POSICIONAMENTO PÚBLICO DE MOVIMENTOS E ENTIDADES EM DEFESA DA EDUCAÇÃO SOBRE RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE 1008166) A SER JULGADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Brasília, 21 de setembro de 2021.
“Tal como Sísifo, vive-se agora uma repetição da experiência: mudaram-se governo, técnicos, temas de interesse; perdeu-se a memória do passado recente e reinventam-se modelos já reprovados” 1
A epígrafe denuncia o teor do documento que ora apresentamos compreende metáfora evocada por Fúlvia Rosemberg no final dos anos de 1990. Ao propor tal comparação, Rosemberg nos auxilia a evidenciar que as políticas para a educação infantil no Brasil anunciam uma construção democrática e participativa contando com diferentes segmentos da sociedade brasileira: universidades, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos, associações de profissionais, representantes do governo e famílias que, juntos, construíram saberes e experiências na área. Assim, essa construção histórica, empurrando Sísifo até o topo da montanha e mantendo-o lá, definiu a educação infantil na legislação brasileira como direito das crianças de 0 até 5 anos, realizado em creches e pré-escolas e primeira etapa da educação básica. No entanto, repetidas vezes a pedra conduzida por Sísifo “rola morro abaixo” – imagem que evidencia retrocessos quanto ao direito das crianças, desde bebês à educação infantil.
O recurso extraordinário (RE 1008166) interposto pelo Município de Criciúma, a ser votado na data de hoje, dia 21 de setembro de 2022, pelo Supremo Tribunal Federal estabelece retrocesso no que concerne ao direito à ceche. Desse modo, os movimentos sociais e entidades em defesa da educação abaixo relacionadas vêm a público apresentar posicionamento em
1 ROSEMBERG, F. Sísifo e a educação infantil brasileira. Pro-Posições, Campinas, v. 14, n. 1 (40), p.177-194, jan./abr. 2003.
defesa da educação infantil como direito inviolável que deve ser assegurado com absoluta prioridade.
Em oito de setembro deste ano, o STF deu início ao julgamento do RE 1008166 que discute com base em um caso concreto a extensão do direito de crianças de zero a 3 anos a frequentar creches no Brasil. Em seu voto, o ministro Luís Fux considera que a intervenção judicial em favor de crianças sem vagas em creches precisa preencher exclusivamente dois pré-requisitos: “comprovação de negativa de pedido administrativo e de incapacidade financeira para arcar com os custos correspondentes de matrícula em estabelecimento particular”. Tal intepretação tem fulcro em uma ideia deturpada de política social, amparada em uma visão assistencialista da política de educação infantil, em especial, no que concerne à frequência à creche. Tal visão, outorga ao Estado caráter tutelar relativo à educação e aos cuidados destinados às crianças das classes populares, afastando-se de uma compreensão do acesso à creche edificada sobre a égide do direito de bebês e crianças de até três anos – o que atribui ao Estado a figura do dever e não mais a da assistência, como ocorria nas cartas constitucionais que antecederam a Constituição Federal de 1988, e toda a legislação dela procedente, em especial, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96 de dezembro de 1996) e Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009 do Conselho Nacional de Educação, que Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
É importante destacar que o direito de crianças com idade entre zero e três anos à creche é uma conquista histórica da sociedade que também contou com esforços do executivo e do legislativo na Assembleia Nacional Constituinte que, perfilados com diferentes representações populares, participaram do Movimento Nacional Criança e Constituinte e da elaboração desse texto constitucional. De igual modo, é notório que tal direito vem sendo alvo de reiteradas ações de governos ultraconservadores que insistem em isentar o Estado do dever para com a oferta pública de vagas que, em sua essência, constituem direito da população brasileira de até três anos de idade.
Diante deste cenário, reiteramos nossa contrariedade à fragmentação da política pública de educação infantil, retrocedendo a uma visão assistencial da creche ao se exigir prova de pobreza para o acesso a um direito fundamental
indisponível. Solicitamos, portanto, a garantia do Preceito constitucional que celebra a educação infantil como direito das crianças, desde bebês e cujas vagas em creche e pré-escola pública configuram-se como dever do Estado.
São signatários do documento:
MIEIBI – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
RNPI – Rede Nacional Primeira Infância
UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação
ANDI – Direitos e Comunicação –
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Avante – Educação e Mobilização Social
Agenda 227 – Prioridade Absoluta para Crianças e Adolescentes
Cidade Escola Aprendiz
Centro de Referência em Educação Integral
CIESPI – Centro Internacional de Estudos e Pesquisa sobre Infância (em convênio com a PUC Rio)
Instituto Avisa Lá – formação continuada de educadores
Nepei – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Infância e Educação Infantil
Zelo Consultoria