no Brasil”, consta a seguinte informação: “Tanto no Brasil, quanto em outros países americanos, o Aedes Aegypti tem sido surpreendido criando-se em recipientes naturais como bromélias usadas com fim ornamental” (pág. 116 do livro citado), bem como outras espécies de mosquitos transmissores de doenças, como o gênero Anopheles, responsável pela transmissão da malária” (Phil PHP, 2013).

Esse debate pode não ter sido lido por quem rapidamente apenas prestou atenção no título ou no discurso que negava que as bromélias fossem um local de reprodução do Aedes. Esse caso é um exemplo de como precisamos ser criteriosos ao pesquisar e divulgar informações, sobretudo como educadores, seja no campo da Saúde, seja no da Pedagogia. Afinal, nosso papel não é transmitir qualquer informação, que pode ser superficial, temporária, dependendo da perspectiva, do método e dos resultados das pesquisas, e até mesmo com a evolução das espécies.

Um exemplo de evolução é o próprio Aedes, que se tem adaptado aos meios urbanos com alta densidade populacional, sobretudo nas periferias com moradias que são habitadas por várias pessoas. Nessas condições, ele realiza voos mais curtos e consegue picar e infectar várias pessoas de uma mesma família ou grupo. A evolução também ocorre com os vírus, que, quando em grande quantidade pelas condições ideais de reprodução em determinada população, podem modificar-se, mudar sua forma de afetar o organismo humano e causar novos sinais e sintomas até então desconhecidos dos médicos e pesquisadores do campo da Saúde.

É o que parece estar ocorrendo neste momento, com o aumento de casos de malformação que causa calcificações no cérebro do feto, destrói neurônios e, por isso, impede o crescimento adequado do encéfalo – daí o nome “microcefalia”. A infecção pelo vírus zika em adultos também tem sido associada ao aumento de casos de uma neuropatia rara, a Síndrome de Guillain-Barré³.


3A síndrome de Guillain-Barré é uma inflamação aguda dos nervos que se manifesta por paralisia, regride ou se torna crônica, e pode afetar pessoas de qualquer idade, sobretudo os adultos mais velhos.
4SAUD, J. I.; NAKANO, O.; PEDRONI, K. K. L. Efeito do hipoclorito de sódio sobre larvas do mosquito Aedes aegypti (Diptera: Culicidae). In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – SIICUSP, 10, 2002, Piracicaba. Resumos… Piracicaba: SIICUSP, 2002. p. 46.

E as bromélias?

Não precisamos deixar de apreciá-las, mas é preciso cuidado com sua manutenção e localização, conforme recomendação de trabalho publicado em Congresso de Iniciação Científica da Universidade São Paulo, em Piracicaba: “A utilização, duas vezes por semana, de água tratada com cloro (40 gotas de água sanitária a 2,5% para cada litro) para regar bromélias, tem sido recomendada como forma de evitar a proliferação do Aédes Aegypti. Em condições experimentais, a utilização de cloro parece ser útil, porém é desejável que sejam realizadas pesquisas adicionais que demonstrem (ou não) com absoluta segurança a efetividade do emprego rotineiro da água sanitária com este propósito”4.

Mas o desafio e nossa responsabilidade como educadores são ainda maiores. A bromélia é apenas uma flor que costuma ser cultivada em bairros privilegiados, onde há abastecimento de água, rede de esgoto, limpeza pública, com habitações e melhores condições de existência, com amplo acesso a educação e bens culturais. Talvez, se tiverem escolha, as fêmeas do Aedes prefiram proliferar nas bromélias em lugar de depositar os ovos em um pneu descartado ou largado no canto de um quintal da periferia ou no parque de uma escola de Educação Infantil.

O maior problema, como se pode evidenciar no mapa da distribuição dos casos de dengue na cidade de São Paulo, está na periferia, onde talvez nem se cultivem bromélias. Ou em cidades do Nordeste, particularmente no estado de Pernambuco, onde pela primeira vez se associou a infecção humana pelo vírus zika a um aumento do nascimento de crianças com microcefalia, com graves consequências pessoais e sociais.

Mas o que fazer quando, como educadores, sabemos que a maioria das famílias da periferia não tem água potável abundante, dependendo de armazenamento em caixas-d’água colocadas nas lajes sem proteção, e não tem acesso a rede de esgoto e sistemas eficientes de recolhimento de lixo e de material descartável que todos produzem em grande quantidade na cidade? Como cidadãos e profissionais, devemos exigir e apoiar políticas públicas que garantam o direito à saúde por meio de melhores condições de vida, que começam com o acesso a saneamento básico, habitação e educação, em consonância com o recomendado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Em curto prazo, todos devem se comprometer com a causa, fazer um bom diagnóstico de suas casas, do local de trabalho, das ruas próximas, para detectar possíveis berçários para ovos e larvas. Os profissionais da Educação, além das ações pessoais, devem tomar medidas nas escolas para prevenir criadouros, divulgar orientações básicas de prevenção aprovadas pelas autoridades, como colocação de telas nas janelas e uso de mosquiteiros e repelentes, conversar com as famílias das crianças com as quais compartilhamos a educação, para que cuidem dos ambientes do lar, da comunidade, das escolas, do trabalho, evitando que a fêmea bote seus ovos em potenciais berçários de larvas, proliferando sua espécie que está ameaçando a nossa.

