MARIANA AMERICANO¹
MODIFICAR A PROPOSTA DE ATELIÊS VISANDO À POSSIBILIDADE DE ESCOLHA E EXPERIMENTAÇÃO DE MATERIAIS E ESPAÇOS DIFERENTES LEVA OS PROFESSORES A REFLETIREM SOBRE AUTONOMIA E COMPETÊNCIA DA CRIANÇA PEQUENA
Por que fazemos uma proposta de artes? Esta proposta é para o professor? – Não, ela é para as crianças e tem que ser significativa para elas.
Foi assim que começamos a formação em artes para crianças pequenas, no CEI Jardim Shangri-lá, em São Paulo, partindo do olhar sobre essa criança. Quem são elas? Do que gostam? Do que são capazes? E, acima de tudo, acreditando que elas são capazes.
Minhas primeiras visitas ao CEI foram para construir um diagnóstico e, assim, a primeira observação da prática que fiz como formadora foi a proposta de uma das professoras² de um ateliê de pintura. Todas as crianças sentavam-se à volta de uma grande mesa, e a professora entregava a cada uma delas um papel com as mesmas dimensões e, depois, potinhos de tinta, pincéis e paninhos.
1 Formadora do Instituto Avisa Lá.
2 O CEI Jardim Shangri-lá tem três grupos de Minigrupo I e três grupos de Minigrupo II. As crianças que participaram da
formação, realizando atividades com a formadora de apoio, são de dois grupos de Minigrupo II.
Quinze dias depois foi a minha vez de apresentar uma proposta. Assim, também fiz um ateliê de pintura, introduzindo o conceito de ateliê em cantos. Em um dos cantos, a proposta era pintar no chão objetos tridimensionais (caixas e rolinhos de papelão); em outro, acontecia a pintura em grandes suportes de papel colocados na parede da sala; em um terceiro canto, sentadas à mesa, as crianças pintavam diferentes tipos de papéis, e, ao alcance de todas elas, sobre uma mesa de apoio, diversos tipos de papéis, pincéis, tintas, paninhos e tudo o que precisassem.
Começamos a dispor o ateliê em cantos para que as crianças tivessem a opção de escolha. Depois dessa primeira experiência, o que mais chamou a atenção foi o quanto é importante dar autonomia para as crianças e como antes os materiais não estavam organizados de forma que propiciassem isso. Esse então foi o nosso primeiro investimento: cada professor começou a pensar a respeito de seus alunos e o que precisaria ser modificado na sala de aula, na organização do espaço e na disposição dos materiais. Dessa forma, ficaram motivados a experimentar a proposta:
Na nossa conversa pós-ateliê com a formadora de apoio, coordenadora e educadores em formação, senti que foi comum o desejo de repetir esse modelo de diferentes formas. Até porque já fazemos isso com situações do brincar, portanto essa será mais uma possibilidade de proposição, em que a capacidade criativa e imaginária da criança será potencializada. (Laudiceia, professora do Minigrupo IIA)³.
4 Sala onde ficam armazenados sucatas e elementos naturais coletados para complementar os materiais dos ateliês.
Pequenas e grandes mudanças
Em todas as salas do CEI eles já possuíam um “carrinho de artes” que estava sendo utilizado como local de estoque de materiais, e não para as crianças. E, assim, como a professora Esilaine relatou em seu registro, um dia ela trouxe o carrinho para o meio da roda:
Fizemos uma roda com o objetivo de organizar o carrinho de artes para saber onde encontrar as coisas que iríamos precisar para o ateliê. A Letycia, ajudante do dia, o colocou no centro da roda. Colocamos tudo no chão para observar o que tinha ali e aos poucos irmos reorganizando tudo, perguntando ao grupo o que usavam para cada atividade de colagem, de desenho, de pintura, ou seja, para que servia cada uma daquelas coisas. (Esilaine, professora do Minigrupo IIB)
Além de organizar os materiais, essa foi uma atividade importante para as crianças se apropriarem deles e entenderem que, a partir desse momento, iriam cuidar do carrinho e dele se servir sempre que necessário.
O próximo passo foi começar a pensar sobre o uso de outros tipos de materiais, para além dos bidimensionais, já conhecidos pelas crianças. E nada melhor para encontrar materiais interessantes do que uma ida ao sucatário4.
