Uma flor para a borboleta ficar

Como as crianças pequenas constroem significado sobre os seres vivos a partir de conhecimentos mediados por adultos? Em busca desta compreensão, duas pesquisadoras da USP acompanharam e analisaram conversas e desenhos produzidos por uma turma em atividade

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Este artigo nasce de uma investigação que buscou compreender como as crianças pequenas constroem significados sobre os seres vivos, quando elas estão em interação social, acessando diferentes conhecimentos mediados por adultos. Para realizar esta pesquisa, estivemos durante quatro meses na Creche Oeste, localizada no campus da Universidade de São Paulo, na capital paulista. Acompanhamos um grupo de crianças com quatro anos de idade durante as atividades do projeto “Pequenos Animais”, cuja finalidade era possibilitar que as crianças conhecessem um pouco mais sobre os animais de jardim e, em especial, sobre as borboletas.

As atividades propostas pela educadora Cristiane Domingos de Souza foram bastante diversificadas. Ela escolheu materiais informativos ricos em imagens, de modo que as crianças – ainda não leitoras – pudessem fazer suas apreciações e interpretações. As imagens eram apresentadas pela educadora (que lia as legendas e textos complementares) e depois discutidas pelas crianças nas rodas de conversa. As informações eram extraídas de revistas, livros paradidáticos, literatura infantil, poesias e pinturas, além de observações de um viveiro com lagartas mantido na sala de aula, de passeios ao jardim da creche e a um bosque localizado nas imediações.

A educadora criou situações em que as crianças pudessem elaborar os novos conhecimentos por meio de diferentes linguagens expressivas. Ora as crianças desenhavam, ora faziam pinturas ou colagens, ora modelavam com argila ou massinha, ora imitavam. E a todo momento falavam sobre os pequenos animais. Embora nosso maior interesse fosse a coleta dos desenhos e das falas das crianças, procuramos recolher a maior quantidade possível de registros para que pudéssemos descrever adequadamente o contexto em que esses desenhos iam sendo elaborados e as idéias que estavam sendo negociadas pelas crianças. Assim, os registros foram realizados por meio de gravação em áudio e vídeo de rodas de conversa e, em alguns momentos, anotações em caderno de campo e coleta de desenhos produzidos pelas crianças. Posteriormente, foram selecionados alguns episódios e transcritos trechos considerados significativos.

Binômio: desenho e fala
Para fazer a análise dos dados coletados, partimos do pressuposto de que os desenhos são, para as crianças, atividades lúdicas por meio das quais elas gostam de se expressar para compreender o mundo à sua volta. Em outras palavras, os desenhos são uma linguagem que as crianças utilizam para organizar suas idéias, constituindo, portanto, material bastante profícuo para o estudo do processo de significação sobre os seres vivos, uma vez que revelam o pensamento das crianças a respeito do assunto. Vale destacar que os desenhos, nesta pesquisa, algumas vezes complementam as falas, outras são complementados por elas. Em outras situações, ainda servem como estímulo para as conversas, uma vez que, na faixa etária que estamos estudando, as crianças freqüentemente falam enquanto desenham.
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Ainda segundo Vygotsky1, nos primeiros anos de vida, a fala desempenha um papel importante na resolução de problemas, uma vez que é só quando falam que as crianças conseguem solucioná-los. É interessante notar que, nesses casos, as palavras não são emitidas com o intuito de atingir um destinatário externo, mas sim, de organizar o pensamento e as ações da criança, ou seja, ela fala para si mesma. É o que Vygotsky chama de “fala egocêntrica”. Nesta pesquisa, o problema prático que as crianças precisavam resolver era produzir desenhos sobre pequenos animais. Esta tarefa gerou muitas manifestações verbais por parte das crianças. Pareceu-nos, portanto, que as falas constituíam parte integrante dos desenhos. Analisamos, assim, os desenhos e as falas das crianças procurando identificar de que modo elas recombinavam os elementos da realidade conhecida sobre os pequenos animais. Uma realidade que foi sendo conhecida por meio das diversas formas de mediação realizadas pela educadora, pelos materiais informativos e pelas próprias crianças (ler mais abaixo).

