Deixe que digam, que pensem, que façam – Os conhecimentos prévios na formação de professores

Prof.a Lindalva

Falar sobre a formação de professores, no momento atual, significa pensar sobre os desafios que ela coloca em relação às suas finalidades (Atualizar os professores em relação a novos saberes disciplinares? Transformar as práticas e a perspectiva didática que lhes dá sustentação?), aos seus conteúdos (As disciplinas? Os métodos? O conhecimento didático?), e aos seus dispositivos (Aprender com especialistas das áreas? Com bons modelos? Com a análise de situações profissionais?).

A formação permanente dos professores é algo bastante recente e por algum tempo foi centralizada nos professores especialistas (lingüistas, psicólogos, matemáticos etc.) com o intuito de promover a atualização quanto aos saberes disciplinares.

Hoje, com a consolidação de um outro paradigma de formação de professores, surge uma nova figura nesse cenário: o formador de professores. Quem é esse profissional? Temos chamado de formador um profissional que tem, na prática pedagógica, a matéria-prima de seu trabalho, cujo objetivo é desenvolver a autonomia dos professores mediante a construção conjunta dos meios da reflexão na e sobre sua ação para que se apropriem dos fundamentos do que fazem.

Essa mudança traz, para o formador, uma série de desafios: além de construir o conhecimento didático necessário à análise dos problemas que os professores enfrentam nas situações de sala de aula, ele também precisa valorizar os saberes advindos da experiência, desenvolver uma forte articulação entre teoria e prática, formular boas situações formativas e refletir continuamente sobre as suas ações.

Esse formador perdeu, portanto, o porto seguro das certezas do especialista e a ilusão pedagógica da transmissão de saberes, estando, com isso, submetido à necessidade de aprender sobre a relação entre o ensino e a aprendizagem na formação de professores, tomando a sua própria prática como objeto de análise e reflexão.

A intenção deste artigo é analisar a primeira atividade realizada no contexto de um programa de formação, a qual substituiu a tradicional etapa inicial de diagnóstico (realizado apenas pelo formador com o propósito de identificar problemas e buscar soluções) por uma situação-problema que consistiu na realização de uma situação didática seguida da reflexão sobre ela.

Tal entrada tinha como objetivo favorecer uma participação ativa dos professores desde o início do processo, ampliar as possibilidades de assimilação de novos conhecimentos didáticos e, ao mesmo tempo, desvelar ao formador os conhecimentos prévios dos professores e suas práticas habituais.

Prof.a Sônia

O programa de formação de professores1 de 1ª à 4ª séries de escolas públicas de Serra Pelada2 consiste em uma série de ações formativas para colaborar com a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem da leitura e escrita.

Trata-se de uma proposta de formação profissional articulada ao contexto real de trabalho via a realização de projetos didáticos pelos professores com seus alunos. Para desenvolvê-los, os professores contam com a supervisão de uma formadora que faz visitas mensais ao município e também utiliza estratégias de acompanhamento a distância.

O programa foi iniciado em março de 2002 e terá a duração de quatro anos. A análise que faremos neste artigo circunscreve-se, portanto, às primeiras ações desenvolvidas com os professores das escolas envolvidas.

Conhecendo Serra Pelada: suas escolas, professores e alunos
Na primeira viagem, enquanto subíamos a serra, fomos surpreendidas pela beleza da paisagem e pela singularidade das histórias, quase sempre ligadas à atividade do garimpo de ouro (pela qual a região tornou-se conhecida na década de 80), contadas pelas educadoras que nos recebiam.

Tratamos de conhecer o povoado e visitamos as escolas participantes do Programa: fizemos contatos com os diretores e apresentamos a proposta de trabalho. Percorrendo as escolas e as salas de aula, notamos que não havia livros nas classes, a não ser os didáticos que pareciam bastante utilizados na região.

Nenhuma das escolas possuía um espaço de leitura já instalado ou mesmo um outro disponível para que isso viesse a acontecer, o que nos pareceu ser decorrente da ausência ou da escassez de livros observada nas escolas.