Chegando lá, eufóricos com tudo o que viam, alguns já iam pegando sem esperar eu falar que podiam pegar, tocar, sentir e ver cada um dos materiais. Fiquei observando. O Nikolas P. pegou duas latas e batia uma na outra, dizendo: Olha o que isso daqui faz! A Ana Clara e a Emilly acharam interessante e também pegaram garrafas e latas e faziam a mesma coisa, comparando os sons e sorrindo.
4 Sala onde ficam armazenados sucatas e elementos naturais coletados para complementar os materiais dos ateliês.
O Wagner estava mais tímido, só observando tudo. Abri o armário e falei: Olha, gente, aqui tem mais coisas! Então eles se aproximaram. Olhavam e pegavam tudo, mostrando uns aos outros os objetos que encontravam! (Laudicéia, professora do Minigrupo IIA)
Depois de pensar sobre os materiais, nosso olhar privilegiou o corpo de crianças de dois a três anos com necessidade motora, que precisam movimentar o corpo. Começamos a nos questionar como uma atividade de artes pode também trabalhar o corpo, favorecer essa movimentação sem necessariamente ser uma atividade de dança. E, assim, na hora de planejar os cantos do ateliê, começamos a pensar também nos diferentes planos que podem ser trabalhados, ampliando as possibilidades de movimentação do corpo. Uma proposta no chão para as crianças trabalharem sentadas ou deitadas, um canto na parede para trabalhar em pé, uma opção sentada ou apoiada nas mesas, permitindo a livre circulação das crianças pelos diversos cantos.
As crianças passaram a explorar os diferentes planos, em diferentes construções e vivências, podendo escolher o que desejavam fazer.
Ressaltando ainda que elas passaram a ajudar ativamente, dando sugestões a partir de suas aprendizagens adquiridas, na organização dos ateliês. Tudo foi válido, pois as crianças hoje são realmente mais autônomas, expressando mais seus desejos, se querem fazer isso ou aquilo, o que querem usar e como usar. (José, professor do Minigrupo IIC)
Olhar sensível para espaço e materiais
Chegou a hora de discutir a utilização dos espaços. Ampliamos as propostas, utilizando lugares diferentes do CEI e a área externa: ateliê no gramado, no parque, na horta, aproveitando-se da riqueza dos materiais naturais ali encontrados.
Conversamos muito sobre a questão da estética e apresentação dos materiais. O cuidado ao escolhê-los e dispô-los, a seleção de cores, a preocupação com o acabamento, sua disposição, sem deixar de lado o entorno. É sempre bom lembrar que podemos e devemos formar as crianças com boas referências estéticas.
Esses exemplos vivenciados até aqui são pequenos estímulos que nos impulsionam a criar cada vez mais, diante da imensa variedade existente, amadurecendo novas possibilidades com o trabalho com os ateliês e as crianças pequenas. (Laudicéia, professora do Minigrupo IIA)
O encerramento dessa formação se deu com a realização de um grande ateliê em que as crianças responsabilizaram-se pelos cantos criados. O grupo de crianças que recebeu a formação e, ao longo dos meses, vivenciou esse novo formato de proposta, dividiu-se em pequenos grupos, com a responsabilidade de organizar um canto de ateliê para cada um dos demais minigrupos. Assim, puderam vivenciar um processo de apropriação dessa organização. Visitaram as salas para conversar com as crianças, perguntar sobre as preferências de cada uma delas, apresentar os materiais disponíveis no sucatário. Com isso, no dia combinado, cada pequeno grupo deu conta do seu canto. Havia cantos espalhados por vários espaços: gramado, horta, varanda, sala de aula. Olhares das crianças e dos professores misturaram-se; olhares curiosos, ansiosos, admirados e maravilhados com tanta beleza, riqueza e aprendizado.
Esse foi apenas o começo, pois, para além da formação, os professores continuam a trabalhar e a refletir sobre sua prática:
Depois destes momentos de estudo e prática com as crianças, consigo perceber mudanças significativas em minhas ações. Mudanças estas que vão desde a organização dos espaços para as atividades, passando pelo oferecimento de artes em diferentes planos, bidimensional, tridimensional, volumes variados, que até então não tinha me dado conta desta
possibilidade, como também envolver as próprias crianças na preparação e montagem dos ateliês. (José, professor do Minigrupo IIC)