Desenhando uma flor
Entre os trechos selecionados, transcritos e analisados, destacamos a seguir situações em que um grupo de quatro crianças conversou durante o tempo todo da produção de um desenho. Anna, Alê, Alex e Jorge realizaram seus desenhos concomitantemente e sempre conversando:

Anna: Eu tô fazendo primeiro uma flor pra colocar a borboleta.
Celi: Ah, legal.
Jorge: Ih, se você faz, eu faço. Se você faz uma flor, eu vou fazer uma flor. Alê: Eu não vou fazer flor.
(…)
Jorge: Agora eu vou fazer o da (…)
Anna: Eu nem fiz.
Jorge: Deixa. Eu vou fazer flor pra borboleta ficar.
Anna: Mas essa eu vou fazer de dia.
(…)
Anna: Fazer uma floooor.
(…)
Jorge: Olha! A flor que dá pra borboletinha ficar, ó. (…)

Ao declarar que vai desenhar uma flor, Anna fala para si mesma como um planejamento de sua ação. Entretanto, quando ouve a declaração da amiga, Jorge inicia um diálogo em que negocia com a menina sobre como cada um deles vai utilizar o significante “flor” em seus desenhos. Em outras palavras, a função da fala primeiro é egocêntrica, passando a ser comunicativa a partir do momento em que Jorge escuta e interage com a menina. Quando o garoto declara para Anna que também irá desenhar uma flor, ela retruca que a sua será feita “de dia”, fazendo, pois, uma diferenciação entre sua flor e a de Jorge.

Apesar dessa diferenciação, nos dois casos a flor significa “um local para a borboleta ficar”, ou seja, não é uma flor qualquer, ela desempenha uma função específica para o contexto em que o desenho é produzido: representar algo sobre o projeto.

É importante ressaltar que as crianças observaram borboletas pousadas em flores no parque e no bosque, viram obras de arte que representavam flores e borboletas, bem como diversas ilustrações em que as borboletas apareciam interagindo com flores.

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Desenho 1 (autor: Alex)
1 – leão
2 – juba
3 – gato
4 – taturana
5 – borboleta
6 – casulo
7 – flor
8 – árvore
9 – mato
10 – joaninha

Larvas e lagartas
Alex: Fazer um gato agora.
(…)
Anna: Num casuuulo.
Jorge: Eu fazer um ca… vermelho do
casulo.Cê tá certo, casulo que eu ia fazer.
Anna: Eu vou fazer um casulão. Olha o casulão!
Jorge: Nem que existe.
Anna: Mas eu vou fazer uma borboleta grannnnde.
(…)
Alex: Eu vou fazer um casulo pequenininho.
Alex: Aqui, casulo pequenininho. Vou fazer outro casulo.
Jorge: Quer fazer aquele casulo.
Anna: Olha o casulão, que eu fiz, qué vê? É um casulo.
(…)
Anna: Aí vai vim um troço… um negocinho bem pequititico. Vai tá arrastando.
Celi: O que isso é?
Alex: Eu vou fazer uma borboleta passando.
Anna: Aí…como é que era… aquilo lá que é…
Jorge: Um casulo que estou fazendo.
Anna: Que que isso mesmo. Ahn. Ahhh, aquelaaa…[risos]
Jorge: Derruba o casulo Anna. Você fica empurrando a mesa toda hora.
Anna: Fica uma é… ahn…uma (setinha)…eu não sei.
Jorge: Uma larvinha, Ana.
Alex: Aqui, esse daqui é o leão, esse é o gato.
Celi: Ah, é uma larvinha?
Anna: É uma larvinha. Isso daqui é uma larvinha, aí ela…
Alex: Aaaaiiiií. Eu vou fazer a larvinha.
Anna: Ummm negócio. Ai, como chama?
Jorge: Eu não lembro. Aqui a larvinha. Casulo!
Anna: Naaaão! Olha o casulo aqui! Larvinha, ué.
Anna: Não, larvinha era essa. Larvinha pequititica.
Anna: É, é a… aí… é a… qual é a… como que chama?
Jorge: Eu não (sei).
Anna: Ah… ah…
Alex: A minhoca.
Anna: É, a minhoca.
Celi: Como é que chama a minhoca da borboleta? La…?
Alex: Eu vou fazer…
Celi: La… la…
Anna: Eu vou fazer, la
Celi: Lagarta, não é?
Anna: Eu vou fazer uma largata. A largata, ela é larga. Depois ela vai comê um montão… Gorducha….folha que tava aqui, montão de folha, montão, montão, montão.
(… achei)
Anna: E ela comeu um montão, comeu,
comeu. E aí ela ficou dentro do casulo.
[Criança fazendo alguns sons]
Anna: Ficou dentro do casulo, e virou uma borboleta.
Jorge: Ah, fiz o casulo depois de você. Haha.
Anna: Deixa.
(…)
Anna: Eu tô fazendo borboleta.

