Formação a distância: espaço de muitas aprendizagens

Denise Tonello¹


O ensino a distância (ead), que já existe há mais de um século aqui no brasil, ainda tem gerado dúvidas sobre sua consistência, seriedade e qualidade, pois há quem acredite que esta é uma modalidade destinada a pessoas que não têm tempo e que querem conseguir um certificado sem muito trabalho. Mas isso não é verdade.


Ocurso a distância “Documentar para avaliar: a documentação pedagógica (portfólios) como uma possibilidade formativa para adultos e crianças”, com o intuito de aprofundar e analisar o significado de “documentação pedagógica”, de reconhecer ações formativas e de orientar fazeres didáticos que estivessem implicados, cotidianamente, num processo de avaliação significativo e contínuo, foi um processo de muitas aprendizagens para os participantes e para mim como professora.


1 Pedagoga da Universidade de São Paulo; mestra em Educação: Formação de Formadores pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; coordenadora da Educação Infantil e dos 1os anos do Ensino Fundamental I no Colégio Miguel de Cervantes; assessora em escolas particulares de São Paulo; colaboradora da Editora Moderna na produção de materiais didáticos; colaboradora do Instituto Avisa Lá e do Centro de Estudos PRISMA na Formação de Educadores; coordenadora e professora do curso de Formação a Distância promovido pela UNDIME, Grupo Santillana e Editora Moderna Formação.

Para quem o ministra, um bom curso a distância pode dar muito mais trabalho do que uma sala de aula presencial, pois uma vez que não há um contato visual, há de se estar atento todo o tempo para garantir a participação efetiva da maioria, evitando a desistência. Para isso, os objetivos do curso e de cada uma das atividades devem estar claros, além de muito bem escritos e organizados, pois os cursistas precisam entender o que deve ser feito. As propostas devem ser motivadoras e interativas, além de se ter em conta a ideia de criar uma comunidade de aprendizagem que valorize a construção coletiva, pois um dos principais recursos para que a aprendizagem aconteça é a troca de experiências e de saberes.

Além disso, o acompanhamento deve ser contínuo, garantindo, assim, a interação com os alunos, valorizando todas as participações e motivando os que, por algum motivo, não estiverem dando conta de realizar as atividades. Lidamos com pessoas que nunca participaram de um curso a distância, ou que não têm intimidade com a tecnologia. Cada caso é único. Por isso, valem checklists, mensagens coletivas e individuais, e muitos outros recursos para garantir a participação e o envolvimento de quem optou por essa modalidade.

Por parte dos alunos, um curso a distância exige programação, disciplina, compromisso para estudar com autonomia e gerenciamento do próprio tempo a fim de garantir não apenas que o conteúdo seja assimilado, mas também que todos os recursos ofertados pelo curso sejam aproveitados ao máximo em função da aprendizagem. Das minhas tantas experiências, animo-me a dividir um pouco o referente à construção de conhecimento que acompanhei neste curso e que foi fruto da organização e mediação propostas, mas, principalmente, do envolvimento e comprometimento das alunas que participaram com tanta vontade de aprender e que, aos poucos, foram modificando sua forma de agir e de pensar!

um pouco o referente à construção de conhecimento que acompanhei neste curso e que foi fruto da organização e mediação propostas, mas, principalmente, do envolvimento e comprometimento das alunas que participaram com tanta vontade de aprender e que, aos poucos, foram modificando sua forma de agir e de pensar!

Já na apresentação das expectativas, comentários davam indícios do que teríamos pela frente:

Estou há muitos anos na educação e percebo que sempre algo novo me encanta e me chama para perto… Preciso tocar, cheirar, captar, vasculhar, abraçar, pulsar… acho que sou educadora por estes e outros motivos que desembocam no afeto, no cuidado, na atenção, no toque. Devo ter veias e artérias “freirianas”, “larrossianas”, “espinosianas” e outras mais. Um misto de querer ver as coisas melhores, mais humanizadas, sensíveis e alegres. Cá estou, desejosa de estar aqui. Que bom que estão também! Estar junto é uma excelente maneira de estar… viver… mudar… aprender…
(Mara Lúcia Finocchiaro da Silva)

Além das expectativas, o tema central do curso envolvendo “avaliação” e “portfólios” também possibilitaria várias discussões, descobertas e mudanças de paradigma. Já no início foi possível constatar que o assunto, apesar de conhecido e polêmico, geraria inúmeras dúvidas…

Muitas vezes por falta de uma clareza do caráter processual da avaliação que já começa no ato de planejar o desenvolvimento as expectativas e o próprio fazer cotidiano considerando a avaliação um reflexo da aula, o não entendimento do Contrato Didático e sua interface com o processo de avaliação processual centrado na tomada de decisões. É um tema apaixonante, desafiador, que merece destaque e estudos que embasem as decisões conscientes dos professores por este ou aquele instrumento que revele as aprendizagens dos alunos. (Rosimeire Pavret)

