Conhecendo as aves do entorno

Luana Viegas de Pinho Portilio e Vivian Carmem Dutra¹


Situações bem contextualizadas de ensino e aprendizagem da língua escrita entusiasmam os alunos do 1o ano do ensino fundamental e os resultados foram socializados com a comunidade escolar


Ao procurarmos estratégias de ensino eficazes para a aprendizagem dos alunos fomos influenciadas por aspectos presentes na teoria de diferentes pensadores, em especial aqueles que, desde o livro A psicogênese da língua escrita², repensaram a estratégia para se trabalhar o processo de alfabetização, focando o modo de como realmente se aprende, deslocando o foco do “Como se ensina?” para o “Como se aprende?”. A escrita e os procedimentos de pesquisa são compreendidos como objetos de conhecimento que necessitam de observação, contextualização e elaboração de hipóteses.

Seguindo essa linha de raciocínio, podemos perceber a importância do trabalho com projetos, pois propor uma atividade que tenha um objetivo claro e eficiente para o que se pretende pode garantir mais dedicação e empenho para a realização das propostas. Além de possibilitar situações nas quais se permite atribuir sentido ao que está sendo feito, o desenvolvimento de projetos também é uma proposta potencializadora por permitir “uma organização muito flexível do tempo: segundo o objetivo que se persiga, um projeto pode ocupar somente uns dias, ou se desenvolver ao longo de vários meses³.”

Ao optar pelo trabalho com projetos, é possível envolver todos os alunos para a realização de um mesmo objetivo, pois o produto final precisa ter uma destinação, divulgação e circulação (dentro ou fora da escola), possibilitando assim o envolvimento social dos educandos. Atualmente é sabido que o aprendizado acontece nos momentos de cooperação e de troca entre outros indivíduos, mesmo que seja um processo individual, pois cada um percebe e abstrai aquilo que é mais
relevante e está mais próximo de seus sistemas internos de assimilação do objeto de aprendizagem. É o que reforça Bräkling4:

O sujeito aprende na interação tanto com o objeto de conhecimento, quanto com parceiros mais experientes a respeito do que se está aprendendo.

Diante dessas ideias, a observação e o estudo das aves aconteceram como uma estratégia para potencializar o aprendizado dos alunos. Neste projeto perseguimos mais especificamente os objetivos de “ler para aprender” e “ler para buscar informações específicas”, pois esses momentos de leitura são fundamentais para a construção de conhecimento e de aprendizagens adquiridas durante o projeto.


3 Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário, de Delia Lerner. Porto Alegre: Artmed, 2002. 4 Kátia l. Bräkling em: Das interações às ações: a linguagem verbal em sala de aula (separata, 2012).

Desenvolvimento do projeto

Os principais objetivos eram:
Despertar o interesse pelo mundo natural, possibilitando que o aluno formulasse perguntas, imaginasse soluções para compreendê-lo, manifestando opiniões próprias sobre fatos que observou, buscando informações e confrontando ideias.
Compreender e fazer uso dos procedimentos de pesquisa: levantar hipóteses, ler para buscar informações precisas, observar e registrar. Favorecer a observação das aves do entorno para o desenvolvimento do projeto. Compreender e fazer uso dos procedimentos de escrita, leitura e de revisão de textos
de curiosidade científica tipo “Você sabia”.

Iniciamos com o levantamento de hipótese, considerando os questionamentos e os saberes que os alunos tinham em relação ao tema. Três perguntas norteavam esse momento:

O que sabemos sobre as aves do entorno da escola?
O que queremos saber?
Como podemos descobrir?

Considerar a bagagem dos alunos e iniciar o processo de pesquisa a partir do interesse deles foi essencial para que, desde o início, as crianças se sentissem protagonistas desse processo.

Considerar a bagagem dos alunos e iniciar o processo de pesquisa a partir do interesse deles foi essencial para que, desde o início, as crianças se sentissem protagonistas desse processo.

Algumas perguntas feitas pelos alunos:
Por que algumas aves não voam?
Por que os filhotes não voam?
Por que as aves chocam ovos?

Para a realização das pesquisas, os alunos se organizaram em subgrupos, cada um com uma função previamente selecionada pela professora de acordo com as possibilidades de cada estudante. Um aluno fica responsável por ler o texto, outro se responsabiliza por registrar as informações obtidas, um pode se responsabilizar por marcar com um post-it as informações obtidas. Enfim essas funções são bem versáteis e seguem as características de cada grupo de alunos, em um processo que ocorre com orientação da professora que faz o papel de mediadora, auxiliando e fazendo intervenções específicas de acordo com as necessidades dos grupos formados.

O passo seguinte foi apresentar para os colegas o que conseguiram responder com a pesquisa; depois essas informações ficaram expostas no mural da sala. Nesse mural, os estudantes foram expondo todas as aprendizagens que adquiriam durante o projeto, respostas às perguntas iniciais e descobertas feitas por meio das pesquisas e observações.

Além da leitura de textos científicos, eles também assistiram a documentários e programas de reportagem sobre aves, ampliando assim o repertório sobre as variadas espécies.

Depois de escolhidas as aves que seriam estudadas, eles elaboraram as fichas técnicas, e para tal utilizaram os procedimentos de pesquisa, pois precisam buscar informações sobre cada ave. Durante a busca eles registraram no texto
as informações encontradas para, em seguida, anotá-las na ficha técnica, cujos procedimentos se repetiram a cada ave pesquisada, tornando o processo de pesquisa uma atividade permanente.

