A microbiologia e os cuidados

Os complexos conceitos da microbiologia se iluminam a partir da visita a um museu dedicado ao tema. Olhar os micróbios e bactérias pelo visor de um microscópio é um dado importante para iniciar uma ação fundamentada com vistas a profissionalizar a higienização em espaços educativos
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Os vírus não são visíveis em Microscópio comum. O Museu de Microbiologia exibe essa réplica, de
tamanho aumentado, feita em plástico

Hoje é consenso entre profissionais que atuam com Educação Infantil que cuidar é constituinte do educar. Isso significa que as creches e pré-escolas precisam planejar e manter ambiente adequado para operacionalização dos cuidados de crianças na faixa etária de quatro meses a seis anos em contexto educativo e coletivo. Para tanto, é preciso que os projetos de formação dos diretores, coordenadores, professores e agentes escolares incluam a construção de conhecimentos sobre cuidados com a saúde. Com a finalidade de contemplar essa necessidade, o Projeto Capacitar na Educação Infantil, desenvolvido na região Leste da cidade de São Paulo por meio de uma parceria entre o Instituto Avisa Lá, a Secretaria de Educação da Prefeitura do Município de São Paulo, as empresas Gerdau e o Instituto C&A, prevê, entre outros objetivos, conteúdos e estratégias formativas com vistas à integração do cuidar e educar e à promoção da saúde.

O conceito de Promoção à Saúde é compreendido como um processo de capacitação de um grupo ou comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde. Os princípios que caracterizam a Promoção à Saúde são:

  • Emponderamento: processo que permite que as pessoas exerçam controle sobre os determinantes da saúde, melhorando e fortalecendo habilidades e capacidades pessoais, grupos e comunidades.
  • Eqüidade: o reconhecimento das diferenças para que haja igualdade no direito à saúde.
  • Construção da consciência sanitária: por meio do envolvimento de todos os atores participantes da ação na reflexão sobre o papel de cada um e da sociedade na gênese e na resolução dos problemas de saúde.
  • Inclusão social: priorizar grupos que estejam mais vulneráveis ou excluídos do sistema de saúde.

As estratégias básicas contemplam a interdisciplinaridade, ou seja, ações de saúde que estão além da atuação específica de médicos, enfermeiros e outros terapeutas da área; a intersetorialidade, que significa a construção compartilhada de saberes e ações; a mobilização das parcerias, para avaliar a eficácia das ações e a sustentabilidade dos projetos; e a avaliação, que envolve todos os participantes. Com base nesses princípios, o Projeto Capacitar estabeleceu alguns objetivos para formação em saúde dos diretores e auxiliares de enfermagem:

  • Construir com os diretores, auxiliares de enfermagem e/ou agentes de saúde um olhar para o cuidar e educar em uma perspectiva interdisciplinar.
  • Aprimorar a qualidade do cuidado com as crianças, atendendo seu direito à saúde no âmbito da instituição educativa.
  • Elaborar projetos de formação que integrem os setores fins e meios: pedagógico, cozinha, limpeza, enfermagem.
  • Elaborar projetos institucionais que integrem serviços educacionais e de saúde da região, assim como famílias e profissionais, para que os cuidados sejam compartilhados e não haja descontinuidade no atendimento das necessidades infantis.

No primeiro semestre de 2006 trabalhamos a construção desse olhar a partir de uma reflexão sobre as condições ambientais que possibilitam que as crianças possam brincar com segurança, conforto e autonomia. Esse exercício se desdobrou em revisão das rotinas de limpeza e conservação do espaço interno e externo; rotinas e procedimentos para limpeza dos brinquedos; prevenção de acidentes no parque; cuidados com tanques de areia e outros espaços lúdicos. Também foram feitas reflexões sobre as condições de conforto, segurança, higiene e autonomia das crianças no uso dos sanitários. Para a concretização dos momentos reflexivos, foi lançado o desafio da elaboração de um projeto de formação em serviço das equipes de limpeza e dos agentes escolares, a ser desenvolvido no segundo semestre.

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É frequente se utilizar a placa de Petri para observar a germinação das plantas

Precauções-Padrão
Para dar início a essa segunda fase optamos por introduzir o conteúdo sobre Noções de Microbiologia, a base das Precauções- padrão1. Para que o ambiente dos centros e escolas de Educação Infantil seja seguro, sob o ponto de vista sanitário, recomenda-se, a exemplo do que já ocorre em outros países, o emprego de Precauções-Padrão, ou seja, cuidados que visam à segurança biológica de todos os envolvidos, independente da informação que se tenha sobre o estado de saúde das crianças, famílias e profissionais.

