Lívia Netto¹
Partindo da observação atenta do professor é possível desenvolver projetos que possibilitam a ressignificação de materiais utilizados no cotidiano, alimentar as pesquisas das crianças, organizar e enriquecer sua experiência.
Quem diria que um brinquedo tão antigo e conhecido daria tanto “pano para manga”? Foi justamente o que aconteceu com o Grupo 2D (crianças de um e dois anos), em um Colégio da Capital.
Tudo começou no período de acolhimento. Algumas crianças do grupo já frequentavam a escola e se conheciam; porém, com o início do semestre, as professoras mudaram de grupo e outras crianças estavam chegando à escola pela primeira vez. Esse é um período importante para pais, crianças e professoras. Nesse momento, recebíamos as crianças no parque, organizado em cantinhos: espaços delimitados com brinquedos de construção ou faz de conta e atividades plásticas como massinha ou desenho. Logo nesse período, já percebemos que, quando havia bolas disponíveis para brincar, as crianças se envolviam rapidamente, o que facilitava a despedida dos pais.
1Professora da Educação Infantil do Colégio Oswald de Andrade, São Paulo (SP).
Passamos então a investir em cantinhos com bolas no momento de entrada: bolinhas pequenas organizadas em bacias em volta de um tonel, bolas médias para jogar, chuvas de bolinhas e caixas com furos para encaixe das bolas. Oferecemos também outros tipos de bolas: bolinhas de pingue-pongue, bolas com guizo dentro, bola grande (pilates), bolas médias e bolas de tênis. A investigação das crianças quanto aos movimentos possíveis de serem feitos com as bolas continuou e aconteceram alguns experimentos e rodas de conversa muito interessantes.
Experimento:
− Essa pula! (J., com a bolinha de tênis).
− Essa não pula Liva! (J., com a bolinha de sino).
− Pula! Pula! (E., jogando a bolinha de sino).
− É, ela pula. (J.).
− Essa pula! Ó! (E., com a bolinha de pingue-pongue).
Roda de conversa:
– A gente gosta de brincar com bexiga! (Jorge)
− O que podemos fazer com as bolas? (Lívia)
− A gente pode chutar! (Jorge)
− Pula! (Miguel)
− Eu joguei bola com o papai. (Manuela)
− Eu jogo com a mamãe! E com o papai! (Maria Luiza)
Essas brincadeiras, conversas e experiências proporcionaram momentos prazerosos e de troca entre as crianças do grupo; por isso, decidimos investir nessa brincadeira e fazer dela um projeto: “Bolas: O que podemos fazer com as bolas?”
Essa temática permite diversos percursos que podem ser delineados e planejados. Considerando a faixa etária das crianças e os interesses demonstrados por elas, um Mapa foi elaborado, contemplando o que pretendíamos investigar e trabalhar ao longo do semestre a partir do projeto².
2 O mapa é utilizado aqui como um recurso/instrumento de planejamento, que permite visualizar as possibilidades de investigação/ação, guiadas por uma questão central, relacionadas de modo não linear ou sequencial. Ele permite estabelecer diferentes relações entre os conceitos, as questões ou experiências relacionadas à questão central, que auxiliarão o professor no estabelecimento progressivo de um percurso de investigação com seu grupo. O mapa também permite ao professor compartilhar suas ideias com o coordenador e outros professores.
Enviamos também um bilhete para os pais, contando sobre o projeto e envolvendo-os nessa pesquisa, convidando-os a dividirem com o grupo brincadeiras com bolas que conheciam, brinquedos, músicas, livros, entre outros materiais.
A partir daí as crianças começaram a trazer algumas bolas de casa e outros materiais, que enriqueceram as rodas de conversa e ampliaram os conteúdos a serem trabalhados. Por exemplo, quando M. trouxe uma bola de basquete e uma de tênis, conversamos sobre as características do material trazido e para que servia. Vale destacar que as conversas não se encerram em um dia, isto porque os questionamentos levantados são retomados com frequência, estimulando as crianças a procurarem respostas.
– Essa é de basquete. Ela pula! Essa é de tênis! (M.)
As brincadeiras como “derruba lata”, “boca do palhaço”, “boliche” e jogos com garrafa pet (encaixe e bilboquê) também contribuíram para as crianças entrarem em contato com esses conteúdos por meio de nossas intervenções e apoio.
Com o objetivo de dar visibilidade às aprendizagens das crianças, confeccionamos um painel em que havia imagens de brincadeiras com bolas e, ao levantar a aba com tais imagens, havia um tipo de bola. Esse painel foi bastante aproveitado pelas crianças, que o manuseavam a toda hora, fazendo comentários e conversando entre si.
