Espaços diferentes para dormir

Márcia Pereira de Oliveira e Ana Paula Yazbek¹


O sono no espaço externo em diferentes contextos: uma perspectiva de acolher as necessidades dos bebês


Desde que o Espaço da Vila² foi inaugurado, em janeiro de 2002, a realização de propostas ao ar livre sempre marcou nosso cotidiano, de modo que as crianças pudessem se aquecer ao sol, nos dias frios, se refrescar à sombra das árvores, nos dias quentes, entrando em contato com a luminosidade, o cantar dos pássaros, os odores e as cores que influenciavam positivamente suas experiências, favorecendo um intenso e agradável contato com a natureza.

Todos os ambientes foram projetados para garantir segurança e liberdade. Nosso projeto contempla espaços versáteis, que se flexibilizam em função das propostas que irão acontecer. Configuramos ambientes destinados ao brincar, às propostas de artes e às refeições, evitando, assim, a ideia de salas exclusivas para cada turma. O intuito é de que as crianças se sintam partes integrantes de todo o Espaço e não somente de uma única turma.


1 Márcia é educadora formada em pedagogia pela Faculdade de Sumaré (SP), com especialização em trabalho com bebês. Ana Paula, formada em pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), com especialização em educação de crianças de 0 a 3 anos pelo Instituto Singularidades (SP), é diretora do Espaço da Vila (SP).
2 Atende crianças entre 4 meses a 3 anos e desenvolve um currículo específico que integra todas as situações relativas ao cuidado com as situações de aprendizagem.

Nosso jardim é repleto de árvores de pequeno e de grande porte – frutíferas ou não –, de flores e de um extenso gramado. Brincadeiras na relva e a presença de bichinhos de jardim, como os tatus-bolinha, as formigas e as borboletas, são matérias-primas para os processos de criação das propostas dirigidas às crianças.

Diferentes locais – a fonte, o brinquedão, o cineminha³, o chão azul da casinha, o tanque de areia ou embaixo das árvores – são visitados por todas as turmas ao longo dos dias e ganham funções a depender da forma de ocupação.

Até há pouco tempo, as explorações dos espaços externos eram restritas aos momentos em que as crianças estavam acordadas, pois acreditávamos que o momento de descanso deveria ocorrer sempre no mesmo local, num ritual previsível e estável, tanto para as crianças como para as educadoras.

Ocasionalmente, organizávamos um espaço ao ar livre para o descanso e sempre avaliávamos as experiências de modo positivo, mas não dávamos prosseguimento, apesar do desejo de encontrar em nossa área externa locais apropriados, para que os bebês pudessem dormir, onde o céu fosse o pano de fundo e os sons da natureza, acalanto necessário para lhes ajudar a adormecer.

Esta inspiração ganhou vida e virou ideia posta em prática, proporcionando-nos novas reflexões sobre o sono.


3 O cineminha é uma sala com diferentes luminárias que as crianças podem acender a qualquer momento, TV e aparelho de DVD, que são usados de forma muito pontual e eventual.

O mito do sono preservado

Partimos do princípio de que dormir é sinal de entrega, de calma e de descanso, e que em nosso trabalho com os bebês e crianças entre 4 meses e 3 anos devemos sempre garantir tempo e qualidade para que ocorra um repouso gostoso. Assim, para assegurar e garantir a qualidade desse sono na turma dos bebês (12 crianças entre 8 e 14 meses com o acompanhamento de quatro educadoras), cada ambiente passou a ser planejado cuidadosamente, para que tudo ocorresse de forma harmoniosa. Queríamos propor vivências que ainda não tínhamos experimentado, sem afetar a autonomia e a segurança afetiva que cada um dos bebês já havia construído.

Disso dependia nosso olhar atencioso a cada detalhe, respeito às individualidades, tempo e valorização da importância do bem-estar físico e emocional de cada um.

O momento de descanso até então era organizado da seguinte maneira: destinávamos um berço para cada bebê, com os objetos de apego trazidos de casa, como chupeta, paninhos, bonecas e ursinhos. Todos os dias antes de levá-los ao quarto, uma educadora cuidava para que o ambiente estivesse adequado. As janelas fechadas garantiam o escurinho e a diminuição dos barulhos externos, pois acreditávamos que dessa forma o sono de todos seria tranquilo e duradouro. Evitávamos qualquer coisa que pudesse interromper ou atrapalhar o sono de alguém e, para isso, mantínhamos entre a equipe de educadoras alguns combinados (os sapatos deveriam ficar do lado de fora, deveríamos ser cuidadosas ao abrir a porta e, caso houvesse necessidade de falar algo, o tom de voz deveria ser o mais baixo possível).

