TAMARA M. STUCHI¹
TÃO FÁCIL DE SENSIBILIZAR AS CRIANÇAS, A MÚSICA DERIVADA DOS SONS PRODUZIDOS A PARTIR DE INSTRUMENTOS É POUCO UTILIZADA NAS CRECHES. VEJA COMO PODE SER DIFERENTE
Desde 2008, a música da cultura infantil brasileira faz parte do cotidiano dos nove Centros de Educação Infantil (CEIs) da Liga Solidária². Músicas, acalantos³ que nossos pais e avós cantavam para embalar nosso sono, cantigas de roda como Atirei o pau no gato, Ciranda, cirandinha, entre outras. São propostas conduzidas por especialistas em música, com aulas de musicalização e formação contínua de professores da área, realizadas semanalmente com as crianças por unidade ou durante as jornadas pedagógicas com todo o grupo de professores. Um trabalho que começou pequeno e que aos poucos, com o auxílio das coordenadoras pedagógicas e orientado pela gestão, atrelou os projetos pedagógicos ao da música da cultura infantil (ver box da página 32), e cresceu, tornando-se parte do trabalho integral dos CEIs.
A música chega aos bebês
Percebemos a necessidade de auxiliar os professores no início do ano, durante o período de adaptação, quando os pequenos, ao chegarem ao CEI, vivenciam pela primeira vez a ausência de seus pais ou responsáveis. É um momento novo e inesquecível não só para o bebê, mas também para sua família; portanto, é fundamental que seja agradável e acolhedor.
Observamos que a música exerce um papel de extrema importância nesse momento de acolhida, prendendo a atenção das crianças de maneira intensa, o que resulta em mudança de um estado de tensão para outro de maior relaxamento. Depois se tornará parte importante da rotina e do desenvolvimento da criança.
Ao acompanhar a música, a criança balbucia uma ou outra palavra, o que auxilia seu desenvolvimento oral; interage com os instrumentos, reconhece e estabelece uma aproximação com o outro, cria e vivencia as “regras” das brincadeiras cantadas. A partir dessas observações, algumas questões foram surgindo e dando forma à busca por um trabalho junto aos professores de Educação Infantil:
De que forma a música pode contribuir para um
ambiente mais tranquilo?
Quais sonoridades agradam mais às crianças?
Como conduzir essas propostas para os bebês?
O que e como oferecer música aos pequenos?
Músicas mais calmas, como os acalantos, contribuem para um ambiente mais tranquilo, assim como o uso da flauta, de sonoridade mais aguda. Ao ouvirem esse instrumento de som doce, as crianças se acalmam, ficam entretidas, curiosas e recebem muito bem as novas experiências. O choro imediatamente cessa, e, como as crianças, suas famílias se identificam com as melodias, cantando e acalentando os bebês. Pelos olhares e balbucios, os bebês comunicam seu interesse e admiração, manifestando a vontade em tocar no instrumento. Inicia-se, assim, a construção do vínculo entre os professores e as crianças.
1 Bacharel em flauta transversal, atualmente formadora de música da Educação Infantil na Liga Solidária, pesquisadora encantada com a educação.
2 Fundada em 1923 como Liga das Senhoras Católicas, de São Paulo (SP), entidade que coordena vários serviços sociais, entre eles nove CEIs que atendem crianças de 0 a 4 anos.
3 Acalanto: designa o ato de acalantar, de embalar; canção de ninar. Alguns exemplos de acalantos consagrados no Brasil: Boi da cara preta, Tutu marambá. Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo. 9a ed. Global Editora: São Paulo, 2000.
Música no cotidiano
Interromper esse processo afetivo de tão grande importância após o período de inserção nos CEIs parecia um erro. Esse era o planejamento inicial: a música seria uma atração como um elo com o CEI, mas sua presença e constância propiciaram enormes conquistas. Entre elas, destacamos o estabelecimento de vínculo com os professores.
Surgiu assim a ideia de fazer um trabalho de música com os grupos de Berçário I e de Berçário II, mais especificamente um trabalho de intervenções sonoras. Pesquisei, entre os instrumentos disponíveis nos CEIs, quais poderiam ser pendurados, quais possuíam uma sonoridade aguda ou atraente para nossos pequenos. Apresentei esses instrumentos para professores e crianças em nossas aulas de musicalização, permitindo o manuseio dos instrumentos.