− Tão jogando com a bola! (Elisa)
− Com o pé. Eles vão fazer o gol! (João)
As características dos diferentes tipos de bolas e algumas comparações entre elas igualmente foram tema de pesquisa. Por meio de conversas alimentadas com imagens, objetos, vídeos, músicas, experimentos e, é claro, muitas brincadeiras com as bolas, as crianças puderam perceber algumas diferenças entre os materiais:
− É bola de sabão! (Elisa)
− Como faz bola de sabão? (Lívia)
− Assopra! (Miguel)
− E o que acontece? (Lívia)
− Ela voa! (Miguel)
Pelo fato de o projeto ter envolvido muitas experimentações, cantinhos temáticos e brincadeiras, convidamos a artista e educadora Lisa Gianetti para realizar uma vivência com as crianças, cujo objetivo era propiciar brincadeiras e movimentos possíveis de serem realizados com as bolas, complementando o trabalho que estávamos desenvolvendo a partir de materiais diferenciados e intervenções no espaço. Nesse dia, ao entrarem na sala, as crianças ficaram surpresas ao verem um tecido grande transparente, cheio de bolinhas dentro, no qual podiam mexer com as mãos, jogar para cima, pisar, escorregar, rolar; enfim, as possibilidades de movimentos eram muitas e eles se divertiram principalmente quando pisavam nas bolinhas e escorregavam. Investigaram também como pegar as bolinhas de dentro do tecido, pois elas escorregavam pelas mãos; logo tentaram com as mãos, com os pés e até com a boca! As brincadeiras com as bexigas também foram interessantes. Lisa sugeriu que eles assoprassem; passassem as bexigas no rosto, no corpo; balançassem; enfim, uma infinidade de possibilidades.
As bolinhas também foram levadas ao ateliê, local em que, inspirados nas obras da artista japonesa Yayoi Kusama, as crianças utilizaram-nas como instrumentos para exploração de tinta e gostaram de perceber a sensação da bola com tinta, apertá-la com as mãos, passar no papel, rolar, bater no papel, entre outras possibilidades.
Trabalhamos também brincadeiras com regras, como batata quente e futebol, que, apesar de ser uma modalidade esportiva, trabalhamos como uma brincadeira com regras simplificadas, em que o objetivo era chutar a bola e fazer gol. Geralmente, era eu que me colocava como goleira. Por meio dessa brincadeira, foi possível conversarmos sobre algumas regras desse esporte com bola, assim como sobre basquete e tênis, sempre com vídeos.
Para o encerramento do projeto e do semestre, convidamos os pais para participarem de um “Cantinho de bolas”, com brinquedos e materiais utilizados em nossas experiências e brincadeiras para que as crianças os explorassem com os pais. Foi um momento muito agradável e prazeroso. As crianças ficaram muito animadas em mostrar para os pais suas brincadeiras, além de brincar com eles. Os pais adoraram estar “dentro” da escola e poder participar mais de perto da rotina escolar dos filhos.
Um assunto não se encerra com um ponto-final. Assim como um projeto não acaba ao final do semestre. Há uma imensidão de questões, investigações, explorações e brincadeiras que ainda podem ser desenvolvidas. O que precisamos é fortalecer a busca por respostas, o caráter de investigador e pesquisador tão característico da infância. A partir daí e de um olhar atento e respeitoso do professor tudo é possível.
Projetos para pequenos
Na concepção de projeto adotada pela escola, o tema não surge como escolha direta das crianças, mas como resultado da exploração guiada que é observada e analisada pelo professor. É o professor quem traduzirá essas explorações em um tema que tenha potencial para despertar o interesse do grupo e permitir experiências ricas de aprendizagem.
Em se tratando de crianças dessa faixa etária, não há um produto determinado de antemão na criação do projeto, já que as crianças “desta idade tendem a estar imersas no momento imediato e no processo, em vez de no produto de sua atividade” (As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia, p. 255) Processo e produto mesclam-se na experiência das crianças e compõem um percurso contínuo de aprofundamento na relação das crianças com os temas e objetos presentes nas explorações. O papel do professor, ao documentar e guiar essas experiências, é costurar seus sentidos, dando visibilidade e favorecendo a expressão daquilo que as crianças estão vivenciando.
A origem do uso da bola na Educação Infantil
Friedrich Fröbel (1782-1852), educador alemão com raízes na escola de Pestalozzi, foi o fundador do primeiro jardim de infância (Kindergarten) em 1837. Entre outras coisas, ele idealizou recursos sistematizados para as crianças se expressarem, dando o nome de “dons”: a bola, o cubo e o cilindro.
Segundo Kishimoto³, ele considerava a bola o símbolo da unidade, que carrega a variedade, tendo um efeito educativo na inteligência da criança:
“Agora, desde que a força desenvolve-se e difunde-se por si só em todas as direções igualmente, livremente, e de modo desimpedido, sua manifestação externa resulta na esfera. Por tal razão são esféricas ou, em geral, de formas redondas a maioria das coisas na natureza, por exemplo, os corpos celestes, sol, planetas, luas, água em todos os líquidos, o ar e todos os gases e mesmo a poeira.
Em toda sua diversidade e em meio de aparentemente incompatíveis diferenças de estruturas, a esfera parece ser a primitiva forma, a unidade da qual tudo na terra e na forma natural e estrutural é derivada. Assim, a esfera se parece com todas as formas e contém essencialmente a lei que contém todas elas. É a forma perfeita.”