As informações para as crianças

E as crianças pequenas de três, quatro e cinco anos que frequentam a Educação Infantil? Elas são competentes e atentas às conversas de familiares e professores, às notícias veiculadas na televisão ou aos relatos de colegas sobre algum parente ou irmão doente. Elas sabem pela experiência que a picada de um pernilongo comum pode resultar em coceiras, incomodar o sono. como os insetos voam e se reproduzem por meio das larvas, independentemente de eles serem ou não veículos de doenças. É preciso ouvi-las, responder diretamente às suas perguntas, sem “dar aula” de Biologia ou fisiologia da doença.

Da mesma forma, nunca se deve recorrer a recursos ineficazes e estereotipados como teatros de fantoche ou imagens com o mosquito para pintar ou preencher. Isso seria contrário a dois princípios básicos na Educação Infantil: um que se refere ao modo como a criança menor de cinco anos pensa e expressa suas ideias e emoções por meio das diversas linguagens, e outro que diz respeito ao modo como aprendem a cuidar de si, dos outros e do ambiente. Elas aprendem a cuidar de si vivenciando, observando, imitando, participando dos cuidados recebidos dos familiares e professores desde bebês. À medida que desenvolvem habilidades e conhecimentos sobre si, sobre os outros e sobre a cultura, elas também,
pela mediação dos professores, aprendem a cuidar do próprio corpo, do corpo do outro e do ambiente. Podem aprender a selecionar e jogar o lixo em local adequado, a guardar os brinquedos limpos e em local abrigado, a se proteger de picadas de insetos com roupas apropriadas, telas nas janelas, mosquiteiros sobre camas e redes, e até mesmo a ter cuidado com a aplicação da loção repelente prescrita pelo médico.

Comecei este texto com uma reflexão sobre as bromélias serem um dos locais potenciais de reprodução das larvas do mosquito Aedes, um vetor de vários vírus, dentre os quais o que tem ameaçado o crescimento e o desenvolvimento das crianças desde a gestação. Para finalizar, convoco todos a fazer sua parte como cidadãos e educadores na promoção de um mundo mais saudável.

Tarefa de todos nós

♦ Informar, sensibilizar, esclarecer as dúvidas dos familiares com base em fontes idôneas.
♦ Cuidar e proteger as crianças, as gestantes, os idosos, as pessoas com doenças de base que são mais vulneráveis a infecções pelos arbovírus.
♦ Aplicar na pele das crianças os repelentes prescritos pelo médico pediatra, seguindo rigorosamente as recomendações da receita, que consideram a idade, a eficácia, o potencial de toxicidade, a frequência e possíveis riscos e reações. Cuidados especiais devem ser tomados com menores de dois anos, que têm pele mais porosa e levam as mãos à boca e aos olhos.
♦ Manter todos os ambientes limpos, secos, sem acúmulo de materiais ou objetos que se tornem abrigo ou criadouro de larvas ou resistência dos ovos colocados pelas fêmeas.
♦ Inspecionar floreiras, hortas, solários, parques, lonas que cobrem tanques de areia, ambientes externos para brincadeiras, locais de guarda de pneus, balanços, tanques, eliminando e evitando criadouros.
♦ Mediar a participação das crianças no processo de aprendizagem do cuidado de si, dos colegas, do ambiente, incluindo sempre a lavagem das mãos.
♦ Ser um bom modelo para as crianças em relação aos cuidados pessoais e com o ambiente.
♦ Responder às perguntas das crianças sobre esse fenômeno biológico e social.
♦ Sensibilizar, conversar e desenvolver atividades com as famílias para ajudá-las a identificar potenciais ambientes para reprodução de mosquitos Aedes e a evitar picadas com o uso de telas, mosquiteiros, roupas.
♦ Nunca usar inseticidas ou repelentes ambientais sem se certificar do risco de toxicidade, sobretudo aos menores de dois anos.
♦ Estabelecer parceria com os profissionais da Unidade Básica de Saúde próxima da unidade de Educação Infantil e informar potenciais riscos no bairro e suspeita de casos de pessoas com dengue, zika ou chikungunya, ou outras doenças, como conjuntivite, febre e exantemas, que tenham tido aumento da ocorrência esperada entre crianças ou familiares.
♦ Registrar e acompanhar o estado de saúde das crianças.
♦ Conhecer e seguir todas as precauções padronizadas recomendadas para o cuidado de crianças em ambientes coletivos.
♦ Garantir a individualidade de copos, escovas de dente, talheres, lençóis.
♦ Lavar diariamente os brinquedos que os bebês manuseiam e levam à boca, para remover saliva e outras secreções.

Posted in Revista Avisa lá #66.