Jogos de Percurso – Contribuições para o ensino da matemática na educação infantil

Jogos de percurso envolvem basicamente a sorte. Assim é o tradicional jogo do ganso e todas suas variações; trilhas simples em que os peões avançam de acordo com o número dos dados até a casa final. Para participar é preciso conhecer as regras e saber respeitar a vez de cada um jogar. Na educação infantil, entretanto, além dessas aprendizagens, os percursos também são utilizados para o trabalho didático com a seqüência numérica

Embora a maioria dos percursos seja jogos de sorte, há alguns que envolvem também estratégias: caracterizam-se por exigir do jogador a necessidade de optar e tomar decisões a cada jogada. É o que acontece com o ludo. (Os melhores Jogos do Mundo Ed. Abril)

O jogo puro e autêntico é uma das principais bases da civilização”, dizia Huizinga em seu livro Humo Ludens. Sempre teve espaço garantido na educação infantil. No entanto, no espaço educativo, esta atividade pode estar ligada a outras aprendizagens além de levar a conhecer regras e saber respeitar a vez de jogar. Participar de jogos de percurso ou mesmo confeccionar tabuleiros para jogar coloca para as crianças desafios que podem ajudá-las a pensar e compreender a complexidade do sistema numérico.

O mais simples percurso, aquele em que as crianças precisam avançar casas de acordo com os números tirados no dado, apresenta, no mínimo, o desafio de recitar a série numérica, de contar e de somar, avançando de um em um. Trilhas mais complexas levam as crianças a aprender mais sobre relações de ordem numérica, contagem, leitura dos números e operações de soma ou subtração.

E, ainda, buscar soluções, estabelecer relações, refletir, argumentar e validar seus conhecimentos. Como se vê, existem muitos conteúdos envolvidos mas podem não ser igualmente importantes para cada turma. Existem jogos melhores para trabalhar com as operações, outros para apresentar a seqüência numérica etc. Os tabuleiros e as regras podem variar de acordo com os objetivos didáticos que o professor pretende alcançar. Portanto, cabe a ele decidir quais são os conteúdos significativos para o grupo com o qual trabalha.

Jogos para iniciantes
Em relação às crianças menores, que tem por volta dos 3 anos, é importante lembrar que elas estão começando a aprender a compartilhar: a seguir regras coletivas como, por exemplo, saber esperar a vez. É mais importante

trabalhar com esses conteúdos do que insistir com os da matemática que não são tão estruturantes para elas. Portanto, é interessante escolher ou confeccionar jogos simples, com percurso mais curto, que lhes dê a possibilidade de brincar até o final da partida sem esperar por muito tempo. É importante considerar também o tema do jogo. As crianças dessa faixa etária apreciam muito o faz-de-conta. Portanto, percursos contextualizados a partir de contos de fada ou outras histórias que estimulem o imaginário infantil costumam atrair a atenção das crianças. No lugar dos tradicionais peões pode-se usar pequenos bonequinhos, carrinhos, lembrancinhas de festa que tenham a ver com o tema escolhido.

Jogos mais complexos
Os jogos em que a série numérica indica o caminho a ser seguido podem
ser propostos para os que já têm uma certa familiaridade com as regras e conhecem a estrutura desses percursos. Eles podem utilizar o dado convencional de seis faces ou outros tipos – com algarismos convencionais, com oito ou doze lados etc. – que levam as crianças a lidar com quantidades acima de seis. O professor também pode propor uma seqüência didática em que as crianças se envolvam na confecção dos jogos e passem a pensar sobre os números. Elas podem aprender, por exemplo:

  • a ditar uma série numérica para a professora escrever ou ainda consultando ou não fita métrica, tabela numérica, calendário, régua.
  • a ler e ordenar os números.
  • a ler, ordenar e completar números vizinhos, considerando o antecessor e o sucessor.
  • a escrever a série numérica.

O conhecimento da série numérica passa por diferentes estágios, de acordo com as competências das crianças. O professor propõe intervenções em função do que avalia que elas precisam aprender.

Intervenções sobre a série numérica
Um professor que tenha constatado que as crianças de sua turma sabem contar, isto é, recitam a seqüência –, mas não sabem nem ler nem escrever os números, pode escolher, por exemplo, trabalhar com a escrita da série numérica. Nesse caso é interessante que as próprias crianças confeccionem o tabuleiro. O professor deve compartilhar este objetivo ajudando o grupo na produção dos jogos, sem, contudo, fazer pelas crianças pois isso tira delas a oportunidade de resolver os problemas que surgem ao confeccionar.

Numa sala heterogênea, em que as crianças tenham níveis diferentes de
conhecimento sobre a série numérica, é possível oferecer diferentes tipos de ajuda, como mostra a tabela abaixo:

Nível 1

  • O que fazem as crianças:  Ditam a série numérica e desenham a trilha.
  • O que faz a professora:  Escreve a seqüência ditada pelas crianças.

Nível 2

  • O que fazem as crianças:  Escrevem a série numérica consultando um portador numérico e desenham a trilha.
  • O que faz a professora:  Oferece uma quantidade exata de casas brancas, referente ao intervalo numérico que será trabalhado para que as crianças preencham.

