Mobiliário – a hora de compartilhar

Um olhar cuidadoso para o local das refeições reflete na atitude das crianças

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Ao considerar que os rituais de uma refeição agradável e saudável são de extrema importância para a formação e o convívio social das crianças, nós, do CEI Jardim Rodolfo Pirani, sensibilizamo-nos e trabalhamos para que eles sejam vivenciados. Acreditamos que, ao oferecermos aos alunos pratos, talheres, mesas, cadeiras adequados e um local limpo e arejado, estamos dando as condições necessárias para que aprendam os rituais, que estão relacionados à escolha daquilo que se quer comer, à capacidade de se servir, ao respeito pelo trabalho de quem preparou o alimento, à possibilidade de conviver com o outro durante a refeição. Isso pode ser algo que, muitas vezes, as crianças não encontram em casa, entre os familiares, e, como profissionais da educação, devemos proporcionar-lhes isso.

O projeto Hora de compartilhar – a vez do gestor veio complementar a sistematização das práticas de alimentação no CEI Jardim Rodolfo Pirani, ao qual questões de espaço físico e mobiliário estão intimamente ligadas. Segundo o professor Antonio Vinão Frago: O espaço físico não apenas contribui para a realização da educação, mas é em si uma forma silenciosa de educar. Esta frase sintetiza o nosso pensamento, deixando claro que o espaço não é apenas um cenário, mas sim o local onde se desenvolve a educação. E foi com este olhar que este projeto foi construído.

Atenção ao local das refeições
O mobiliário existente estava enferrujado e corroído já que em sua estrutura havia tubos de ferro. Durante anos foram colocados pedaços de madeira para que as mesas pudessem ficar equilibradas. Porém, o desgaste fez com que os toquinhos de madeira não mais resolvessem o problema. Em 2006, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo começou a enviar móveis para os CEIs. Ao constatarmos que o mobiliário não obedecia aos parâmetros determinados para a faixa etária, não aceitamos a troca. A altura das mesas e cadeiras era incompatível com a estatura das crianças da unidade escolar; o material já estava trincado, o que ocasionaria problemas de higienização e exporia as crianças ao risco de acidentes; as mesas eram muito pesadas, o que complicaria na hora de modificar o ambiente do refeitório para as comemorações, reuniões de pais e funcionários.

O mobiliário do refeitório era incompatível com o bem estar das crianças

O mobiliário do refeitório era incompatível com o bem estar das crianças

Dentre os critérios de organização dos espaços, procuramos por um mobiliário cujas dimensões e proporções fossem adequadas à faixa etária atendida no CEI, ou seja, de 2 a 4 anos. Quanto ao posicionamento, localização e disposição, buscamos algo que facilitasse a circulação dos professores, de educadores e crianças, assim como materiais leves e resistentes que facilitassem a organização do refeitório para outros eventos. Como último indicador, procuramos um mobiliário que proporcionasse um ambiente agradável e bonito para todos.

Iniciamos um estudo sobre mobiliário escolar infantil apoiando-nos na literatura da Engenharia e da Arquitetura, buscando uma definição de critérios técnicos e de qualificação. Encontramos na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) parâmetros sujeitos às normatizações nacional e internacional que regulam a produção e um estudo ergonômico do mobiliário.

O passo seguinte foi procurar empresas que contemplassem as especificações exigidas, e encontramos uma que atendia a praticamente todas as especificações necessárias:

  • Estrutura de aço e não de ferro, o que deixava mesa e cadeira mais leves.
  • Cadeiras empilháveis e coloridas.
  • Três tamanhos diferenciados seguindo as dimensões ideais para crianças de 1 ano e meio até 6 anos.
  • Compra de mesas e cadeiras avulsas, de acordo com a necessidade da unidade escolar.

Mas havia um único problema: o preço. O mobiliário, além de contemplar todas as exigências da ABNT1, era o que havia de mais moderno e arrojado no mercado. Porém sabíamos que, como norma, a Prefeitura Municipal de São Paulo adquire bens materiais por licitações: LF 8666/1993 (inclui modalidades como concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão), e procura atender ao princípio de padronização.

Mesmo cientes de que o projeto arquitetônico padrão, no ambiente escolar, surgiu para otimizar as necessidades locais, e levando-se em conta que o conceito da repetição de um modelo tem por objetivo evitar desperdícios, consideramos que atualmente os debates sobre tempos, espaços e saberes escolares que vêm marcando o campo da educação no Brasil devem ser socializadas para os dirigentes e para quem cuida das questões burocráticas. E foi com esse olhar que encaminhamos o projeto para a Secretaria Municipal de Educação, já sabendo que ele não seria aprovado. Mas esperávamos sensibilizá-los para que tivessem um olhar mais apurado em relação aos critérios norteadores das políticas e programas de atendimento a crianças de 0 a 3 anos.