Alex inicia a interação, desinteressado dos pequenos animais. Utiliza a fala com função egocêntrica, declarando que vai fazer um leão e depois um gato, não provocando nenhuma reação dos colegas. Provavelmente, isto ocorre porque o “leão” e o “gato” não despertam nenhum interesse nas outras crianças, uma vez que sua atenção está voltada para as borboletas. Quando Anna usa o mesmo recurso, recorrendo à fala egocêntrica para desenhar o casulo, Jorge mais uma vez interage, discutindo sobre a coerência da representação de um casulo grande (que não existe, mas pode ser desenhado se a borboleta também for grande) e Alex, ao escutar a palavra “casulo”, volta sua atenção para os pequenos animais, passando a desenhar figuras relacionadas a borboletas.

Mais uma vez, fica evidente a alternância de funções desempenhadas pela fala na interação e de como a fala de uma criança interfere no pensamento das outras. É interessante notar que Alex não só decide falar sobre casulo como ele já inicia sua participação dentro do contexto que está sendo negociado: O tamanho do casulo. Parece-nos que a palavra “casulo” altera o campo perceptivo de Alex, uma vez que o menino deixa de “visualizar” os felinos e passa a fazer imagens mentais relacionadas às borboletas, permanecendo nesse tema até o final de sua produção.

Anna está representando o ciclo de vida das borboletas e não consegue se lembrar da palavra “larvinha”. Suspende o lápis distanciando-o do papel até o momento em que Jorge pronuncia a palavra que a menina estava procurando. A situação se repete com relação à lagarta até quando Alex, na tentativa de ajudar a amiga, diz a palavra “minhoca”, a qual é imediatamente aceita, possibilitando a continuação do desenho.

Esta situação evidencia a importância da nomeação para esta menina e como a fala realmente serve para regular sua ação, uma vez que Anna só consegue prosseguir com seus traçados no momento em que encontra a palavra que considerava adequada. Assim, fica evidente que “minhoca”, para as crianças, é sinônimo de lagarta ou taturana, o que não é de se estranhar, uma vez que as minhocas são animais que se arrastam (tal como na descrição feita pela menina), têm o corpo alongado e vivem nos jardins, tal como as taturanas e lagartas.