Embora o trabalho estivesse sendo inaugurado com esse encontro, já tomamos uma iniciativa que pretendia começar a operar alguma transformação (por mínima que pudesse ser, naquele momento) e, ao mesmo tempo, demonstrar que iríamos oferecer suporte material e pedagógico para que as mudanças pretendidas pudessem, de fato, vir a ocorrer.

Serra Pelada no Futuro – Prof.a Gerlane

Deixamos com cada um dos diretores alguns livros de literatura infantil doados pelo MEC com o pedido de que chegassem às mãos dos professores, os quais, por sua vez, deveriam lêlos para os alunos.

Combinamos que, em nosso encontro seguinte, receberíamos notícias do que havia sido feito a partir de um pedido aparentemente tão simples, de algo que poderia ser corriqueiro em outro contexto.

Criamos, assim, uma atividade inicial com o objetivo de desencadear o trabalho com um dos primeiros conteúdos que elegemos para a formação – a leitura de histórias pelo professor – e de fazer o levantamento dos conhecimentos prévios dos professores em relação a essa situação didática.

Coletando os depoimentos: professores, alunos e livros
Na segunda viagem fomos preparadas para colher os depoimentos dos professores e diretores, com gravador em punho e muita curiosidade para saber o que havia acontecido. Supúnhamos que essa atividade inicial traria um elemento novo na rotina de crianças e professores e nos permitiria o acesso às concepções desses últimos sobre leitura, mesmo que não tivessem a prática de ler histórias para seus alunos, em função da inexistência de livros de literatura infantil.

Dissemos aos diretores que gostaríamos muito de saber que efeitos os livros causaram no grupo de professores e de alunos das escolas. Alguns dos depoimentos obtidos nesse momento nos indicaram que um movimento de apreciação da literatura começava a acontecer tanto entre os professores quanto entre as crianças.

Ouvimos, entre outras coisas, que algumas professoras se encantaram com as histórias lidas em classe e levaram os livros para casa com o intuito de ler também para seus filhos pequenos. Soubemos que alguns alunos mais velhos, de 5a em diante, pediram para ler os livros recém-chegados no horário de intervalo das aulas.

Nas classes de 1a à 4a séries em que a leitura foi feita, as crianças apreciaram os livros, pediram para ouvir novamente a história e passaram a “exigir” que outras fossem lidas nos dias que se seguiram à primeira leitura. Em muitos casos, realmente se caracterizou uma completa novidade, como supúnhamos que fosse acontecer.

Na conversa que tivemos com diretores, desejávamos ter notícias do que tinha acontecido com a entrada dos livros nas escolas; já na conversa com os professores queríamos saber de que maneira haviam encaminhado a atividade de leitura de histórias com as crianças.

Compartilhando saberes durante o processo formativo

Os professores deram depoimentos de forma detalhada, incentivados por nosso interesse e nossas perguntas. Por limitações de espaço, não será possível incluir aqui todos eles, mas os quatro fragmentos a seguir (veja abaixo, no final da matéria) podem exemplificar o quanto nos informam sobre as concepções dos professores acerca da leitura.

Os conhecimentos prévios dos professores
Analisamos a transcrição dos depoimentos dos professores sobre a atividade feita com os livros que haviam sido doados às escolas. Notamos que as falas eram muito ricas e transparentes e revelavam que, mesmo que não tivessem condições favoráveis à realização da leitura de histórias de modo freqüente, sistemático e intencional, ficaram mobilizadas para pensar sobre essa atividade e tinham muitas idéias a respeito.

No seu conjunto, os depoimentos revelam o que alguns dos professores já sabiam (implícita ou explicitamente) que:

