Observação como instrumento de trabalho

Quando a coordenação pedagógica analisa a prática do professor contribui com a aprendizagem dos alunos
Fauna local

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A observação é um valioso recurso para a coordenação pedagógica1 e, a cada dia, ganha mais espaço quando se enxerga a escola como locus de formação continuada2. É com esse objetivo que este texto foi organizado. Sua função é expor as diferentes maneiras de análise do ofício docente com vistas a contribuir para a sua prática, além de exibir outros instrumentos disponíveis para o coordenador que, no caso, faz o papel de formador.

Trabalho parceiro
O coordenador pedagógico não deve se preocupar somente com as atividades que são desenvolvidas com os estudantes. Também é sua tarefa considerar o que acontece em sala de aula, junto ao professor. Essa atitude não tem como meta fiscalizar os afazeres alheios, mas sim acompanhar e auxiliar a caminhada dos profissionais dentro da instituição. Dessa maneira, a observação se transforma em um meio que possibilita analisar o que cada aluno responde em relação aos conteúdos escolares e ao encaminhamento da ação pedagógica.

O formador deve instruir os membros de sua equipe e contribuir com o projeto político-pedagógico da escola. Isso significa acompanhar o dia-a-dia do docente, seu planejamento, orientá-lo de acordo com a proposta escolar e não deixá-lo agir intuitivamente. É preciso que cada um tenha clareza em relação ao objetivo e à sua respectiva classe. É fundamental planejar as estratégias de ação de maneira individualizada. A formação é permanente e em serviço. Para isso, o líder técnico da equipe de professores deve se atentar às reais necessidades de cada um acerca da prática que desenvolve e indicar boas fundamentações técnicas. Ao agir assim, a escola contribui para a autonomia intelectual de seus profissionais.

Do mesmo modo que o professor planeja diariamente o que vai fazer, o formador também o faz. É essencial registrar o que se pretende para o ano, de acordo com as decisões coletivas e em sintonia com a proposta escolar, bem como organizar as ações que desenvolverá para garantir que os objetivos sejam alcançados. Esse currículo de formação, que atende às necessidades do corpo docente, deve ser precedido de um diagnóstico que mapeie os conhecimentos prévios do grupo e de cada um, cujo movimento pode ser ora do plural para o singular, ora do indivíduo para a coletividade.

Uma boa opção é escrever o que se pretende fazer em cada tipo de ação a ser desenvolvida durante as reuniões pedagógicas, as orientações individuais de devolutiva, as pautas de observação e as planilhas de avaliação que cada professor tem em relação à sua turma e a cada aluno. É preciso ter sempre conteúdos didáticos para serem discutidos visando analisar os avanços dos estudantes e o que poderá ser feito para solucionar eventuais problemas.

Grupo de coordenadoras pedagógicas em ação (Arquivo da Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande/MS

Grupo de coordenadoras pedagógicas em ação (Arquivo da Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande/MS

Recursos de trabalho
Os instrumentos do coordenador possibilitam o diálogo constante com o professor, sem perder o foco da ação. Os registros, além de favorecer o acompanhamento de cada turma, auxiliam a reflexão da própria atuação do coordenador. Favorece a introdução de elementos instigantes que possibilitam avanços na prática pedagógica de todos.

Entre eles destacamos:

  • Caderno de planejamento de cada professor e o seu próprio.
  • Registro docente sobre os alunos.
  • Relatório de cada turma sobre as atividades desenvolvidas em um período (no bimestre, por exemplo).
  • Documento interno: combinar que a cada período um aspecto didático será observado em sala de aula. Trocar os registros, estudar o conteúdo escolhido com vistas à fundamentação e suprir as necessidades dos professores são caminhos possíveis para se melhorar a prática. A partir do estabelecido, listar os conteúdos para as reuniões de estudo.
  • Observação de classe (detalhado no texto acima).
  • Reunião de estudo: deve acontecer com regularidade na escola e ser planejada com vistas a atender às necessidades didáticas do grupo.
  • Reunião de planejamento: momento em que o coordenador atua diretamente com sua equipe de professores, na organização dos planos de aula.

Intencionalidade pedagógica, observação da sala de aula e bons instrumentos de registro da prática, favorecem uma ação pedagógica cada vez mais eficiente.

(Liliana Gonzaga de Azevedo Martins, técnica da Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande–MS e professora do curso de Pedagogia do Instituto Superior da Fundação Lowtons de Educação e Cultura-FUNLEC, de Campo Grande-MS)

1Parte deste artigo baseia-se nas idéias de Vânia Marinceck, formadora da Escola da Vila, em São Paulo – SP, que ministrou curso sobre Coordenação Pedagógica, em 1995.

2Entendem-se por formação continuada as reuniões pedagógicas e os encontros individuais com os professores. Essas ações são desenvolvidas no interior da escola e fora dela com o objetivo de contribuir para a atuação docente.

Detalhando a observação3

A observação da sala ao vivo ou por meio de filmagem é um recurso do formador, e não uma ação de fiscalização uma vez que tem por objetivos:

  • Auxiliar na construção de conhecimentos didáticos – pois ajuda a prever bons encaminhamentos e a corrigir problemas.
  • Favorecer a explicitação do conhecimento que está sendo construído pelos alunos e professores.
  • Tornar visíveis conteúdos e atuações que ainda não são observáveis ao professor.

Condições prévias
O foco do que será observado deve ser combinado previamente com o docente, após a permissão para analisar sua aula. Para garantir que a ação não se desvirtue, é importante elaborar previamente um roteiro. A devolutiva para o professor deve permitir que ele avance em sua prática em consonância com o projeto pedagógico da escola. O coordenador que acompanha uma determinada atividade tem por função auxiliar o professor a refletir sobre o seu desenrolar, lançando luz principalmente sobre as intervenções didáticas e as aprendizagens e ou dificuldades dos alunos.