Ao dizer “um negocinho bem pequititico que vai tá arrastando” para descrever a larvinha, a menina deixa evidente que o tamanho do animal e seu modo de locomoção são aspectos significativos para ela. Quando é pronunciada a palavra “lagarta” como alternativa para “minhoca”, Anna apropriase do termo dando-lhe mais sentido por meio da inversão de letras: “Eu vou fazer uma largata. A largata, ela é larga. Depois ela vai comer um montão… Gorducha… folha que tava aqui, montão de folha, montão, montão, montão”. Em episódios anteriores, Anna torna evidente que considera a alimentação imprescindível para a sobrevivência, e aqui a alimentação parece estar também associada à idéia de crescimento e desenvolvimento, uma vez que há uma distinção entre a larvinha (pequititica) e a lagarta (gorducha), a qual come vorazmente. Depois de “comer um montão”, a lagarta ficou dentro do casulo e virou borboleta, ou seja, a alimentação parece ser considerada por essa criança como condição para o desenvolvimento. É interessante também observar que, embora “casulo” corresponda a uma fase do ciclo de vida das borboletas, é mencionado pelas crianças no sentido de um abrigo. É mais um “lugar para a borboleta ficar”. Só que este local tem a função de proteção, acolhimento, repouso.

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Desenho 2 (autora: Anna Carolina)
1 – casulo
2 – larvinha
3 – lagarta
4 – um “monte” de folhinhas
5 – borboletas
6 – flor para as borboletas ficarem
7 – joaninha filha
8 – joaninha mãe
9 – caminho para as joaninhas se encontrarem
10 – comidinha para a lagarta comer dentro do casulo

Alimentando o casulo
Alex: Aqui, olha. Agora eu vou.
Anna: Agora eu vo…. Vai (ter) borboleta?
Eu tenho um montão…, eu tenho, um, dois, três, quatro, cinco.
Jorge: Você tem mais do que eu, Ana.
Anna: Eu tenho… Seis. Eu tenho duas.
Jorge: Anna, você tem mais do que eu.
Anna: É.
Jorge: (Meu) tenho mais do que eu.
Anna: Eu sei.
Alex: Que que isso?
Anna: Que que é isso daí, Alê?
(…)
Anna: Ela tá sobrevivendo aqui, a borboleta.
(Disse indicando o casulo que havia desenhado – desenho 2, item 1)
Celi: Tá sobrevivendo?
Anna: Tá. Por causa que eu tô fazendo uma bolinha prá elas comer.
Celi: Tá. Ah, e ela come quando tá dentro do casulo.
Anna: É.
Celi: É. Hum…
Anna: A minha come.
Celi: A sua come.
Alex: Deixa eu ver…
Anna: Mas de verdade não come…Você pintou a mesa!
Anna associa a idéia de sobrevivência à alimentação.

Ainda que ela saiba que a borboleta “de verdade” não come quando está “dentro” do casulo, afirmou que “a minha come, mas a de verdade não come”. Em outras palavras, para a menina, não parece fazer sentido que exista um ser vivo que possa sobreviver sem comida. Assim, incluir a comida dentro do casulo que desenhou é um modo de dar um sentido às informações que talvez lhe parecessem incoerentes. Assim, ela utiliza sua capacidade imaginativa para reorganizar os elementos da realidade.

Em uma roda de conversa ocorrida semanas antes deste episódio, a menina revelou uma hipótese sobre o casulo que estava sendo cultivado em um terrário na sala de aula: a lagarta que estava dentro do casulo saía para comer folhinhas à noite e por isto ninguém a via comer, pois todos iam para casa e não ficavam na creche nesse horário. Ainda que a menina imite a realidade representando as diversas fases do ciclo de vida, o apetite voraz da lagarta, a diferença anatômica entre as etapas da borboleta e as flores para a borboleta ficar, ela apropria-se destas informações atribuindo sentidos coerentes com sua realidade interna: é preciso comer para se manter vivo. Mais uma vez, reforça-se a idéia de casulo como compartimento ou habitação.

“Bolinhas”
Alex: Ó, ó, olha aqui é a bolinha. É a bolinha.
Celi: E pra que que servem essas bolinhas,
Alê, Alex.
Alex: É pra crescer a taturana. É pra crescer a taturana? É.
Anna: Vamos lá brincar?
Alê: Vamos.
Celi: Que que a tarana, taturana… que que essas bolinhas fazem?
Alex: A tatulana entra aqui nas bolinhas e depois elas vira borboleta.
Celi: Ah, dentro das bolinhas.
Jorge: É o casulo, não é Alex?
Alex balançou a cabeça afirmativamente.
Celi: São os casulos, então essas bolinhas? Ô, Alex, que bacana.