Este curso me interessou, pois tenho visto colegas utilizando o termo “portfólio” para se referir a uma compilação de trabalhos das crianças, as tais “pastinhas de atividades”, mas sem usá-lo como reflexão para o trabalho pedagógico. Sempre tive a impressão de que ele deve ser mais do que isso, mas ainda não vi exemplos que pudessem me ajudar a entender como fazer um portfólio. Espero que a troca de experiências e leituras deste curso me tragam algumas respostas e me proporcionem mais algumas perguntas. (Márcia Ramos Bezerra)

O curso foi estruturado em algumas unidades, e cada uma delas tinha um foco a ser explorado. Trabalhamos, a todo momento, contrapondo conhecimentos prévios e avaliação contínua das aprendizagens, e isso possibilitou aos participantes pensar sobre o que já sabiam, e, principalmente, sobre o que aprendiam.

Além dos fóruns e chats, cada cursista teve a oportunidade de elaborar, ao longo do curso, seu portfólio de aprendizagem. Assim como os diários dos navegadores e viajantes, ele foi utilizado para o registro de inúmeras descobertas, aos poucos incorporadas à prática.

28/agosto – Engatinhando

Para iniciar meus registros, seria importante descrever como atualmente realizo a documentação e avaliação do trabalho com minhas crianças. Na minha escola, fazemos um planejamento anual dividido em trimestres, e a cada trimestre realizamos uma avaliação formal, sob a forma de “Descrição de Saberes”, tanto das crianças como das possibilidades de modificações no planejamento inicial, propondo novas intervenções. Na prática, observamos se o que havia sido proposto foi cumprido e como foram as interações das crianças com as propostas, de forma geral.

Ao final do ano, entregamos a pastinha de atividades, com poucas descrições dos trabalhos realizados, nenhum registro escrito de como a criança interagiu com cada atividade ou sobre seu progresso ao longo do percurso. As fotos tiradas ao longo do ano também são entregues, mas sem uma reflexão sobre como elas podem ajudar a entender o percurso da criança durante o ano.

Lembro de uma única vez em que me preocupei em realizar uma leitura mais analítica dos desenhos entregues ao final do ano, que pode ser descrita como uma tentativa de portfólio: mensalmente pedia para as crianças desenharem um autorretrato e realizar a escrita do nome, e, no final do ano, reuni estes desenhos e escrevi um texto falando sobre o progresso da criança nesses dois aspectos (desenho e escrita).

04/setembro – Conhecimento Prévio: Avaliação Formativa

Acredito que a Avaliação Formativa é aquela que ocorre durante todo o processo de ensino-aprendizagem, observando e analisando os progressos de cada aluno, e servindo de base para modificar, se preciso, o planejamento sobre a forma de ensinar ou intervir.

10/outubro – Avaliando Aprendizagens

Em minha primeira escrita sobre o que seria uma avaliação formativa, me atentei somente ao seu objetivo, de auxiliar o professor a perceber os progressos ou dificuldades dos alunos para pensar em formas de intervir a fim de auxiliar no avanço da aprendizagem. Já percebia, então, uma das principais premissas das práticas avaliativas: a avaliação para uma tomada de decisão. No decorrer do curso, fui percebendo outras questões fundamentais deste tipo de avaliação. Em primeiro lugar, que o protagonista não é somente o professor; é fundamental que o aluno participe ativamente desse processo.

Assim, a avaliação formativa transforma a prática de avaliação em prática de aprendizagem. Entretanto, não se trata de excluir a avaliação final – somativa –, até porque ela é exigida em nosso sistema de ensino. A avaliação formativa faz parte de um contexto em que se tem a avaliação diagnóstica (no início), a formativa (durante) e a somativa (ao final do processo). Outro ponto que percebi no decorrer do curso foi a importância dessa avaliação ser compartilhada entre docentes e familiares; ela tem uma dimensão comunicativa, sendo, portanto, um processo que permite não apenas a reflexão individual, mas é base para a discussão coletiva. Sendo assim, ela também é um instrumento de formação docente, que deve ser tema de reflexão com as equipes – reflexão compartilhada com os pares.

19/outubro – Hora de Praticar

Hoje tentei realizar uma autoavaliação com minhas crianças de quatro anos na escola. Desde o início do ano, estava trabalhando a escrita dos numerais e estava guardando determinadas atividades para a produção de um livrinho a ser entregue no final do ano. Essas atividades já estavam todas prontas, só faltava encadernar e entregar. Então aproveitei para utilizá-las agora como instrumento de autoavaliação. Encadernei (como havia planejado), mas coloquei na última página uma folha para que eles escrevessem os numerais como estão escrevendo atualmente. A maioria já modificou bastante a escrita, já que eles haviam feito essas atividades no primeiro trimestre (e eu guardando isso pra entregar no
final do ano!!!)