Projeto em ação
Como alternativa para a aquisição do mobiliário, encaminhamos o mesmo projeto a algumas empresas. Tivemos o privilégio de sermos contemplados com a doação de 7 dos 13 jogos de mesas e cadeiras necessários naquele momento. Para completarmos os 13 jogos, decidimos comprar o restante aos poucos com a verba do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF), que o CEI recebe em quatro parcelas ao longo do ano. Esta decisão teve o apoio dos funcionários e dos pais dos alunos. Nosso objetivo é que o refeitório esteja todo mobiliado até o final do primeiro semestre de 2008.

Depoimento de Maria Goreti:

Este trabalho foi muito significativo. Tive, enquanto gestora, muita raiva no primeiro momento, pois é muito triste o descaso do poder público com a Educação Infantil. Por outro lado, fui motivada a procurar caminhos, a estudar dentro da Arquitetura e Engenharia o que é ergonomia, quais as tecnologias existentes para que as indústrias especializadas em mobiliário infantil façam um material que atenda todas as normas técnicas existentes numa perspectiva de qualidade. Outro fator interessante desse trabalho foi resgatar nossa história procurando entender as leis atuais no que diz respeito à compra de qualquer coisa na esfera pública. Tive acesso aos Parâmetros Básicos de Infra-estrutura para Instituições de Educação Infantil. Acredito que, em pleno século XXI, onde se fala muito em melhorar a qualidade de ensino para as crianças, devemos discutir não só a melhoria da Pedagogia, mas também a modernidade dos espaços físicos e ambientes das escolas, mobiliários e outros recursos necessários.

Não foi fácil, com tanta demanda de trabalho na Unidade Educacional, tentar concluir a pesquisa e elaborar o projeto. Foram horas de pesquisa e estudo fora do local de trabalho, muita persistência e muitas horas de lazer trocadas pelo projeto. Mas também não há mais possibilidade para aceitarmos tudo o que o poder público oferece sem, pelo menos, fazê-los refletir sobre a burocracia existente. Não imaginava a dimensão de todo esse trabalho e a repercussão do mesmo, e nem como seria bom passar por tudo isso. Hoje acredito que, quando rompemos com barreiras institucionais mostrando que existem alternativas que podem melhorar as relações entre as pessoas, mesmo que seja de forma muito pequena, as coisas acontecem e a semente plantada dará frutos mesmo que seja num futuro distante.

(Maria Goreti de Sousa Marinho, diretora e Maria Cristina dos Santos, coordenadora pedagógica do CEI Jardim Rodolfo Pirani, na cidade de São Paulo – SP)

1Associação Brasileira de Normas Técnicas.

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A localização e disposição do mobiliário proporcionam mais interação entre as crianças

Projeto: Hora de compartilhar

Justificativa:
A partir de observações sistematizadas realizadas desde o início percebemos, entre os profissionais do nosso CEI, algumas atitudes cristalizadas que se revelaram durante o período de refeição. Tão cristalizadas que muitos não haviam refletido sobre essas práticas. A partir das gravações realizadas pela coordenadora pedagógica, durante quatro dias, em períodos diferentes, e posteriormente analisadas pela equipe, foi possível diagnosticar um longo tempo de espera das crianças nos horários de refeições.

As crianças, pela organização inadequada do espaço, durante o período de refeição, acabavam ultrapassando limites definidos pelos adultos. Isto propiciava mais tempo para brigas, mais comida derramada sobre as mesas e conversas com o tom de voz bastante elevada.

Objetivos:

  • Minimizar o tempo de espera.
  • Organizar o espaço de refeição de modo a privilegiar o paladar, os bons modos à mesa e o partilhar a refeição com os amigos.

Seqüência das ações de formação:

  • Gravação, em dias e horários alternados, do ambiente de refeição.
  • Debate com os professores sobre seus hábitos alimentares e sobre a questão cultural que envolve a alimentação.
  • Assistir ao vídeo das refeições e analisá-lo, tendo por foco de observação o tempo de espera e a organização do ambiente (refeitório).
  • Leitura do texto “Educação e saúde”, Zilma Ramos, in Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez.
  • Mapear coletivamente ações que visam minimizar o tempo de espera e promover um ambiente favorável à valorização do paladar, dos bons modos à mesa e do partilhar a refeição com os amigos.
  • Em plenária, verificar os pontos mapeados pelos grupos e dividi-los em ações a curto, médio e longo prazos.
  • Colocar em prática as ações de curto prazo.