Anna e Alex utilizam a palavra “bolinha” atribuindo significados diferentes. Para a menina, as bolinhas representam alimento enquanto que para o garoto elas representam o casulo. Apesar desta diferença, parece-nos que o fato de Anna ter pronunciado a palavra bolinha fez o menino lembrar do significado que ele atribui à palavra e decide desenhar “as bolinhas onde a taturana vira borboleta”. Jorge, ao ouvir a explicação de Alex, contribui nomeando as bolinhas conforme as informações que foram sendo adquiridas no decorrer do desenvolvimento do projeto: as bolinhas se chamam “casulo”.

Isto evidencia que para esta criança o termo casulo é realmente muito significativo. Foi justamente esta palavra que o fez iniciar a seqüência de representações de borboletas em várias etapas do ciclo de vida e agora, mesmo sem utilizar esta palavra, foi a lembrança de seu significado que o fez iniciar a seqüência de “bolinhas”. Há uma representação de casulo que consiste em um traço em torno da borboleta adulta (ver desenho 1, item 6). Este tipo de desenho aparece diversas vezes nas produções de outras crianças. Talvez isto indique que as crianças reconhecem o fato de que, mesmo mudando de aspecto, todas as fases da vida correspondem ao mesmo animal.

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Desenho 3 (autora: Alê)
1- borboletas
2- casulo
3- árvore

Algumas conclusões
Percebemos que as crianças utilizam-se intensamente da linguagem verbal ao realizar seus desenhos em grupo. Esta linguagem desempenha ora a função egocêntrica, regulando as ações das crianças, ora a função comunicativa, proporcionando-lhes oportunidades de fazer negociações sobre os sentidos das palavras e criar novas associações. Fica muito claro que à medida que vão proferindo novas palavras, as crianças interferem umas nos desenhos das outras, uma vez que cada palavra abre uma nova rede de idéias e possíveis imagens mentais, alterando significativamente o campo de atenção e de percepção. Assim, não é por acaso que vários elementos se repetem em vários desenhos, como por exemplo o casulo, a flor, a lagarta e a borboleta. Certamente, se as mesmas crianças tivessem sido convidadas para desenhar individualmente, produziriam desenhos muito diferentes.

No episódio analisado, as palavras se revelaram muito potentes para desencadear lembranças significativas. Temos como exemplo as palavras “flor”, “casulo”, “minhoca” e “lagarta”. Ao observarmos as explicações das crianças sobre seus desenhos, parece-nos que as borboletas (como seres vivos) assumem as seguintes características:

  • Precisam ser alimentadas.
  • Necessitam de um lugar para ficar.
  • O lugar em que ficam tem elementos naturais.
  • Apresentam diversas fases de vida.
  • Possuem asas.
  • Apresentam segmentação do corpo.
  • Os casulos são considerados como moradias ou
  • compartimentos em que as lagartas ficam até virarem borboletas.

Nossa análise nos leva a acreditar que é fundamental que as crianças possam fazer suas primeiras aproximações aos conhecimentos sobre os seres vivos por meio de acesso a fontes diversificadas de informações. Também é essencial garantir que tenham o direito de se expressar em diferentes linguagens, em interação com outras crianças. Deste modo, elas têm as oportunidades necessárias para fazer negociações, apropriar-se dos significados das palavras, compreender os contextos em que são utilizadas e construir conhecimentos sobre os seres vivos.

(Celi Rodrigues Chaves Dominguez, bióloga e doutora em Educação e atualmente trabalha com Formação de Educadores e Silvia Frateschi Trivelato, professora da Faculdade de Educação – USP/ Departamento de Metodologia do Ensino/ Área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática)

Artigo originalmente intitulado: O processo de atribuição de significados aos seres vivos na Educação Infantil a partir dos desenhos e falas produzidos para representar pequenos animais durante o desenvolvimento de um projeto na Creche Oeste – disponível no endereço eletrônico: http://www.fc.unesp.br/abrapec/venpec atas/conteudo/artigos/3/doc/p741.doc

1Psicólogo e pesquisador russo (1896-1934).