Adaptar as Precauções-Padrão para creches e pré-escolas requer considerar a dinâmica de funcionamento destes ambientes em suas dimensões físicas, funcionais, temporais e relacionais. Observa-se, em vários Centros de Educação Infantil – CEIs, que as medidas que visam à prevenção de doenças são restritas ao afastamento da criança já doente e ao uso de desinfetantes químicos no ambiente físico, às vezes sem critérios adequados. Entretanto, o que determina maior ou menor risco de disseminação das doenças no coletivo é, sobretudo, o modo como as pessoas se relacionam, organizam e utilizam o espaço, como realizam a troca de fraldas, o preparo e a oferta de refeições, sucos, água e fórmulas lácteas, a higiene oral e pessoal da criança, a remoção das secreções nasais e demais cuidados.

Visita ao Museu

Com o objetivo de sensibilizar os profissionais para o tema em questão, no mês de julho agendamos visitas dos diretores e auxiliares de enfermagem que atuam nos Centros de Educação Infantil – CEIs e nas Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEIs das Coordenadorias de Educação de Itaquera e de São Mateus ao Museu de Microbiologia, no Instituto Butantan, na cidade de São Paulo. Recordar as noções de microbiologia que a maioria aprendeu no Ensino Médio possibilita não só que os diretores e auxiliares de enfermagem compreendam as bases científicas dos procedimentos de higienização, como também abre a possibilidade de estender essa experiência a todos os profissionais das unidades educativas.

Além disso, conhecer os espaços culturais da cidade de São Paulo tem sido um recurso para ampliação do universo cultural dos participantes de forma prazerosa e atraente. Vale lembrar que o museu está localizado na zona Oeste. Como os profissionais residem e trabalham na zona Leste, esse deslocamento significou um esforço coletivo para conseguir transporte e tempo para essa atividade. Mas todos acharam que valeu a pena!

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Observando microorganismos de perto

O Museu de Microbiologia tem uma arquitetura moderna que resulta em um ambiente esteticamente bonito e funcional. Fomos bem recebidos pelos monitores e pela bióloga responsável. Depois de assistir a um documentário muito interessante, que nos convidou a conviver com os micróbios, numa espécie de dança da vida, os monitores esclareceram as dúvidas e realizaram uma experiência com duas diretoras voluntárias para evidenciar esses seres invisíveis que nos habitam desde o dia em que nascemos. Todos puderam ver os micróbios através das lentes dos microscópios, observar as placas de Petri2 contendo colônias de fungos. Entraram em contato com o processo de fabricação de vacinas e as réplicas de vírus e anticorpos, além de conhecer a história da microbiologia e a evolução da tecnologia, que hoje permite que tenhamos uma vida mais saudável e maior controle ou erradicação de alguns flagelos da humanidade, como a varíola.

Uma das figuras que mais despertou estranhamento foi a vestimenta de um médico da Idade Média, o que evidenciou que as práticas sanitárias são social e historicamente construídas. Refletir sobre nossas práticas de cuidado à luz dos conhecimentos pode contribuir para a superação de estigmas e preconceitos que permeiam, às vezes, o processo de cuidar e educar. A visita ao museu foi complementada pela solicitação de leitura de textos3 e elaboração de uma síntese sobre a visita.

(Damaris Gomes Maranhão, doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e formadora do Instituto Avisa Lá)

1O termo Precauções-Padrão foi criado pelo Center Disease Control – CDC, uma instituição que tem a função de informar, estudar e sugerir medidas de controle de doenças em todo o mundo. As Precauções-Padrão partem do princípio de que todos os fluidos e secreções eliminados pelo corpo, como sangue, linfa, leite materno, catarro, vômito, fezes, pus, saliva, gotículas eliminadas durante a fala, tosse, espirro, podem ser veículos de microorganismos que causam doenças, conhecidas ou não. Com base neste fato, recomendam-se cuidados que visam à redução do contato com esses fluidos por meio de métodos de barreira; procedimentos específicos para prestar cuidados e limpeza imediata das superfícies, objetos ou mãos contaminadas com eles Existem Precauções-Padrão específicas para serviços de saúde, suporte básico de vida na comunidade e também para centros de cuidados diários infantis, semelhante às creches ou escolas de Educação Infantil.

2Uma placa de Petri, ou caixa de Petri é um recipiente cilíndrico, achatado, de vidro ou plástico, que os biológos utilizam para a cultura de micróbios. O nome foi dado a este instrumento de laboratório em honra ao bacteriologista alemão J.R. Petri (1852-1921), que a inventou, em 1877, quando trabalhava como assistente de Robert Koch

3Veja a seção Para Saber Mais

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Fachada do prédio do Museu de Microbiologia

O médico e os maus-ares

A teoria cientifica que explicava o processo saúde-doença na Idade Média era miasmática, ou seja, causada pelos “maus-ares”, termo que deu origem ao nome “malária”. A explicação causal era de que os miasmas emanados dos pântanos e dos corpos vivos ou mortos, se inalados, poderiam “transmitir” as epidemias de varíola, cólera e outras que mataram muitas pessoas e causavam terror em todos.
O médico utilizava uma vestimenta que o “protegia”, tanto dos “maus-ares” quanto do “mau-olhado”, assim como evitava o toque direto no paciente, utilizando uma varinha.
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Livro de visitas

Participar ativamente de um grupo tão representativo que almeja despertar a consciência referente à “Escola Promotora de Saúde”, para então nos aguçar a responsabilidade de multiplicarmos os conhecimentos e construirmos projetos de tal amplitude me faz perceber o quanto a Educação e Saúde estão caminhando de mãos dadas, quando concebem o ser humano de forma holística. Tentamos quebrar a dicotomia tão presente em diversos segmentos de nossa sociedade, cuidando tanto do biológico, como do psíquico, social e cultural.