Nível 3

  • O que fazem as crianças:  Ordenam a série numérica, completam os números que faltam, desenham a trilha e programam os obstáculos.
  • O que faz a professora:  Escreve alguns números da série para que as crianças completem o restante.

Para as crianças que vão escrever os números (níveis 2 e 3), por exemplo, o professor oferece um portador numérico – a régua ou o calendário – para ser usado como fonte de consulta: uma criança que não sabe ler 15, mas sabe recitar até 15, pode recorrer ao portador, contar de um em um apontando para os números e assim, graças à seqüência memorizada, encontrar a escrita convencional do número que procurava.

Há diferentes níveis de desafio: se o percurso tiver apenas trinta
números, as crianças terão apenas que copiar os números do portador . Mas, se ele tiver oitenta ou mais, elas terão que consultar o que já escreveram e deduzir o que vem depois para completar. A escrita dos números antecessores possibilita a dedução de como se escreve o número desejado.

Por exemplo: a criança tem uma tabela até 40 e precisa escrever até o 65. Se o 21 se escreve com o 2 e o 1, o 31 com o 3 e o 1, como será que se escreve o 41? Este problema vai lhe exigir uma reflexão maior sobre as regularidades do sistema de numeração, que lhe permitirá, em ocasiões futuras, escrever a série numérica com autonomia, sem recorrer ao apoio de um portador numérico.

Situações-problema geradas pelo jogo
Existe ainda a oportunidade de o professor trabalhar com situações-problema a partir das jogadas. Ele pode registrar suas observações e discutir depois com o grupo. Por exemplo:

– Estou na casa 4. Se eu jogar o dado e tirar 6, em que casa vou parar?

– Estou na casa 15. Joguei os dados, tirei 5 e 3. Na casa 23 tem um
obstáculo que me fará perder a próxima jogada. O que fazer?

Também é possível pensar em intervenções em que as crianças tenham que somar ou subtrair para avançar com seus peões. A oferta de dois dados em vez de um só pode gerar boas situações de aprendizagens como, por exemplo:

As crianças podem somar juntando os dois números, utilizando a contagem ou ainda subtrair o menor número do maior para descobrir quantas casas poderá avançar.

Mas, se o professor pretende avançar além da simples contagem, pode oferecer um dado bem pequeno que impossibilite a criança somar 1 a 1 apontando no dado, levando-a calcular mentalmente a soma das faces.

(Priscila Monteiro, 1 Formadora do Instituto Avisa lá – Parte integrante da equipe de elaboração do Referência currículo para Educação Infantil, MEC, 1999)

Dicas do professor para confeccionar jogos com as crianças

Os percursos que simulam corridas, como os exemplos desta matéria, que têm um ponto de saída e uma trajetória até alcançar o ponto de chegada, são bastante apreciados pelas crianças. Uma variação desta pista pressupõe um ponto de chegada mas vários caminhos, sendo que cada caminho é o destinado a um jogador: todos se encontram no final, mas vence o jogo aquele que chegar primeiro.

Os jogos podem estar contextualizados conforme o interesse do grupo: uma corrida de fórmula I usando como peões carrinhos, uma torre de castelo onde a bruxa prende a princesa e os cavaleiros deverão salvá-la etc.

Existe uma variedade de configurações possíveis para a pista, que
é o próprio tabuleiro – quadriculada, ziguezague, espiral, tortuosa. O professor pode confeccionar com as crianças as pistas e os desenhos que serão temas dos jogos. Combinar as armadilhas também faz parte desta proposta.

Pode-se criar regras com as crianças como, por exemplo:

– Inventar obstáculos que proponham operações do tipo avançar ou voltar.

– Combinar que, se sair no dado um número par, o peão avança aquela quantidade, mas, se sair ímpar, retrocede.

– Introduzir a regra de poder andar para a frente ou para trás, conforme for mais conveniente.

– Propor jogos em equipe para que as crianças possam aprender a tomar decisões em conjunto.

É importante lembrar que esses jogos são coletivos, quer dizer, não
existem tabuleiros individuais. Portanto, é preciso recorrer a um material de boa qualidade, atrativo para as crianças. Os peões podem ser feitos de miniaturas, brinquedos atraentes; etc. O tabuleiro poderá ser feito com papel grosso, como papelão ou papel panamá, e plastificado com cola branca ou contact, para garantir maior durabilidade.

Ilustração: Os melhores Jogos do Mundo

Ilustração: Os melhores Jogos do Mundo

A tradição do jogo de percurso

“O novo e extremamente agradável Jogo do Ganso”. Assim ficou conhecido o tradicional jogo de percurso, que teve sua primeira versão criada, provavelmente, entre 1574 e 1587. Ninguém sabe ao certo porque foi batizado com o nome de Ganso, mas a hipótese mais provável atribui sua origem à Grécia ou a algum outro povo da antigüidade que considerava o ganso um animal sagrado.