  • a leitura de histórias interessa aos alunos, desperta sua curiosidade e é apreciada por eles; os alunos imaginam as situações narradas e exercem sua criatividade a partir delas;
  • é possível ter interpretações diferentes para um mesmo texto e opiniões diferentes sobre a temática abordada;
  • é possível conversar com os alunos antes da leitura para que antecipem o que poderão encontrar a partir do título, da capa, da apresentação feita pela professora;
  • é possível conversar com os alunos depois da leitura das histórias para saber o que pensaram, o que sentiram, que relações estabeleceram e as diferentes opiniões presentes no grupo;
  • é possível escolher o momento da rotina mais adequado para realizar a leitura;
  • alunos são capazes de recriar histórias lidas, acrescentando elementos novos e diferentes da versão original;
  • os alunos conhecem histórias e podem narrá-las;
  • as histórias podem emocionar, comover e agradar seus leitores e ouvintes, inclusive, o próprio professor;
  • a leitura de histórias cria vínculo, elos de amizade entre professor e alunos e entre os colegas;
  • a organização dos alunos na forma de uma roda facilita a participação na atividade de leitura de histórias;
  • o leitor deve “viver” a história;
  • ler narrativas contidas nos livros didáticos não suscita o mesmo interesse do que ler os livros de literatura infantil que receberam;
  • a leitura de textos diferentes feita por diferentes subgrupos de uma mesma classe confere sentido à situação de reconto.

Por outro lado, os depoimentos também revelam aspectos importantes que precisam ser tomados como conteúdos de formação, já que sabemos que as idéias do professor sobre o que faz com seus alunos são determinantes da natureza e da qualidade do trabalho que desenvolve e que queremos construir uma outra perspectiva didática do trabalho com leitura na escola.

Tais aspectos estão bastante arraigados nas práticas escolares tradicionais e, em função disso, os professores ainda não consideram que:

  • a leitura de histórias contribui para a aprendizagem da leitura e da escrita;
  • a leitura de livros de literatura infantil tem um fim em si mesma (não precisa de pretextos, não necessita de propostas atreladas a ela para que ganhe sentido – desenhos, questionários etc.);
  • a leitura em voz alta deve ser preparada previamente (quer se trate de leitura pelo professor, quer se trate de leitura pelo aluno);
  • a observação atenta das imagens é importante e pode ser favorecida pela organização da atividade durante a leitura do professor e também pela organização de cantinhos de leitura na classe, de modo que os alunos possam ter acesso aos livros, manipulálos, ler junto com um colega etc.;
  • contar histórias é diferente de ler o que está escrito no livro (em termos da performance e também das aprendizagens que uma e outra situação propiciam);
  • quando os alunos pedem que uma história seja lida novamente, em geral, eles a compreenderam e apreciaram;
  • a leitura não deve ser vista exclusivamente como uma situação de descanso, de preenchimento de aula vaga;
  • os livros de literatura infantil de qualidade não devem ser chamados de livros de “historinha”;
  • as tradicionais atividades de interpretação de texto e os questionários para verificação da aprendizagem são inadequados e substituíveis pela conversa que se pode ter com eles ou por outras propostas;
  • a freqüência com que a leitura é feita na sala de aula é um aspecto importante na formação do leitor;
  • uma biblioteca circulante pode ser uma boa estratégia para desenvolver um vínculo prazeroso com a literatura;
  • as interrupções feitas durante a leitura podem prejudicar o acompanhamento que o ouvinte é capaz de fazer do desenrolar da trama e, com isso, comprometer sua interpretação (ao contrário do que se poderia imaginar uma vez que muitas “paradinhas” são feitas para verificar o que está sendo entendido…);
  • os alunos podem ter oportunidades de autocontrolar o que compreendem nas situações de leitura.

Prof.o Nilton Cesar

O planejamento do encontro de formação
O levantamento desses conhecimentos prévios dos professores, realizado a partir de uma atividade inicial que lhes foi proposta – ler histórias para seus alunos – permitiu-nos conhecer suas concepções sobre leitura na escola, mesmo que não tivessem o hábito de realizá-la por falta de materiais adequados para tanto: bons livros de literatura infantil.

No entanto, não paramos por aí, uma vez que o objetivo do levantamento de conhecimentos prévios não é apenas torná-los acessíveis àquele que o realiza (formador ou professor), mas incluir o sujeito de forma ativa em seu processo de aprendizagem.

Em função disso, a partir da análise dos depoimentos, optamos por discuti-los com os professores através da criação de questões problematizadoras. Consideramos que seria interessante e muito significativo colocá-los para refletir a respeito delas, sobretudo, porque algumas eram polêmicas, antagônicas.