Antes das primeiras experiências, praticamente todos os bebês já haviam desenvolvido boa autonomia para adormecer sozinhos nos berços. Alguns dormiam logo que eram deitados, outros ficavam balbuciando ou realizando movimentos de “autoninar”; outros, ainda, gostavam de ser embalados com toques suaves e acalantados com canções baixinhas. Quando nos propusemos a usar os espaços externos para o momento do sono, tínhamos receio de que isso afetasse o contato com um lugar íntimo de conforto; receávamos a interferência da claridade, dos barulhos dos carros, das motos, do cachorro da vizinha e das crianças das outras turmas. Perguntávamo-nos se eles entenderiam que a proposta era para dormir e não brincar; se o tempo de sono seria afetado ou interrompido por eventos da natureza.

A ideia não era promover um evento fortuito ou fazer algo que parecesse “diferente”. Era olhar para o momento do sono como um conteúdo importante do trabalho, e configurar espaços aconchegantes para este momento, da mesma maneira como costumamos configurar os espaços para os momentos em que estão despertos. Realmente isso demanda uma disponibilidade física dos educadores, mas em nosso Espaço buscamos a cooperação e contamos com o envolvimento de grande parte da equipe para que os espaços se reorganizem.

Decidimos tirar de cena as dúvidas e não criar nenhuma expectativa, muito menos buscar respostas prontas para questões que somente as crianças poderiam nos responder.

Ao invés de nos preocupar com as probabilidades, iríamos focar no que tínhamos de mais concreto, deixando de lado a insegurança para sair da imobilização e efetivando a proposta para depois poder avaliar se seria ou não interessante. No lugar dos questionamentos, colocamos a mão na massa e, logo, toda a equipe estava disponível, envolvida, pensando em conjunto sobre os lugares que seriam configurados, quais tecidos seriam os melhores e mais adequados para estruturarmos redes confortáveis e bem ventiladas, complementando as medidas de segurança já adotadas no dia a dia.

Cuidados cotidianos

Pelo fato de termos muitas árvores e ficarmos numa região relativamente próxima ao Rio Pinheiros, durante o verão, principalmente, precisamos ficar atentas com relação às picadas de insetos.

Há famílias que autorizam o uso de repelente, então, após as trocas de fralda, realizamos esse procedimento.

Sempre usamos mosqueteiros nos berços, estejam eles nos quartos ou na área externa.

Temos um aparelho que emite sinais sonoros que atraem os insetos, chamado Mata Mosquito IK10B, da Electrolux, e o levamos para todos os ambientes.

Durante o sono, seja no quarto ou na área externa, as crianças são sempre acompanhadas.

Cuidamos da escolha dos tecidos e da segurança dos galhos das árvores para fixação das redes, cada vez mais seguras em relação ao uso.

Os tecidos são sempre lavados e os lençóis são de uso exclusivo de cada uma das crianças.

As primeiras redes foram montadas embaixo das árvores da fonte, um dos lugares mais visitados por esta turma, em seus momentos de brincadeira. O convite foi feito e cada um dos bebês era aconchegado no colo de uma educadora, que lhe apresentava o lugar onde iria dormir e, depois, cuidadosamente, deitava-o em seu cantinho. Nesta primeira experiência, as reações foram variadas: para alguns, aquele lugar de imediato parecia uma bela oportunidade de recriar algumas brincadeiras, como se esconder do outro ou brincar de pula-pula. Registramos pequenos estranhamentos, como bebês que choraram um pouco ou ficaram olhando ao redor até conseguirem se ambientar no local onde estavam sendo colocados para dormir, mas que foram sanados no aconchego do colo; houve também o caso de um bebê que preferiu adormecer no berço. Outros pareciam hipnotizados com o cenário à mostra, o cantar dos pássaros, as sombras, as folhas balançando e, envolvidos nessa sintonia, acabaram encontrando uma posição confortável, adormecendo rapidinho.

Em poucos minutos, todos estavam dormindo profundamente. Vê-los naquele ambiente onde se ouvia cachorros latindo, carros e motos passando a todo o momento na rua ao lado, crianças e adultos circulando bem próximos (curiosos para ver os bebês dormindo nas redes), instrumentos musicais, canções e um sol radiante que aquecia e iluminava, era um cenário totalmente inverso ao que estávamos acostumadas até então, no quarto escurinho e silencioso. Mesmo assim, ninguém acordou! Vez ou outra, alguém se mexia ou abria os olhos vagarosamente, mas voltava a dormir, sem nossa ajuda.

No decorrer dos dias, cabanas foram montadas, berços levados ao ar livre, redes improvisadas, colchonetes e diferentes lugares foram configurados. Sempre que um novo ambiente se transformava no cantinho de dormir, era surpreendente vê-los tão à vontade e seguros, e a mesma cena de tranquilidade descrita anteriormente se repetia. E, assim, o momento do descanso foi ganhando um novo significado e novas reflexões acerca do assunto surgiram.