Com pequenos grupos (3 ou 4 crianças), fui entregando os livrinhos e pedindo para que eles observassem e me dissessem o que achavam daquilo que tinham feito. Hoje consegui realizar essa avaliação com cerca de 10 crianças. Como primeira vez, achei que foi interessante. Algumas crianças não responderam nada; outras falaram que tinham feito tudo direitinho, apesar de ter apenas garatujas e rabiscos nas atividades. Outras começaram falando que sua escrita anterior estava correta, mas quando começaram a escrever os numerais na última folha, perceberam que já estão escrevendo diferente. Algumas dessas crianças voltavam para as páginas do livrinho e comentavam: “Olha, esse eu não fazia direito, agora eu faço direitinho”. Uma das crianças teve uma reação inesperada: ao receber seu livrinho, começou a ficar muito brava e dizer que aquele não era o dela; chorou e rasgou as folhas. Ela se decepcionou com sua própria atividade, e nada que eu ou as outras crianças diziam a tranquilizava. Achei legal duas crianças mostrarem suas atividades e falarem: “Olha, a gente era pequeno antes, não precisa ficar triste, eu também fazia tudo riscado, mas agora a gente já faz melhor, é só fazer aqui desse lado” – mostrando a folha que eu tinha preparado para a reescrita deles. Isso mostra que elas entenderam que existiu um processo de aprendizagem ao longo do tempo. Foram poucas as crianças que entenderam e conseguiram observar (ou verbalizar) esse processo, mas acho que, para a primeira vez, foi bem legal, mesmo com esse incidente. Acredito que sendo feito mais constantemente, elas passam a entender e responder melhor a esse tipo de autoavaliação. (Márcia Ramos Bezerra)

É fato que o que motiva qualquer educador é perceber o envolvimento e a empolgação de seus alunos em querer descobrir mais e mais. Entretanto, acompanhar o percurso de aprendizagem e a tomada de consciência para a mudança de alguns paradigmas e transformação das ações nos possibilita vivenciar uma prática formativa de fato, com a participação de docentes e discentes, tornando o processo ainda mais gratificante.

Chegamos ao final do curso que representou um importante marco de formação para mim, além de disparador de reflexões necessárias para o meu trabalho.

Mais do que novas ideias, neste percurso compreendi melhor sobre a concepção de trabalho com Portfólios, enquanto filosofia e estratégia e suas possibilidades de elaboração, potencialidades para uma ação formativa, capacidade avaliativa e de revelar histórias. Além disso, o próprio conceito de Avaliação Formativa ficou mais claro pra mim, evidenciando também nela a participação da criança na realização de seus registros para que avalie posteriormente suas aprendizagens, além da participação das famílias neste processo.

Muitos saberes que aqui compartilhamos possibilitaram novas aprendizagens para mim, outras formas de pensar o trabalho com minha equipe, com nossas crianças e famílias. Encontros que me fortaleceram em algumas ações e me encorajaram para outras tentativas que farei daqui pra frente. Com isso, novos desafios vão se apresentar para serem transpostos, e acredito que tanto as respostas que levo desta formação quanto as perguntas que aqui nasceram e me inquietaram é que me impulsionarão adiante para outras importantes descobertas.

Adorei fazer parte desse grupo e acredito que, por meio das provocações e mediações da professora Denise e pelo material de apoio, houve aqui um valoroso espaço de reflexão e trocas, e juntas construímos muitos saberes que espero compartilhar com outros também.

Obrigada Profa Me. Denise Tonello! Beijo grande em seu coração! (Gisleine Cristina Felix R. Sant’ana)

Para atingir os objetivos propostos, um curso a distância necessita de princípios de comportamento que favoreçam a aprendizagem. Posso avaliar que o olhar para a construção coletiva, a existência de interesse mútuo e constante e a mediação contínua e cuidadosa permitiram que esta agregação eletrônica de pessoas se transformasse em uma verdadeira e consistente.

Comunidade Virtual de Aprendizagem

A redefinição de uma comunidade virtual orientada especificamente para “aprendizagem” é difícil. Na verdade, as múltiplas e incessantes trocas que ocorrem em qualquer tipo de comunidade virtual refletem-se em inúmeras e diferenciadas aprendizagens para seus membros […] Três possibilidades, no entanto, são importantes nas comunidades que possuem fins educativos: a interação, a cooperação e a colaboração on-line.²

Minha aproximação e afeto com as alunas neste processo educativo foi se intensificando a cada e-mail, fórum, bate-papo, wiki, ou registro nos portfólios de aprendizagem. Nos tempos em que a tecnologia também pode trazer preocupações quanto ao “distanciamento das relações”, posso afirmar que uma experiência como esta potencializa o poder de educação por meio da comunicação.

E se você ainda não vivenciou algo assim, vale a pena se arriscar e experimentar!


2 Tecnologias e ensino presencial e a distância, de Vani Moreira Kenski. Campinas/SP: Papirus, 2003. p109.
Posted in Revista Avisa lá #67.