Preparamos um pequeno texto que continha seis pares de afirmações contraditórias, sendo algumas de autoria dos professores de Serra Pelada; outras, criadas por nós e, ainda, algumas em que mesclávamos essas duas coisas, com o intuito de enfatizar determinadas idéias. Os professores receberam o seguinte material:

1.  Ler para quê ?
A) “Quando leio histórias para as crianças, eu peço que façam alguma coisa depois. Pode ser um desenho, uma peça de teatro ou responder um questionário com perguntas sobre o texto. Sem isso, acho que a leitura não é uma atividade, fico sem saber se compreenderam.”

B) “Acho importante que sintam prazer ao ouvir uma história e não quero que pensem que precisam prestar atenção porque eu vou cobrar que façam uma atividade com o que ouviram. Na vida, muitas vezes, lemos para conhecer outros mundos, para viver outras aventuras.

Também acho que a leitura, às vezes, faz a gente se emocionar e cria um elo de amizade entre eu e eles e entre os colegas.”

2. Antes da leitura…
C) “Antes de começar a ler, eu mostrei o livro pra eles e perguntei o que eles achavam daquele texto. Como uma formiga poderia escapar da neve, ainda mais estando presa? E claro que eles disseram meio mundo de opiniões! – Professora, a formiga não pode escapar da neve, ainda mais estando presa.”

D) “Pedi para um aluno escolher entre dois livros de histórias que nós não conhecíamos. Disse para prestarem bastante atenção na leitura e que depois eu mostraria as figuras pra eles.”

3.  Durante a leitura…
E) “Ah, história eu gosto de ler direto, de cabo a rabo, pros meninos entrarem no clima da história, poderem imaginar aquelas cenas, aqueles personagens…é diferente de ler texto pra estudar, né?”

F)“Quando eu acho que a história tem palavras difíceis ou que os meninos não estão entendendo, eu vou parando de ler e explicando. Eu também procuro responder as perguntas que eles fazem enquanto eu leio, porque, se não faço isso, eles não acompanham, não aproveitam a leitura.”

4.  Depois da leitura…
G) “Fiz uma atividade de interpretação da história para verificar o que as crianças tinham compreendido. Perguntei, por exemplo, quais são os personagens que apareceram na história, como eles se comportavam, por que se comportavam desta maneira etc.”

H)“Depois que eu li a história, eu discuti com eles, perguntei se eles concordavam com o que o livro estava mostrando. Alguns diziam que sim, outros diziam que não… e ficava aquela maior concorrência entre os meninos e as meninas por causa da pergunta contida no título da história. Eu expliquei pra eles o que o livro estava dizendo e perguntei pra eles o que eles entenderam.”

5.  Ler ou contar as histórias dos livros?
I) “Quando eu percebo que os meus alunos não estão se preocupando com a história, eu procuro não ler mais. Eu passo a contar a história, fazendo gestos, dramatizando.”

J) “Eu sempre leio as histórias, mesmo quando elas parecem complicadas. Eu acho que, quando eu leio com emoção, quando eu vivo a história que estou lendo, eles entendem. Eu treino na minha casa antes de ler na classe e meus alunos já me disseram que acham que eu tenho um jeito de contar história. Porque, por exemplo, quando está escrito que o cachorro fazia uma carinha triste, aí eu faço uma carinha triste também.”

6.  “Professora, lê de novo?”
L) “Acho que quando as crianças fazem este pedido, estão querendo saborear de novo o gostinho bom que sentiram quando ouviram a história pela primeira vez. É como os adultos que desejam ler novamente um livro que já terminaram de ler. Por isso, eu sempre que posso, faço a vontade deles.”

M) “Quando as crianças me pedem para ler de novo, eu sempre “fico com a pulga atrás da orelha”. Será que não prestaram atenção enquanto eu lia da primeira vez? Será que não entenderam alguma parte da história ou será que não entenderam nada? Algumas vezes, eu torno a ler uma ou duas vezes, dependendo do tamanho do livro. Outras vezes, eu explico que eles têm que ficar quietos e prestar atenção na próxima história que eu vou ler, porque eu não posso ficar repetindo tudo.”

Prof.a Luisa

A estratégia adotada na reunião consistiu no seguinte: distribuímos cópias desse texto para cada professor e recomendamos que todos lessem, pensassem sobre as afirmações e se posicionassem diante de cada uma delas. O passo a seguir foi uma conversa dos professores com seus parceiros para compartilhar as opiniões e exercitar o uso das justificativas e dos argumentos. Por último, todos participaram de um debate.