O Instituto Butantan revelou-se palco de encontros, conhecimentos, descobertas e aproximação do grupo. Foi no Museu de Microbiologia que aprendi um pouco mais sobre aquilo que não vemos, mas que é vivo e está presente em todos os espaços que também ocupamos, internamente e externamente. Como tudo aquilo que não é visto a olho nu, pouco é valorizado, porém o estudo e investigação do mesmo ganha enorme proporção quando pensamos em promoção de saúde e qualidade de vida, principalmente quando atuamos com o coletivo, sejam crianças, pais, professores, funcionários, comunidade.

A receptividade dos profissionais ali presentes e a disponibilidade destes em oferecer cursos para atender nossas demandas me entusiasmaram. Faço planos para que outros aproveitem ao máximo este espaço, ou seja, todos aqueles responsáveis pela promoção da saúde a sociedade como um todo.

(Priscila S. Valino, professora e agente de saúde do CEI-CEU Aricanduva, participante da visita)

Ficha técnica

Projeto Capacitar na Educação Infantil – Parceria Grupo Gerdau e Instituto C&A
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Formadoras: Damaris Maranhão, Simone Alcântara e Elza Corsi
Desenvolvido na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Diretoria de Orientação Técnica – DOT – Rua Borges Lagoa, 1230 – Vila Clementino CEP: 04038-003

Equipe técnica:
Coordenadoria São Mateus: Maria Aparecida Andrade dos Santos, Josefa Garcia Penteado, Paula Darcie Azevedo

Coordenadoria Itaquera: Marilda Aparecida B. Jamelli, Ana Celina Cartaxo Dias, Maria José Salatino R. Assis

Coordenadoria São Miguel: Dione G. R. Montes Silva, Marcia Apda. C. de Lima

Site: www.portaleducacao.prefeitura.sp.gov.br

Para saber mais

Visita

  • Museu de Microbiologia do Instituto Butantan – Av. Vital Brasil, 1.500, São Paulo – SP. CEP: 05503-001. Tel.: (11) 3726-7222. http://www.butantan.gov.br/museu

Livros

  • Aventuras da Microbiologia, Isaias Raw e Oswaldo Augusto Sant’Anna. Ed. Hacker. Tel.: (11) 3733-7912.
  • “O Binômio Cuidar/Educar das Crianças na Instituição de Educação Infantil. Damaris Gomes Maranhão, In. José Gerardo Matos Guimarães (org) Pedagogia Cidadã, Cadernos de Formação. Educação Infantil. São Paulo: UNESP, Pró-reitoria de Graduação. Tel. (11) 3333-7188.
  • “O Cuidado como Elo entre a Saúde e a Educação”, Damaris Gomes Maranhão, in Cadernos de Pesquisa, n.111, págs. 115-133. Ed. Autores Associados Ltda.Tel.: (19) 3289-5930. Resumo disponível no endereço: http://www.scielo.br/pdf/cp/n111/n111a06.pdf
  • “Como Ensinar Microbiologia, com ou sem Laboratório”. Paola Gentile. O artigo está disponível na Revista Nova Escola – no 183 – Jun/2005. O endereço eletrônico dá acesso ao texto na integra, vídeos e jogos que podem ser usados como material de apoio: http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0183/aberto/mt_73651.shtml
  • Epidemias no Brasil — Uma Abordagem Biológica e Social, Rodolpho Telarolli Júnior. Ed. Moderna. Tel.: (11) 6090-1500
  • “Higiene e Precauções-Padrão em Creche – Contribuindo para um Ambiente Seguro e Saudável”, in Santos LES (org) Creche e Pré-Escola: Uma Abordagem de Saúde. págs. 31-148. Ed.Artes Médicas. Tel.: (11) 3221-9033.
  • “Para Cada Ambiente um Cuidado Especial”, Damaris Gomes Maranhão e Elza Corsi. Revista avisa lá no 24 – out/2005. Tel. (11) 3032-5411.
  • “Um Ambiente Seguro na Educação Infantil”, Damaris Gomes Maranhão e Eneide Sanches Ramos Vico, in Revista avisa lá no 22 – abr/2005. Tel.: (11) 3032-5411.
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