Pelo direito de beber água

Algo aparentemente simples e fundamental, como o ato de matar a sede, em geral, encontra dificuldades de ser concretizado a contento em escolas de educação infantil
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Torneiras com água filtrada para adultos e crianças maiores

Imagine a seguinte cena: Um bebedouro de alvenaria e uma caneca de plástico. Quem tem sede na escola – seja aluno, funcionário ou qualquer outra pessoa da comunidade –, basta ir até ele e se servir de um pouco de água. A pessoa toma a água na caneca disponível e coloca-a de volta no mesmo lugar. Detalhe: sem lavá-la. Esse procedimento era corriqueiro em nossa instituição. A situação incomodava-nos, mas não sabíamos como resolver o problema.

Em 2006, durante a filmagem de um evento escolar, tudo isso foi registrado por uma câmera de vídeo. Diante da realidade exibida, não era mais possível negá-la, e foi assim que resolvemos modificar essa história. Há pouco tempo, havíamos participado de discussões coletivas em nossa escola. Esses encontros tinham por tema central a saúde, sempre com a participação de Damaris Maranhão, formadora do Instituto Avisa Lá. Estávamos certas de que era imprescindível garantir água potável em recipiente limpo e de uso individual já que nem todos os matriculados na pré-escola conseguiam aparar com as mãos embaixo das torneiras a quantidade de água que queriam tomar. Também a escola não dispunha de copos descartáveis pelo seu alto custo e pela preocupação com o meio ambiente.

A primeira ação foi compartilhar o conteúdo do vídeo com todos os funcionários em uma reunião pedagógica. Nossa intenção era sensibilizar a equipe antes de iniciarmos um trabalho mais amplo. Em seguida, fizemos um diagnóstico inicial e descobrimos que as canecas de uso exclusivo em sala não eram lavadas adequadamente1. Apesar de os pequenos terem à disposição esponja e detergente para a higienização, não conseguiam realizar a tarefa com eficiência. Nessa investigação, nos demos conta de que o banheiro também não era um espaço educativo. Na época, dispunha apenas de equipamentos básicos, ou seja, vasos sanitários e lavatórios, além de papel higiênico. No bebedouro do pátio, era comum ver pessoas da comunidade, nos horários de entrada e saída dos alunos, lavando objetos ou mesmo cuspindo dentro dele.

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O lava-copos, solução interessante adotada pela escola, precisa ser bem limpo, diariamente para não virar foco de contaminação

Projeto institucional
Diante dos resultados decorrentes de nossa averiguação, estruturamos uma proposta cuja meta era intensificar ações voltadas à construção de hábitos saudáveis de cuidado, respeito e valorização de si mesmo, das pessoas, dos ambientes e dos materiais existentes ao redor. Os envolvidos nesse processo: os funcionários, as crianças e a comunidade. Os objetivos específicos eram oferecer condições adequadas para que os alunos desenvolvessem habilidades e atitudes de higiene; promover situações nos fazeres cotidianos que favorecessem a construção de hábitos de asseio pessoal; e possibilitar experiências ricas em valores sociais. Para nós, era fundamental que a instituição preparasse os pequenos para que tivessem comportamento adequado em outros ambientes que estavam acostumados a freqüentar, como shoppings e parques.

Com os professores e demais membros da equipe, os procedimentos foram baseados em pesquisa, leitura, discussão e reflexão sobre os temas em pauta. Também houve planejamento de ações que explorassem a prática social e a definição de propostas a serem desenvolvidas com as crianças e seus familiares. Com pais, mães e responsáveis, havia certa urgência em discutir determinados assuntos, pois já era sabido que a descarga de casa não era utilizada com freqüência por economia. Vale destacar que em um espaço coletivo, esse hábito não poderia ser adotado. Estabelecemos, então, um plano que envolvia a formação dos adultos. Fizemos isso por meio de reuniões e distribuição de folder.

Paralelo a esse trabalho com os adultos, foram necessárias modificações no prédio escolar, como reformar e reorganizar os banheiros. Providenciamos espelhos, suporte, papel toalha e sabonete líquido2. Trocamos também o bebedouro de alvenaria por um de inox, mais higiênico. Aproveitamos para instalar um filtro na pia de cada sala, substituindo os de barro, e espalhamos lava-copos por toda a instituição, abolindo a esponja e o detergente. Com os pequenos, muitas atividades em sala, como a roda de conversa. Questões como a importância da lavagem de copos e como essa ação é feita em casa foram discutidas entre eles. Também foi apresentado às turmas o aparato recém-chegado: o lava-copos. Nesse momento, eles puderam explorá-lo e elaboraram regras de uso e de manutenção. Nos papos sobre o bebedouro, as crianças foram estimuladas a recuperar em suas experiências como faziam em outros ambientes onde não havia vasilhas disponíveis. Tudo isso para que pudessem acertar como seria o uso do novo equipamento. Combinaram que não seria permitido colocar a boca na torneira e, para tomar água com as mãos (tipo conchinha), elas deveriam ser lavadas antes.

Nas discussões sobre a utilização dos modernos banheiros, o acordo foi dar descarga sempre, evitando desperdício de água. Concluímos que a escola, além de desenvolver procedimentos nos quais a criança aprendeu a cuidar de si e a assumir ações para o seu próprio bem-estar, propiciou um ambiente organizado e agradável, do ponto de vista estético e da limpeza, privilegiando experiências da prática social que contribuem para o desenvolvimento infantil.

(Equipe Pedagógica Da Emei Padre Nildo Do Amaral Jr – Cristiane Antunes Rosa Vicente, diretora e Cecília Maria da Silva Generoso, coordenadora pedagógica)

1Na EMEI Padre Nildo do Amaral Jr., em São Paulo – SP, há uma pia com torneira em cada sala. Há alguns anos, as crianças não usam mochila e, por isso, não transportam copos nem toalhas. Elas são incentivadas a lavar as canecas oferecidas pela escola antes de utilizá-las. Essa prática é um recurso simples que a instituição promove com o objetivo de desenvolver a autonomia de cada um.

2Atualmente, a escola substituiu o papel toalha pelo secador para mãos, o que incentivou as crianças a lavarem as mãos com mais freqüência.

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Nos encontros de formação, eram estabelecidos os objetivos e conteúdos das mudanças nas práticas de higiene

Ficha técnica

Programa: Capacitar Educadores
Iniciativa: Instituto C&A e Grupo Gerdau
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Formadoras: Ana Benê e Damaris Gomes Maranhão
Realização: Escola Municipal de Educação Infantil Padre Nildo do Amaral Jr.
Endereço: Rua Lopes de Medeiros, 5-A – Jd. Nossa Senhora do Carmo – CEP: 08275-430. Tel.: (11) 6748-2725/6748-1148 – E-mail: emeinamaral@prefeitura.sp.gov.br

Equipe:
Diretora: Cristiane Antunes Rosa Vicente
E-mail: crisarv@uol.com.br
Coordenadora pedagógica: Cecília Maria da Silva Generoso
E-mail: cecigeneroso@yahoo.com.br

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As condições físicas dos banheiros não promoviam um espaço educativo, mas hoje são locais adequados e agradáveis

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