Enquanto liam, percebemos que muitos professores foram capazes de localizar os fragmentos de sua fala e gostaram de se ver contemplados naquela atividade. Houve,até mesmo, casos em que uma pessoa identificava a fala de um colega da mesma série e comentava. Percebemos também que, de certa forma, satisfizeram a curiosidade de saber o que os professores de outra série tinham dito e o que seria feito com os depoimentos dados.

A discussão do primeiro par de afirmações foi realmente polêmica e dividiu os participantes em função de suas idéias. A pouca clareza em relação aos propósitos e modalidades de leitura levava alguns deles a defender a necessidade de realização de alguma atividade (desenhos, questionários, as usuais atividades de interpretação de texto – que, como sabemos, não levam em conta a polissemia do texto literário) após a leitura de histórias para garantir a compreensão das mesmas; havia, de outro lado, os partidários da idéia de que a leitura de literatura já é uma finalidade de extrema importância em si e de que o professor deve conquistar os alunos para a leitura de textos literários, ajudando-os a encontrar prazer nessa prática, a identificar preferências, a iniciar um percurso leitor.

Foi de fundamental relevância esse momento de discussão entre pares e da socialização das diferentes idéias. Como sabemos, há um potencial de aprendizagem muito grande na diversidade dos saberes presentes num grupo de professores e, sem diálogo, não se pode construir representações partilhadas.

Avaliamos que o debate foi útil para introduzir uma visão diferente da costumeira concepção escolar de que a literatura deve estar a serviço de outra atividade didática, sem o que não tem valor.

No entanto, é preciso advertir sobre os riscos de realizar uma atividade como essa, pois se não houver uma intenção clara e planejada do formador em oferecer aos professores as condições necessárias à reflexão e à reconstrução de suas idéias, pode-se cair numa visão dualista que põe em oposição o que “deve ser feito” e o que “não deve ser feito” tendo apenas como parâmetro as expectativas do formador.

Por isso, na coordenação do debate, consideramos importante não esgotar a questão, ao contrário, ampliá-la, dando acesso a textos teóricos que os levassem a pensar nas práticas sociais de leitura e em seus diferentes propósitos.

Refletindo sobre nossa prática de formação
Para que serve fazer o levantamento de conhecimentos prévios? Apenas para conhecer as idéias dos professores como uma fase inicial de diagnóstico? Acreditamos que não. As idéias prévias referem-se a sistemas de conceitos e significados relativos a um determinado conhecimento e emergem a propósito de situações-problema como parte de um processo de intervenção formativa que tenha como objetivo contribuir na reorganização e reconceitualização dessas idéias prévias.

Prof.a Lírian de Jesus

A proposta de uma atividade inicial, que colocou os professores em relação direta com a realização da situação didática que se desejava analisar, criou um espaço de diálogo entre: os professores e suas concepções, o formador e sua intencionalidade e a situação didática de leitura de histórias pelos professores, favorecendo, assim, desde o princípio, uma formação dialógica que os incluiu de forma reflexiva em seus processos de construção de novos conhecimentos didáticos, evitando o risco do formador isolar-se em um monólogo normativo e pouco fértil.

Essa é uma situação que pode parecer paradoxal para os professores, que costumam delegar ao formador o papel de definir o que é “certo” e o que é “errado” na prática pedagógica e, por isso, podem pensar: afinal, ele não vai dizer o que é para ser feito, o “jeito” certo? Ao invés disso, nesse caso, lhes foi pedido que realizassem uma atividade, levando-os a imaginar: o que ele quer com isso? Quer saber se nossos alunos sabem interpretar um texto?

Quer valorizar a importância da leitura porque considera que lemos pouco para as crianças? Quer verificar se sabemos explorar a leitura realizando outras atividades a partir dela? Se nossos alunos prestam atenção na história? Deseja conhecer o modo como lemos histórias para eles?