Criamos cantinhos da música com instrumentos que a cada mês são trocados; também penduramos caxixi e o pau de chuva como móbiles de uma maneira atrativa e de fácil acesso pequenos. Susana Figueiredo dos Anjos, Roseanne O. Sousa, Edna Maria Gomes Demetrio (professoras do CEI Ipê)
Sugerimos às professoras que pendurassem em forma de móbiles alguns dos instrumentos selecionados com sonoridade específica para essa proposta e que os Centros de Educação Infantil já possuíam em seu acervo, como carrilhões de chaves, carrilhões circulares, sinos, pau de chuva, tambores. Sempre ao alcance do manuseio das crianças, sob o olhar atento do professor. Em relação à quantidade de instrumentos, neste caso “menos é mais”, importando a qualidade do som e não a quantidade de instrumentos ofertados. As crianças conseguiam se organizar de forma tranquila, oferecendo espaço para o outro experimentar a nova sonoridade. O som precisa ser agradável ao ouvido, para alcançar de forma satisfatória nossos objetivos.
A sonoridade aguda sobressai, chama a atenção, em alguns momentos as crianças que simplesmente param embaixo do instrumento pendurado o tocam, exploram a sonoridade e assim desenvolvem os sentidos. Tocar, ouvir, experimentar: tudo o que nossos pequenos precisam para se desenvolver. Outros observam. Assim, a experimentação começou e se tornou parte da rotina.
O papel do professor
Trabalhar com música, para quem não é músico, é um processo contínuo de aprendizagem. Os professores sabem a importância da música para o desenvolvimento dos pequenos; porém, como manusear esses instrumentos, como saber os nomes corretos? Como proporcionar às crianças uma proposta significativa? A observação e a compreensão das especificidades do bebê são os primeiros e fundamentais passos, caminho já percorrido por alguns pesquisadores:
O nascimento da experiência musical
Para a maioria das crianças, “música” é, em grande medida, uma experiência com a linguagem, é linguagem distorcida em sua modulação e ritmo. A experiência musical pura nasce na linguagem e isto só acontece aos poucos, à medida que as crianças adquirem competência em sucessivos aspectos da música.
Até o recém-nascido tem algum tipo de vida musical. A resposta inicial do bebê ao som musical é voltar-se defensivamente em direção a ele. Mas a criança com cerca de um mês já sabe distinguir tons de diferente frequência. (…) Com seis meses a criança responde a mudanças no contorno melódico. Mas, o que é interessante, não há reação quando uma melodia passa por uma elevação ou queda de tonalidade. (…) muitos gu-gus e gritinhos agudos do bebê são óbvios experimentos na produção de tons. Pesquisas recentes mostraram que, mesmo aos dois meses, alguns bebês podem reproduzir a tonalidade e o contorno melódico das canções de sua mãe. Quando os bebês começam a balbuciar, por volta dos seis meses, surge uma espécie de canto espontâneo. Claro, é difícil distinguir ente as partes musicais do balbucio e a linguagem nascente. A linguagem tem a sua própria musicalidade embutida. Mas, entre doze e dezoito meses, exatamente quando o balbucio se transforma em palavras distintas, as crianças começam a alongar as vogais de maneira claramente musical.
Música, cérebro e êxtase – como a música captura nossa imaginação, de Robert Jourdain. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
Convicto de que o melhor caminho a seguir é observar e respeitar o modo como bebês e crianças exploram o universo sonoro musical, François Delalande afirma que essa deve ser a postura dos educadores (leigos ou especialistas), diante do desafio de proporcionar às crianças o acesso à experiência musical.4
As crianças associam a sonoridade do instrumento com cantigas cantadas por professores ou em momentos de aula de música. As crianças de berçário II cantam as cantigas trabalhadas nos momentos de música ou de roda com os professores, contribuindo para o processo de desenvolvimento da oralidade. Nos finais das frases cantadas balbuciam algumas sílabas, estimuladas com as notas agudas das melodias, e experimentam a nova descoberta das vibrações musculares.
Observamos que os pequenos gostam desses instrumentos em forma de móbiles e que poderíamos deixá-los permanentemente na sala de aula, sendo substituídos por outros conforme a necessidade do grupo. Instrumentos como o caxixi, por exemplo, também têm grande popularidade no CEI. Atrelamos essas intervenções ao processo de educação musical e à proposta pedagógica da sala, sempre associando as cantigas ao projeto realizado pelo grupo de professores, para melhor aproveitamento do grupo.