Conforto e segurança como prioridade

Constatamos então que a garantia da qualidade do sono daquelas crianças não tinha ligação com um ambiente totalmente silencioso e muito menos com a pouca iluminação; ela estava relacionada ao nível de competência que os bebês adquirem quando damos a eles oportunidades de se sentirem seguros e afetivamente adaptados ao meio ao qual estão inseridos. Cada um daqueles bebês havia tido tempo e espaço para se vincular profundamente com os adultos que zelavam pelos seus cuidados. Em momento algum eles foram obrigados a dormir onde não fosse confortável, pois levávamos em consideração o princípio do respeito e de que aquela ideia deveria proporcionar sensações prazerosas e gerar bem-estar.

O clima era nosso termômetro e o sol brilhando do lado de fora era sinônimo de novas oportunidades. Nos dias frios ou chuvosos, os espaços de dormir foram configurados em lugares fechados, mas não nos preocupávamos mais com a incidência ou não de luz, com a produção ou não de barulhos que, de alguma maneira, passaram a ser vistos como elementos que não interferiam na hora de dormir. Inclusive, desde que tudo isso começou, aderimos às “janelas abertas”, e quando eram levados ao quarto, sentiam-se familiarizados com a claridade, a mesma que os fazia dormir tão bem ao ar livre.

É prazeroso falar dessa experiência como algo que não anula, muito menos desconsidera outras possibilidades, mas quebra paradigmas. Diante de ações concretas e reflexivas, descobrimos que os bebês e as crianças pequenas não dependem exclusivamente de nossos padrões preestabelecidos e fechados para que adquiram repertório de conhecimento e se desenvolvam. Somos nós que, muitas vezes, criamos limitações. Mas quando propiciamos boas oportunidades, dando tempo, cuidando dos espaços e estando sempre presentes, passamos a conhecer mais profundamente cada bebê. A partir desse vínculo mais fortalecido, é possível gerar mudanças de comportamento, garantindo segurança e bem-estar. Descobrimos que dormir tranquilamente em cada um dos lugares que propusemos foi um reflexo vivo dessa confiança, encorajando-nos a manter esta organização de forma frequente na rotina com os pequenos.

Sono – um momento importante da rotina

O sono constitui-se num estado de suspensão temporária da atividade perceptivo-sensorial e motora voluntária e, ao mesmo tempo, por um processo ativo por parte do sistema nervoso central. Assim, apesar da aparente não atividade muitas coisas acontecem nesse período com consequências diretas para a saúde, como fortalecimento do sistema imunológico, secreção e liberação de hormônios (do crescimento, insulina e outros), além do descanso e relaxamento de toda musculatura corporal. Durante o sono, ocorre também a reposição de possível déficit energético adquirido ao longo do dia e a fixação da memória recente (…)

Ao refletirmos sobre o que é possível fazer para que esses momentos se tornem práticas promotoras de saúde na instituição de educação, nos damos conta de uma série de ações que englobam desde a organização da rotina, do ambiente, como também alguns cuidados, como limpeza e higienização de espaços e materiais. Esses momentos envolvem ações que precisam ser intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas, requerendo um olhar atento por parte dos professores e equipes de apoio.

A organização de rotinas para o momento de sono na Educação Infantil está absolutamente imbricada com a concepção de sujeito que se tem. Quando concebemos a criança como sujeito integral, esta organização consistirá em considerar suas especificidades e necessidades individuais dentro do coletivo.

Na nossa experiência temos observado a necessidade de organizar rotinas que sejam bastante flexíveis quando o bebê ingressa na instituição com menos de um ano de vida, pois neste período algumas crianças ainda não construíram horários de sono tão fixos. Ainda nesta faixa etária é necessário organizar pelo menos um momento no período da manhã e outro à tarde. Já para as crianças próximas de 2 e 3 anos, um período passa a ser suficiente e para as acima de 4 anos não é preciso estruturar um momento para que todo o grupo durma, mas sim organizar situações de maior tranquilidade e descanso. Nesta fase percebemos que apenas algumas crianças ainda necessitam do sono diurno, fazendo com que a instituição organize situações de modo a contemplar as necessidades individuais, sem estruturar um momento para todo o grupo.

(…) A quantidade de sono varia em função da faixa etária e também por características individuais. Em seus primeiros quatros meses de vida, um bebê costuma dormir entre 16 e 17 horas por dia, enquanto uma criança de 3 anos se satisfaz com 9 horas de sono contínuo durante a noite e uma soneca de 1 ou 2 horas durante o dia. A partir desta idade diminui a necessidade de sono diurno e a criança já se aproxima do padrão adulto, cujas variações podem ser classificadas em 2 grupos: grandes dormidores (dormem em média 8h30 a 9h30) e pequenos dormidores (de 5h30 a 6h30).(…)

Fonte: Momentos de sono e descanso são questões de currículo na Educação Infantil?, de Lígia Perez Paschoal, Marlene Felomena Mariano do Amaral e Rosa Virgínia Pantoni. Revista Pátio, São Paulo, no 26, ano IX, jan./mar. 2011.
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