Vale salientar que as primeiras pesquisas foram feitas coletivamente para que pudessem circular informações relevantes sobre os procedimentos necessários. As pesquisas posteriores foram realizadas em dupla, sendo que cada uma recebeu um texto para a busca das informações que comporiam a ficha. Esses textos continham as mesmas informações, porém foram elaborados de acordo com as possibilidades de leitura específicas de cada dupla.

Para aprimorar as aprendizagens, os estudantes foram ao zoológico, o que permitiu, entre outras questões, a observação de um dos meios de circulação da ficha técnica e sua função social. A professora retomou com eles a questão do destino e das finalidades dos textos escritos, relembrando que cada um tem um meio de circulação e uma função específica.

Procedimentos de escrita, leitura e revisão 

Ao término das pesquisas, os alunos deram início às escritas de textos informativos de curiosidades sobre as aves, também do tipo “Você sabia”. Este é um gênero textual produzido pelas crianças no livro das aves; uma turma escreveu curiosidades e a outra, “Você sabia”.

As fichas foram elaboradas a partir de pesquisas dos alunos durante o projeto e quiseram colocar no mural. Antes da primeira escrita, a professora mostrou às crianças modelos de textos bem escritos como referência do gênero a ser
escrito, para que, em grupo, pudessem discutir e montar um quadro de características do gênero, pensando no conteúdo temático, na organização interna e nas marcas linguísticas.

Em projetos como esse, o primeiro texto é produzido coletivamente, tendo a professora como escriba, com a intenção de circular as informações da estrutura do gênero. Depois de alguns dias, já distanciados do trabalho, há o momento da revisão coletiva. A professora escolhe uma característica de cada vez para ser revisada pelo grupo. Concluída a revisão, o texto produzido coletivamente é incluído no livro de curiosidade das aves.

Após a etapa de produção coletiva, os alunos iniciaram a escrita do texto em dupla. Nesse momento, além dos conhecimentos adquiridos no decorrer do projeto, eles utilizaram as fichas técnicas e o mural da sala como apoio para buscar informações importantes para produção do texto. Na dupla, um faz o papel de escriba e o outro dita as informações, mas não significa que quem está escrevendo também não possa informar. É importante dizer que tanto um quanto outro atuam ativamente na construção do texto.

Uma semana depois de os alunos terem feito a primeira versão, o texto era submetido à revisão em dupla com a orientação da professora. Durante a revisão considerava-se um aspecto por vez, de acordo com a necessidade do texto de cada dupla. Por exemplo, segmentação, correção de palavras, repetição etc.

Reescrito o texto revisado, passou-se para a finalização do livro. Coletivamente produziram as ilustrações, o índice, pensaram no nome, no tipo de letra, e em todas as questões relacionadas à estética e apresentação desse trabalho, conscientes de que esse livro seria apresentado na feira cultural da escola, cujos leitores seriam os pais e os alunos da escola.

Registros individuais

Durante o projeto, em paralelo às propostas mencionadas, os alunos fizeram o registro de suas observações em um livro individual intitulado Livro de observações. Nele registraram, por meio de escrita e desenho, todas as aves que
encontraram no entorno da escola e representaram suas características, cores, tamanho, tipo de bico e características do local onde foram encontradas. Puderam registrar também o que as aves estavam fazendo quando observadas. Vários alunos comprovaram nas observações tópicos que foram pesquisados nos textos, como características físicas das aves, comportamento, construção de ninhos, hábitos alimentares. Nesse percurso, algumas falas foram registradas pelos professores:

Professora, eu observei João-de-barro cantando na minha casa e parecia uma gargalhada, que nem você leu no texto.
– Eu vi o bem-te-vi chupando o néctar das flores e percebi que as penas dele brilham no sol que nem você leu naquele dia!

– Eu encontrei um ninho na minha casa e acho que é de sabiá-laranjeira porque parece uma tigela funda e tem gravetos e peninhas em cima.

– Tem um ninho de bem-te-vi na árvore da escola… eu sei porque é fechadinho e tem um furo no meio. O tucano vai pegar porque ele come filhotes e ovinhos de aves menores.

Inúmeras vezes as crianças fizeram o movimento contrário, isto é, observaram aves no fim de semana e chegaram à escola ansiosos para pesquisar seu nome e características nos livros; se não encontravam a informação, pediam ajuda para a professora e pesquisavam na internet. Todas as informações foram registradas no mural do projeto, que foi ficando mais rico a cada dia.

Os alunos fotografaram os ninhos e as aves encontradas na escola sempre que possível, aprenderam a conviver com o comportamento desses animais, passaram a respeitar o habitat das aves. Por meio da leitura de textos publicados por ornitólogos e observadores de aves aprenderam, na prática, os comportamentos de um observador.

Saíram também à procura de penas de aves, observaram e pesquisaram ao máximo para descobrir o nome do possível dono da pena e depois expuseram as penas encontradas em um painel intitulado “penário”. Para todas as penas havia uma legenda produzida pelas crianças, que informava o nome da ave ou o local onde ela havia sido encontrada.

A empolgação pelas descobertas motivou as crianças a produzirem um vídeo para compartilhar o que haviam conhecido sobre as aves no decorrer desse processo, que foi entregue aos pais com o livro e as fichas técnicas produzidas.

Realizaram também na aula de Artes reproduções em tamanho real das aves estudadas com a técnica de papel machê.

Esse projeto foi apresentado na Mostra cultural da escola, com a exposição de todas as etapas, incluindo ficha técnica, primeira versão do texto, revisão, ilustrações, reprodução das aves, ninhos encontrados no entorno da escola, livros utilizados para pesquisa e o produto final. No dia da exposição, as crianças explicaram todo o processo percorrido aos visitantes, orgulhosos de tudo o que haviam aprendido e de todo o material produzido.

Posted in Revista Avisa lá #70.