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Desenho 4 (autor: Jorge
1- flor prá borboleta ficar
2- borboletas
3- casulo
4- joaninha

Conquista da linguagem

Por meio do domínio da linguagem, segundo Vygotsky, cada pessoa torna-se capaz de extrapolar suas capacidades sensoriais ampliando sua percepção do mundo. Isto porque apenas é possível acessar imagens, cheiros, sons e sensações distantes no tempo e no espaço com a utilização da linguagem e dos recursos de memória. Assim, mesmo de olhos fechados, somos capazes de “ver” uma paisagem que nos é descrita por um narrador ou uma situação que vivenciamos tempos atrás. Esta alteração no campo perceptivo só é possível porque conhecemos os significados e sentidos das palavras em cada contexto, o que nos permite “visualizar” uma árvore quando vemos esta palavra escrita em algum lugar. Na pesquisa descrita neste artigo, quando as crianças foram desafiadas a desenhar “algo sobre o projeto” na verdade o que foi proposto para elas era que “visualizassem” as informações e imagens sobre os pequenos animais que haviam registrado na memória e nos revelassem, por meio de seus desenhos e falas, aquilo que para elas era mais significativo e de que modo interferiam nos campos perceptivos e de significação umas das outras, já que falavam entre si durante todo o tempo em que desenhavam. Portanto, os desenhos são também o resultado dessas interações.

Vygotsky afirma que “signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividade nas crianças”2. Dizendo de outro modo, além de desempenhar a função de regular a ação das crianças enquanto executam tarefas práticas, a fala também desempenha a função comunicativa, uma vez que é por meio do uso da linguagem nas mediações e no contato social que os significados e sentidos são negociados e internalizados e as crianças têm oportunidades de re-significar os conhecimentos aos quais têm acesso. Vygotsky ressalta ainda que toda produção criativa se dá por meio da combinação, ou, melhor dizendo, da recombinação de elementos da realidade por ação da imaginação. Afirma que quanto maior a quantidade de experiências vividas, maior a possibilidade de se fazer produções criativas, pois quanto maior a quantidade de elementos conhecidos, maior a possibilidade de fazer combinações.

2A Formação Social da Mente. VYGOTSKY, L. S. Trad.Grupo de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos. Livraria Martins Fontes. 1984.avisala_29_borbo1

Ficha técnica

Universidade de São Paulo – Faculdade de Educação – Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada – Avenida da Universidade, 308 – Cidade Universitária – Butantã – São Paulo – SP. CEP: 05508-900 – Site: www.fe.usp.br

Celi Rodriguez Chavez Dominguez – E-mail: celidom@terra.com.br

Silvia Frateschi Trivelato – E-mail: slftrive@usp.br

COSEAS – USP Divisão de Creches – Creche Oeste – Av. Almeida Prado, 1280 – Cidade Universitária, São Paulo – SP. CEP: 05508-901 – Tel.: (11) 3091-4807 / 3091-4999 – Site: www.usp.br/coseas

Para saber mais

Livros

  • A Entrevista com a Criança – A Abordagem da Criança Através do Diálogo, do Brinquedo e do Desenho, J. C. Arfouilloux. Ed. Zahar. Tel.: (21) 2108-0808.
  • A Formação Social da Mente, L. S. Vygotsky. Ed. Martins Fontes. Tel.: (11) 3241-3677.
  • Formas de Pensar o Desenho: Desenvolvimento do Grafismo Infantil, E. Derdik. Ed. Scipione.Tel.: 0800161700.
  • O Espaço do Desenho: a Educação do Educador, A. A. A. Moreira. Ed. Loyola. Tel.: (11) 6914-1922
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