Antes, durante e depois da leitura em voz alta

Ler para os alunos é uma situação didática que deve ser planejada pelos professores para desenvolver comportamentos leitores
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Praça dos Pioneiros, em Tupã – SP (fotos: acervo pessoal)

O 5º encontro do Programa Além das Letras2, em Tupã (SP), teve como principal objetivo refletir sobre a prática e a intenção dos momentos de leitura em voz alta feita pelo professor: o antes, o durante e o depois. Ao iniciar o encontro, comentamos com o grupo de coordenadoras pedagógicas sobre o texto A última crônica, de Fernando Sabino2. Antes de lermos o texto, perguntamos se elas conheciam o autor, o que gerou uma discussão sobre a importância do contexto de produção. Uma coordenadora, inclusive, disse se sentir intelectual por entender a importância de saber um pouco mais sobre o autor antes de ler sua obra. Definitivamente, antes, essa não era sua preocupação. A leitura foi emocionante, algumas até se lembraram da própria infância.

No momento de indicação literária, foram citados alguns livros, como As crônicas de Nárnia3, Perdas e ganhos4 e Querido papai – Pai amigo e heroi5. Percebemos que os critérios de escolha estavam limitados, apesar dos avanços.

A construção dos diversos saberes que envolvem a formação do leitor é construída passo a passo, tal como parece ter acontecido com o observável, importância dada hoje ao fato de co nhecer o autor. Vale observar que ao escolherem esses autores, utilizaram um critério. Uma alternativa para a formação é saber qual foi o critério empregado e, então, retornar à discussão com o grupo para questionar: por que escolher esse autor, esse título, esse gênero literário? (comentário de Débora Rana)

Com relação ao registro reflexivo, essa ação destacou muito bem os questionamentos do grupo, deixando claros os objetivos de cada atividade. Após a leitura, propiciamos um momento de análise, a fim de apresentar um bom modelo. As coordenadoras continuam avançando e preocupando-se cada vez mais com o conteúdo da escrita do registro.

Todo encontro de formação merece um registro que possa se tornar a memória de estudos e reflexões do grupo. Para que sua construção também reverta em aprendizagem, os formadores, desde o início do projeto, podem combinar com o grupo um revezamento entre os participantes para que estes escrevam o registro de forma alternada. Nele devem conter as reflexões, dúvidas, discussões do grupo e não apenas os encaminhamentos que, por sua vez, já constam da pauta do formador. Todo início de um encontro deve começar com a leitura do encontro anterior, assim como os participantes devem ser convidados a comentar o registro e fazer inclusões caso achem adequado. O trabalho com registro é importantíssimo, não só por contribuir com o percurso escritor, mas também por distanciar as coordenadoras do que foi estudado para, depois, refletir. Se elas avançam nessa produção, sem dúvida, avançam na reflexão sobre o trabalho. (comentário de Débora Rana)

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Formadoras locais e coordenadores pedagógicos

O que se sabe
Após apresentarmos a pauta, retomamos a ação de formação na escola, que consistiu no planejamento feito pelo coordenador e sua equipe sobre leitura em voz alta. A ação foi embasada no texto E depois de ler, fazer o quê?6. As coordenadoras revelaram como fizeram a tarefa. Depois, partimos para a segunda atividade, que consistia na elaboração do texto. Para es se momento, elas sabiam o que queriam dizer, mas tiveram dificuldade para registrar no papel. Por isso, recorreram ao texto lido e aos planejamentos socializados. Também perceberam o quanto evoluíram do momento do planejamento até agora e que, hoje, fariam tudo diferente.

A maior dificuldade, para elas, foi a articulação, naquele momento, entre comportamentos e propósitos leitores. O antes, o durante e o depois eram tidos como um ritual a ser cumprido, tendo dificuldade em ajustá-los aos propósitos.

Os comportamentos leitores são conteúdos a serem ensinados. Portanto, o professor precisa ter conhecimento do que venha a ser o “comportamento leitor” e colocá-los em prática. Antes de ensinar este conteúdo, ele deve ter claro quais são os objetivos (propósitos) que se quer atingir com a leitura. A leitura em voz alta pelo professor deve garantir três momentos: o antes, o durante e o depois. Antes da leitura, ele poderá explicitar seus motivos de escolha (critérios de escolha), apresentar o contexto de produção (sobre a vida do autor, o gênero, o interlocutor, o veículo onde circula), antecipar o que se vai seguir na história, utilizando a estratégia de antecipação. Durante a leitura, o leitor deve fazê-la com entonação, emoção, lendo sem substituir as palavras, de modo a propiciar o entendimento no contexto. O momento após a leitura oportuniza que os alunos possam discutir sobre o texto, colocando suas impressões pessoais (construir sentidos), estabelecer relações com outros textos, retomar trechos da história para confirmar dúvidas e trechos que mais gostaram. A maior dificuldade encontrada no trabalho dos professores é ter claro o propósito da leitura, que está sendo construído aos poucos por meio de estudo e de práticas e intervenções realizadas em sala de aula. Assim sendo, compete ao professor ser modelo leitor e criar situações em que as crianças possam agir como leitores para que desenvolvam comportamentos leitores, manifestando suas impressões, emoções e desejos e se comportem como cidadãos que pensam sobre o mundo em que vivem7.