Os tambores, pandeiros e pandeirões, entre outros instrumentos de pele, têm grande popularidade dentro da sala de aula; as crianças os exploram de todas as maneiras, tocando com as mãos e sentindo sua textura. Em alguns momentos, tocando-os com muito vigor, em outros, com carinho e um grande abraço no mais novo companheiro das cantorias. Neles marcamos a pulsação do repertório cantado nos momentos da roda de música, muitas vezes reproduzindo as batidas do coração, tão atraente e familiar aos pequenos.
Aos poucos, novas ideias vão brotando: intervenções na sala de aula, como o Cantinho da música, acolhida com instrumentos, contação de história com utilização de instrumentos. Os instrumentos musicais tornam-se parte dos objetos escolhidos pelo professor para desenvolver atividades dentro ou fora da sala em vários momentos da rotina. A apropriação da sonoridade é valorizada como parte importante do desenvolvimento da criança.
Deixemos que as crianças explorem, batam, toquem, segurem, experimentem a sonoridade dos instrumentos e do próprio corpo, para elas a primeira fonte sonora. A interferência do adulto é para garantir sua segurança, sua aproximação do instrumento, apreciar sua sonoridade e aguçar sua curiosidade.
4 Música na Educação Infantil: propostas para a formação integral da criança, de Teca de Alencar Brito. 4a ed. São Paulo: Peirópolis, 2010.
Música da cultura infantil no Brasil
Lydia Hortélio
Entendendo-se Cultura Infantil como a experiência, as descobertas, o fazer das crianças entre elas mesmas, buscando a si e ao outro em interação com o mundo, ou seja, toda a multiplicidade e riqueza dos brinquedos de criança – teremos que buscar a compreensão da Música da Cultura Infantil dentro deste mesmo contexto, como parte que é de um mesmo corpo de conhecimento, de um conhecimento com o corpo, nele incluídas, naturalmente, a sensibilidade, a inteligência e a vontade, como dimensões da vida na complementaridade e inteireza.
Os brinquedos com música fazem parte da vida da criança desde muito cedo. Aos acalantos e brincos da mais tenra infância, de iniciativa materna, seguem-se as parlendas e cantilenas, onde os primeiros gestos da melódica infantil se insinuam a par com o elemento rítmico da palavra. A Música da Cultura Infantil é uma música com movimento, aliada à representação e a uma geometria no tempo. É uma música no corpo, próxima ao outro, com o outro, movida pura e simplesmente pela livre vontade de brincar. É a cidadania plena, por índole e direito, sensível, inteligente. Sua prática proporciona o exercício espontâneo da música em todas as suas dimensões, mesmo que de forma elementar, e se constitui, por si mesma, a base de uma educação do sensível e pressuposto fundamental da identidade cultural. A música tradicional da Infância representa, em todas as Culturas, a expressão mais sensível da alma de um povo. Assim é, pois, evidente, a necessidade de atentarmos para o cultivo da Música da Cultura Infantil.
Fonte: http://www.casaamarelafestas.com.br/textos/musica_da_cultura_infantil_no_brasil.pdf
O carrilhão e suas variações
Rodrigo Digão Bráz
Instrumento musical percussivo também chamado de sino. Pode ser composto por tubos ocos de aço, lâminas e/ou chaves, pendurados sem necessariamente ter uma ordem exata.
Carrilhão de alumínio e carrilhão de chaves
Carrilhão de orquestra: é um instrumento musical da família da percussão, tubos de aço em sequência ordenada, pendurados em suas extremidades por uma armação, reproduzindo os sons das escalas diatônicas e cromáticas. Para tocá-lo, o percussionista utiliza a baqueta de madeira, como pequenos martelos geralmente com cabeça de plástico, próximo a extremidades superiores do instrumento.
Carrilhão chinês: instrumento muito antigo na China, o carrilhão de sinos de bronze é um conjunto de diferentes dimensões, formado por uma sequência de sinos pendurados em uma armação de madeira, percutido por martelinhos de madeira. Antigamente o carrilhão era um instrumento próprio das classes mais altas e representava o poder. Era usado em apresentações na corte, sempre antes do início de uma guerra ou durante audiências importantes e oferendas de sacrifício.