Seqüência das ações retiradas do grupo pósplenária:

  • Mais pessoas para auxiliar no horário de refeição.
  • Troca de mobília no refeitório.
  • Permitir integração entre os alunos de faixas etárias diferentes, nos momentos de refeição, estimulando novas posturas e incentivando as boas maneiras, tendo o professor por referência.
  • Colocar toalhas nas mesas.
  • Comprar brinquedos como pratinhos, copos, talheres, xícaras, bules e panelas para inserir no jogo simbólico.
  • Implantar o sistema self-sevice gradualmente, sendo iniciado no café da manhã.

Avaliação:

A avaliação será realizada mensalmente. A equipe escolar será convidada a refletir sobre os avanços, os pontos de maior reflexão e reestruturações que se façam necessárias. As observações serão apresentadas por meio de fotos e vídeos para facilitar o processo de análise.

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Crianças são estimuladas a se servirem

Avaliação:

A primeira avaliação foi feita na reunião pedagógica, um mês após o início do projeto. Estiveram presentes todos da equipe escolar, e representantes das empresas terceirizadas de limpeza e alimentação.

Avanços:

  • Aumento no quadro de auxiliares no horário de refeição
  • Novo mobiliário.
  • Salada na mesa – crianças estão comendo mais saladas
  • Sistematização das brincadeiras simbólicas com utensílios domésticos.

Pontos de reflexão:

  • Professores – Rever o olhar sobre o todo. As crianças são do CEI e não da professora

Ações:

  • Colocar as mesas e cadeiras deixando espaço para facilitar a circulação de crianças e professores.
  • Pensar em atividades que promovam a sociabilização das crianças no horário de refeição.
  • Adequar os utensílios para estimular a criança a se servir.
  • Desenvolver um trabalho de sensibilização com relação à alimentação.
  • Implantar o sistema self-service no período da tarde (1ºB e 2º) quando a refeição não for sopa.
  • Envolver as famílias no projeto.
  • Implantar o cardápio do dia em local visível para que educadores, pais e crianças saibam quais serão as refeições.
  • Gradativamente passar as crianças do BII do cadeirão para as mesas nas refeições.
  • Colocar toalhas nas mesas.
  • Colocar o estrado para facilitar a utilização do balcão.

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Ficha técnica

Coordenadoria de Educação de São Mateus
Centro de Educação Infantil Jardim Rodolfo Pirani – Rua Cinira Poloni, 20 – Jardim Rodolfo Pirani – São Paulo – SP. CEP: 08395-320. Tel.: (11) 6751-4896
Diretora: Maria Goreti Sousa Marinho
E-mail: ceijrfpirani@prefeitura.sp.gov.br
Coordenadora pedagógica: Maria Cristina dos Santos
E-mail: kriccasantos@hotmail.com
E-mail: ceijrfpirani@prefeitura.sp.gov.br

Para saber mais

  • Livro do diretor: espaços & pessoas. Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária (CEDAC). Tel.: (11) 3097-0523
  • Arte de projetar em Arquitetura, Ernest Neufert. Ed. Câmara Brasileira do Livro. Tel.: (11) 3069-1300
  • Currículo, espaço e subjetividade – A arquitetura como programa, Antonio Viñao Frago e Agustín Escolano. Trad. Alfredo Veiga Neto. Ed. DP&A. Tel.: (21) 2232.1768
  • Qualidade em Educação Infantil, Miguel A. Zabalza. Ed. Artes Médicas. Tel.:(11) 3221-9033


Na Internet

  • Blog do CEI Jd Rodolfo Pirani: http://paraalmdocuidar- educaoinfantil.blogspot.com/2007_07_01_archive.html
  • “Parâmetros básicos de infra-estrutura para instituições de Educação Infantil”, no site do Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica:http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/miolo_infraestr.pdf
  • “Definição de critérios de avaliação técnico- funcional e de qualificação de mobiliário escolar”, no site da Universidade Federal de Santa Catarina: http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/2941.pdf
  • “Tempos e espaços para a infância e suas linguagens nos CEIs, creches e EMEIs da cidade de São Paulo”, no site da Prefeitura da Cidade de São Paulo: http://arqs.portaleducacao.prefeitura.sp.gov.br/publicacoes/ed%20infantil/caderno_completo.pdf
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