As experiências com eventos de leitura e escrita parecem contar muito mesmo para nossa formação: lembro-me de minha avó, uma pessoa bem simples, filha de imigrantes italianos fugidos da primeira grande guerra.
Tempos difíceis, minha avó mal pôde estudar, casou-se cedo e aos 17 anos já era mãe. Teve nove filhos, não tinha empregada, nem televisão, mas era uma pessoa muito envolvida com a leitura! Discutia conosco qualquer assunto, e tinha opinião formada sobre eles principalmente porque lia jornal e compartilhava com as pessoas esta sua leitura.
Para ela existiam duas coisas sagradas e rotineiras: fazer suas orações e ler seu jornal diariamente. Provavelmente ela tenha sido meu primeiro modelo de leitor. Quando nasci ganhei dois presentes, uma boneca e um livro enorme de contos de fadas. Minha mãe lia para mim todas as noites antes que eu dormisse, meu pai comentava comigo diariamente as notícias do jornal. As pessoas, percebendo meu interesse pela leitura, sempre me davam muitos livros.
Eu os devorava, amava-os como companheiros, conversava sobre eles. Acreditava que neles encontraria o que precisasse, informação, conforto, divertimento. Relia meus livros buscando o que meus desejos ou necessidades impunham em determinados momentos. Por meio dessas leituras conhecia mundos muito diferentes daquele em que vivia ou que minha família me proporcionava viver.
Lia de tudo. Lembro-me de um livro chamado “Trinta e cinco janelas para o mundo”, com ele viajei por 35 cidades diferentes, imaginei os lugares, as pessoas, as paisagens, as comidas. Os livros têm esse poder e, desde cedo, tive o privilégio de saber disso. Eles marcam momentos, modificam e ampliam nossos conhecimentos, nossa forma de olhar o mundo.
Mas o que modificou radicalmente minha “leitura de mundo” foi quando, no ginásio, uma professora propôs a leitura de Vidas Secas de Graciliano Ramos. Creio que a professora que nos instigou nessa leitura primeiro acreditou em nossa capacidade, considerou que poderíamos ler um livro complexo, e isso foi fundamental para minha formação como leitora.
Talvez aquela professora nem soubesse que, com a proposta de ler Vidas Secas, estivesse me concedendo o direito de ler de tudo, o direito de julgar aquilo que era importante para mim. Direitos imprescindíveis de um leitor! Evidentemente devemos levar em conta a idade da pessoa, mas na dúvida possibilitar que ela possa escolher.
Lembro-me que fiquei muito impressionada com a vida dos sertanejos, com o estilo do autor, o jeito que ele escreveu me fez pensar e refletir sobre situações de vida que eu nunca havia imaginado. Esse livro me colocou uma dúvida, um problema, uma situação a ser resolvida: desde quando a vida do sertanejo é assim? Até quando será?
Novos referenciais se impuseram e aprendi a levar em consideração outras questões quando fosse avaliar uma situação, um fato. O conceito de letramento expressa essa possibilidade de ser mais, de ir além das letras, das palavras, das frases…Letramento traz a possibilidade de reinterpretar o mundo, analisar, comparar, elaborar e reelaborar. Possibilita a inclusão no universo cultural.
Por meio da cultura letrada podemos nos comunicar e nos integrar com outras pessoas, ter acesso a uma gama infinita de informações e a possibilidade de uma participação mais ativa no mundo do trabalho e da política.
(Por Cisele Ortiz, Coordenadora de Projetos do Instituto Avisa lá – Texto escrito para o programa Salto para o Futuro, TV Futura. Diponível no site www.tvebrasil.com.br/salto)