Coordenadoras pedagógicas em formação

Coordenadoras pedagógicas em formação

Cuidados para um bom roteiro
É necessário garantir alguns aspectos:

a) O observador deve compartilhar com o observado suas pautas.

b) O registro (escrito, gravado ou filmado) das visitas precisa ter:

  • Descrição do conteúdo a ser trabalhado e das aprendizagens envolvidas
  • Encaminhamento da ação Consigna dada pelo professor
  • Intervenções docentes
  • Ação e fala dos alunos
  • Comentários (se apropriados)

c) É necessário variar o registro para ampliar olhares.

d) O professor deve ter sempre o retorno da visita/observação. É importante que seja discutido tudo que puder ser revertido em avanço no seu processo.

e) O docente pode contribuir para sua autoformação, assistindo, analisando e comentando com o coordenador uma aula sua que foi filmada.

f) Socializar as observações de mesmos encaminhamentos: roda de leitura pelo professor, produção de texto coletivo etc. Filmar, nas diversas classes da escola, a mesma situação, apresentar o vídeo e propor à equipe de professores que extraiam conhecimento a partir das diferentes atuações.

3Essa formação é dada pelo formador local, ou seja, o técnico da Secretaria de Educação encarregado da formação de coordenadores pedagógicos.

Outro olhar sobre observação

A formação inclui a observação em sala das atividades realizadas por professores com crianças. Ela é uma importante estratégia e consiste em fazer observações semanais, que são, posteriormente, discutidas em conjunto. Por sua própria especificidade, essa estratégia é a que mais dados fornece para a intervenção junto ao docente, pois nela não se verifica o desenvolvimento do trabalho exclusivamente no plano do discurso falado ou escrito, mas essencialmente nas interações, atitudes, valores, objetivos e intervenções, tendo, por isso, um papel fundamental no processo de transformação das práticas (Estrela, 1994).

Construção de observáveis
É importante, no entanto, especificar um pouco mais a qualidade da observação aqui defendida como estratégia formativa. Ela não supõe apenas ver, ouvir, perceber e descrever o que está ocorrendo. Talvez por isso Jean Piaget (1977) não diga observação, mas construção de observáveis, que ultrapassa o dado percebido explicitamente e compreende sempre uma conceitualização já encaminhada na direção da interpretação. Isso inclui refletir, inferir, levantar hipóteses, discutir, confrontar pontos de vista, argumentar e significa que uma observação nunca é independente dos instrumentos de assimilação de que dispomos e que esses não são apenas perceptivos e sim condicionados por nossas coordenações anteriores (conhecimentos prévios, concepções, valores etc.).

Trabalhar dessa maneira, supõe que o formador tenha um domínio mais ou menos complexo de estratégias que favoreçam, na prática, a construção de relações novas que ultrapassam a fronteira do que era observável num primeiro momento (tanto em relação ao processo de construção de conhecimentos pelas crianças, quanto às próprias ações) e que são permanentemente ameaçadas por contradições.

A ampliação do espectro de observáveis para o professor pelo olhar do formador é essencial, pois para que ele possa intervir no real de modo fundamentado terá de saber observar e problematizar, ou seja, interrogar a realidade e construir hipóteses explicativas sobre ela (Estrela, 1994, p.26). É justamente a vivência desse processo que a estratégia de observação de diversas situações educativas oportuniza. Primeiramente, em parceria com o formador e pouco a pouco realizada de maneira autônoma pelo professor, que poderá tornar-se observador (participante) da própria prática.avisala_37_forma2

Essa estratégia demonstra o processo educativo e que há uma parte de imprevisto em toda ação, mesmo que planejada. Eles são constituintes da relação de ensino e aprendizagem. Mostra que a prática também é um campo de experimentação onde cada decisão tomada altera o rumo dos acontecimentos, às vezes de maneira radical, não sendo possível, portanto, prever e controlar totalmente as ações, pois nem todos os processos de pensamento das crianças e suas interações são possíveis de antecipar. Há aspectos da interação que são criados no jogo da própria interação. Por outro lado, permite passar de um nível de atuação intuitivo ou rotinizado para um de reflexão crítica, ajudando a criar uma atitude investigativa, pela problematização do real e construção de hipóteses explicativas que dessem conta das contradições no encaminhamento das atividades. Isso pode ser visto, por exemplo, em um dia que o professor propõe uma atividade de escrita de uma lista de bichos para crianças de 6 anos, mas ele mesmo escreve o nome dos pequenos em suas folhas. Isso é, algumas vezes os considera escritores, outras não.

A observação em sala tornou-se também um importante momento de avaliação do alcance do processo de formação, dado que possibilita fazer uma leitura das possíveis transformações já ocorridas, ou não, na prática até aquele momento e também conhecer a evolução individual sofrida nesse período.

(Fonte: Era assim, agora não… uma proposta para formação de professores leigos, de Regina Scarpa. Ed. Casa do Psicólogo. Tel.: (11 3034-3600)

Ficha técnica

Programa: Além das Letras
Coordenadora: Beatriz Gouveia
Consultoras: Rosinha Monsanto e Débora Rana
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Realização: Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande – MS.
Endereço: Rua Onocieto Severo Monteiro, 460 – Campo Grande – MS. CEP: 79023-200. – Tel.: (67) 3314-3843 – E-mail: soe.semed@pmcg.ms.gov.br

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