Entretanto, essa ruptura de contrato na relação formativa, isto é, a diferença entre a expectativa dos professores e a proposta feita pelo formador, fez com que tentassem entender o sentido da proposta, buscassem seu significado e, portanto, já adotassem uma conduta de aprendizagem ativa que tornou mais significativo o que pôde ser aprendido na continuidade do processo de formação.

A criação de situações nas quais os professores possam pôr em jogo tudo o que sabem para realizá-las, seguida da problematização, permite que os professores avancem tanto a partir da ajuda dos colegas, do confronto entre pontos de vista diferentes, quanto da ajuda do formador que tem por função criar condições para a integração de outras variáveis à análise da situação didática.

No caso descrito o formador, construiu questionamentos e interpretações, forneceu informações, ajudou na construção de novos observáveis, integrando ao planejamento das situações de leitura a importância de se considerar o que se lê, para quê se lê e o como se lê, variáveis que, até então, não apareciam no horizonte das preocupações dos professores.

Prof.a Rogéria Alves

Assim, a difícil tarefa de eleição de prioridades e de seleção dos conteúdos pelo formador é orientada pela perspectiva didática que se quer construir a partir do que os professores sabem, não sabem, do que pensam, de suas concepções, o que permite antecipar o que é possível ensinar e o que ainda não é possível a cada momento.

Dessa forma, se inclui a lógica dos sujeitos da aprendizagem no planejamento dos encontros de formação e não apenas a lógica dos conteúdos.

Para concluir, podemos sintetizar o que foi dito anteriormente ressaltando que a maneira de trazer novas informações determina suas possibilidades de assimilação. Para ser assimilada, a informação deve ser integrada a um sistema de conhecimentos elaborado previamente (ou em processo de elaboração).

Não é a informação como tal que cria conhecimento. O conhecimento é resultado da construção do sujeito. Conhecidíssimos pressupostos que parecem novos quando lidos sob o ponto de vista da formação de professores.

1Programa de Desenvolvimento Social e Econômico de Serra Pelada, que abrange também ações na área social e de saúde implementadas com recursos do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – e da CVRD – Companhia Vale do Rio Doce.
2Distrito de Curionópolis, sul do Pará.

(Paula Stella3 e Regina Scarpa4)

3Formadora do CEDAC – Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária, atua como Coordenadora Regional de Serra Pelada, sendo responsável pela formação de professores e diretores.
2 Coordenadora de Projetos do CEDAC e do Instituto Avisa Lá, responsável pela formação dos formadores. Prof.o Nilton Cesar

Depoimentos das professoras

Depoimento da professora Francisca – 3a série
Eu também li aquele livro do Portinari, o da Velhinha que dava nome às coisas, Imagine o quanto eu te amo. E disse para eles o seguinte, para que ficassem mais atentos: – Vai vir uma pedagoga aqui e vai perguntar a vocês o que foi que a professora fez, o que ela leu, vai pedir explicação e vocês terão que aprender, então prestem atenção à história.

Então, na proporção que eu ia lendo, eu ia fazendo perguntas e eu via eles com aquela experiência, né? … No momento que estava lendo, eu ia fazendo perguntas e eles respondendo adequadamente dentro da própria leitura. Quando terminaram eu apenas disse: vou fazer um questionário. Eu sempre gosto assim: quando eu faço uma leitura, eu faço um questionário para verificar se realmente eles aprenderam com respeito àquela leitura que foi feita. Eu li estes quatro livros e eles gostaram. De vez em quando, eles cobram:
– Professora, que horas você vai ler pra gente?
– Um momentinho!

Porque eu sempre falo alto e minha garganta irrita. Eu leio um dia e passo uns dois dias sem ler. Pretendo continuar lendo porque eu gosto. Sempre uso livro com histórias, porque ficar só escrevendo, o menino se cansa e, de vez em quando, eu uso uma parte para que o menino descanse um pouco. Eu sempre gostei, não é a primeira vez que eu faço leitura de histórias…Até mesmo assim, por exemplo, ontem eu fiz uma leitura em grupo.

Depoimento da professora Cristiane – 4a série

Eu tinha costume de ler, não diretamente aqueles livros, mas eu sempre trabalho assim com texto, até porque não tinha os livros. Mas quando eles chegaram, eu comecei a ler.No primeiro dia, eu comecei a ler e eles ficaram curiosos.