Ao que consta, tudo começou com Francisco de Médici, que presenteou o rei Felipe II, da Espanha, com um exemplar do jogo. O rei e toda sua corte adoraram acompanhar as reviravoltas da fortuna, metáfora da própria vida.

Desde então o jogo se difundiu por toda a Europa, aparecendo em inúmeros países com as mais diversas variações. Todos, porém, espirais em direção ao centro onde se encontra a casa 63.

Ao longo da trajetória, os jogadores lançavam um par de dados e avançavam no tabuleiro. Ao encontrar as figuras de ganso (de nove em nove casas) eram premiados podendo avançar algumas casas. Mas, se encontrassem o desvio da fortuna, eram castigados retornando algumas casas ou até mesmo voltando ao ponto de origem.

Pelo mundo todo, o princípio do jogo e o tabuleiro original cederam lugar a vários temas e imagens, explorados como possibilidade de ensino, veículo de propaganda política, religiosa ou comercial, ilustrados com figuras da literatura, religião, política e fatos históricos como a Revolução Francesa, as guerras de Napoleão Bonaparte, etc.

Hoje em dia, os tradicionais jogos de percurso são muito usados nas escolas pelas inúmeras possibilidades de ensino que permitem.

(Os melhores Jogos do Mundo. Ed. Abril)

Para Saber Mais

O Projeto

Em Osasco, SP, a professora Ozelma desenvolveu um trabalho com os jogos de percurso com as crianças de sua turma, de 6 anos. As trilhas que ilustraram esta matéria são alguns dos resultados. Ela planejou suas ações de acordo com o seguinte projeto:

Projeto: Jogos de Percurso

Objetivo compartilhado com as crianças:
Confecção de jogos de percurso para o acervo de jogos da creche.

Objetivos didáticos:

  • Que as crianças conheçam jogos de percurso.
  • Que leiam, organizem e ordenem os números.

Etapas prováveis de trabalho:

  1.   Em roda, levantar o conhecimento prévio das crianças sobre os jogos. Levar alguns jogos e propor que observem e joguem com eles. As crianças deverão reconhecer algumas características desse tipo de jogo e aprender as regras.
  2.  No dia seguinte, retomar com as crianças as regras do percurso que jogaram no dia anterior e propor que observem mais atentamente os componentes que fazem parte do jogo: dados e fichas.
  3. Organizar muitas rodadas, para que as crianças joguem bastante, conheçam melhor as características das trilhas, possibilidades de obstáculos, diferenças entre as regras, etc.
  4. Com a experiência adquirida será possível propor a confecção de jogos apoiando-se nos modelos que elas conhecem. Dividir a sala em três grupos para a elaboração de três jogos de percurso.
  5. Feito o primeiro esboço, combinar momentos para que cada grupo possa fazer tantas revisões de seu jogo quantas forem necessárias, até que fique bom o suficiente para que todos possam entender as regras e conseguir jogar. Nesta etapa, propor intervenções que ajudem tanto no desenho do jogo como na compreensão das regularidades do sistema numérico. É esperado que as crianças consigam ler e ordenar os números.
  6. Ao término, cada grupo deverá mostrar seu jogo para a apreciação da sala.Todas as crianças poderão jogar com os outros percursos. Depois haverá uma troca de jogos com as outras salas da creche.

Orientações didáticas para o trabalho com percursos:

  • Certificar-se de que as crianças conhecem a estrutura do jogo e suas regras.
  • Ler as regras para o grupo antes do início do partida.
  • Ler os textos que indicam obstáculos sempre que as crianças requisitarem.
  • Propor a criação de diferentes textos para os obstáculos.
  • Propor a confecção de jogos em pequenos grupos para que todos possam participar e para que, ao final, possam socializar os tabuleiros com as demais crianças da sala.

Ficha técnica:
Os jogos que ilustram esta matéria foram confeccionados pelas crianças de 6 anos, da turma da professora Ozelma Pereira Santos, da creche Associação das Mulheres em Defesa das Crianças, e fazem parte do projeto de formação desenvolvido por Priscila Monteiro, entre 1999 e 2001, do Instituto Avisa lá/Crecheplan.
Associação das Mulheres em Defesa das Crianças.Av. Presidente
Costa e Silva, 1522, Osasco, SP, 06250-000.Tel.: (11) 3603-8243
Priscila Monteiro: pbm@terra.com.br

Bibliografia literária

  • Os melhores Jogos do Mundo. Ed. Abril. São Paulo. SP. Tel.: (11) 3141-0871
  • Jogos do Mundo. Unicef. São Paulo. SP.Tel.: (11) 3673-9722
  • Produção de notações na criança – linguagem, número, ritmo e melodia.
  • Org. Hermine Sinclair. Ed. Cortez. Cap. Notação numérica da criança. Anne Sinclair.
  • Didática da Matemática. Org. Cecília Parra e Irma Saiz. Ed.Artes Médicas.
  • Jogos em Grupo. Constance Kamii. Ed. Perspectiva.
  • Aprendendo com jogos e situações problema. Lino de Macedo e outros. Ed. Artes Médicas.
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