No dia seguinte, todos eles queriam. Eu gosto de ler no final da aula. Aí, eu leio o livro com eles e a gente faz um tipo de um debate, sabe? Tem muitos que não agradam a todos. Tem uns que não gostaram do final da história, aí, eles preferiram criar outro final da história. Eles vão dando as idéias deles. No caso do livro da velhinha que gostava de dar nome às coisas eles também deram nomes às coisas.

Tinha outro também… uma história que falava sobre a amizade de um garoto com um idoso. Eu achei aquela muito importante e eles também gostaram. Inclusive tem alguns alunos que ficaram emocionados no final da história. Criava um elo de amizade entre eu e eles e entre os colegas. Criava mais um laço afetivo, né? Sempre eu pedia pra eles fazerem uma redação contando o que eles mais gostaram de ouvir na história.(…) Quando eu peguei o primeiro livro pra ler, eles ficaram assim um pouco estranhos…

Aí, teve uma aluna minha que trouxe uma coleção de Bela Adormecida, Cinderela e Branca de Neve para eu ler.
– Professora, por que a senhora não lê?
Eu fui ler. Eu fui conversar.

Professores atentos nos encontros de formação

Depoimento da professora Keila – 4a série
Eu não cheguei a ler todos os livros, mas li uma boa parte deles. Inclusive, eu escolhi dois livros que tem uma coisa em comum: relatam que cada pessoa é diferente da outra, que nem todas são iguais.Tenho vinte alunos.

Dividi a turma em duas equipes e dei um livro para eles lerem e pedi que cada um lesse em voz alta um parágrafo, uma parte do texto. Era para ouvir o que o outro estava lendo para aprender o que estava escrito naqueles livros. Depois, eu falei que eles sabiam o que estava escrito no livro só que a outra equipe, não. Eu disse que todos iriam comentar para a outra equipe escutar. Eu vou continuar na outra aula, vou dar seqüência.

Depoimento da professora Rogéria – 4a série
Eu não contava história antes desses livros chegarem aqui. Eu contava dos livros didáticos, mas parece que não despertava o interesse deles.

Para saber Mais

O Projeto
O Programa de Desenvolvimento Social e Econômico de Serra Pelada é uma parceria entre a prefeitura de Curionópolis (PA), a Companhia Vale do Rio Doce e o BNDES. Nesse projeto várias ações foram desencadeadas nas áreas de educação, saúde, infra-estrutura e agricultura.

Em relação ao projeto em educação, a realização é de responsabilidade do CEDAC/SP (Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária). As principais ações são: capacitação de professores, diretores e supervisores; oferta de oficinas de arte e de língua portuguesa; o uso da internet como instrumento de formação; o desenvolvimento de um sistema de acompanhamento e avaliação; a criação da Casa do Professor.
Site: www.escolaquevale.org.br

CEDAC é uma organização não-governamental que atua em prol da melhoria da educação brasileira. Desenvolve projetos voltados para o desenvolvimento profissional de professores, diretores e supervisores da rede pública de ensino.Tel.: (11) 3097-0573 – Site:www.cedac.org.br

Bibliografia

  • Bixio, Cecilia. “Constructivismo: Uma Tesis Epistemológica – Entrevista a Jose Castorina”. Revista Aulahoy, Buenos Aires, Editora Homo Sapiens.
  • Ferreiro, Emilia. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo, Editora Cortez, 2002. Tel.: (11) 3864-0111.
  • Ferreiro, Emilia. Alfabetização em Processo. São Paulo, Editora Cortez, 2001.
  • Jonnaert, Philippe e Borght, Cécile Vander. Criar Condições para Aprender: o Socio-construtivismo na Formação do Professor. Porto Alegre, Editora Artmed, 2002.Tel.: (11) 3062-3757.
  • Lerner, Delia. “El papel del conocimiento didáctico en la formación del maestro”. In Ler y Escribir em la Escuela: lo Real, lo Posible y lo Necesario. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001.
  • Perrenoud, Philippe. A Prática Reflexiva no Ofício de Professor: Profissionalização e Razão Pedagógica. Porto Alegre, Editora Artmed, 2002.
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