No texto anterior, vale destacar que é necessário mesmo iluminar o planejamento da leitura em voz alta feita pelo professor. Na maioria das vezes, essa situação didática acontece sem nenhum planejamento, pois na concepção mais leiga, para ler, basta abrir um livro. Também é interessante apontar a articulação das coor denadoras. Creio que elas já compreenderam que comportamento leitor é algo que se ensina, que o caminho é a possibilidade de participar de situações de leitura e que conseguem formular isso por escrito. Podemos comemorar! (comentário de Débora Rana)

Para o mapeamento do conhecimento prévio, organizamos as coordenadoras em dois grupos, cada um deles formado por três pessoas: duas planejaram a leitura e uma observou os momentos desde o planejamento. Para essa atividade, disponibilizamos nosso acervo literário e a internet para as pesquisas sobre o contexto de produção. A primeira dupla apresentou como propósito conhecer a autora Ana Maria Machado, e leram o livro Eu era um dragão8. A segunda dupla teve como objetivo desenvolver o comportamento leitor. Para isso, leram a crônica Minhas gestantes9. As observadoras registraram o seguinte conhecimento prévio:

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Propusemos a leitura individual do texto Ler para as crianças – O encantamento das palavras10. Para esse momento, entregamos o quadro anterior preenchido com o conhecimento prévio do grupo. Assim, à medida que iam lendo o texto, poderiam acrescentar o que achassem necessário. As anotações em cinza claro são os acréscimos:

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Propósitos e ações
O vídeo Leitura pelo professor mostra a leitura em voz alta realizada pela formadora Renata Frauendorf, do Instituto Avisa Lá, para uma turma de crianças da creche do Instituto Adolpho Lutz. Utilizamos este vídeo para analisarmos uma boa situação de leitura considerando o antes, o durante e o depois, e as aprendizagens envolvidas nestes momentos. Propusemos que as coordenadoras analisassem o quadro com as ações referentes ao antes, ao durante e ao depois da leitura, considerando os seguintes questionamentos:

Destaque os objetivos (propósitos) de cada momento da leitura: o que o aluno pode aprender? Que outros comportamentos (ações) poderiam ser acrescentados a essa prática? Com o primeiro questionamento, queríamos que elas tivessem clareza sobre o que se ensina em cada momento. Quanto ao segundo, o objetivo era explicitar todos os comportamentos que podem ser desenvolvidos durante a leitura. Apesar de terem apontado todos eles, ficou muito claro para as coordenadoras que, de acordo com o propósito da leitura, é preciso valorizar determinados comportamentos e procedimentos para que se consiga atingir o objetivo proposto.

As educadoras pensavam que o antes, o durante e o depois consistiam em um ritual no qual todos os comportamentos deveriam estar presentes o tempo todo. Com esse encontro, puderam construir a articulação entre propósitos e comportamentos leitores. O quadro relacionado à atividade com o vídeo ficou assim:

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Quanto à análise da pauta, as coordenadoras passaram a ter clareza sobre as finalidades de cada momento, embora ainda elaborem-na coletivamente. Isso é um problema? São seis coordenadoras ao todo. Porque temos a impressão que sabemos o que todas sabem, mas não o que cada uma sabe, estamos preocupadas se esse momento de elaboração de pauta deve ser individual, já que precisam considerar também as especificidades de cada grupo de formação.

Essa questão é bastante importante nas situações de aprendizagens, seja dos alunos, dos professores ou mesmo das coordenadoras. Sabemos que a produção em parceria é fundamental, pois, dentre outras coisas, permite a circulação de informação, fazendo com que todos possam aprender na troca. No entanto, é preciso lembrar que esse é um tipo de organização do grupo no trabalho de formação. Não é o único, justamente porque é preciso que todas enfrentem o desafio de usar o que aprenderam nas trocas tendo em vista os desafios específicos da unidade. É fundamental que tenham a oportunidade de realizar o planejamento sozinhas, mesmo que precisem da ajuda de vocês no primeiro momento. É ne cessário fazer adaptações nas pautas que atendam às demandas específicas de cada grupo.
(comentário de Débora Rana)

Apesar disso, a pauta tem seguido corretamente a proposta de resolução de problemas e conduzido as atividades de acordo com a proposta do Programa Além das Letras.

Encerramos o encontro com a avaliação, momento em que pudemos reafirmar que nosso objetivo foi atingido por meio de explicitação do que puderam aprender pelas avaliações das coordenadoras pedagógicas. “Ficou claro que os comportamentos são estabelecidos a partir do propósito”, explicou Angélica Arroio Quiqueto de Sousa.
“Entendemos a articulação entre propósito e comportamento”, afirmou Gláucia Aparecida Lopes.

É muito comum os professores entenderem que, para ler para seus alunos, basta ter algo que chamam de livrinho, assim que a rotina fica mais folgada, vão a ele e leem para os estudantes. Muitos acreditam que essa prática seja suficiente para formar leitores. O que este artigo traz é uma ideia muito diferente e contrária a isso. Aqui há uma defesa da leitura como um conteúdo que precisa ter um tempo diário definido na rotina, assim como um planejamento muito bem feito, com momentos de leitura detalhadamente planejados.

Até a escolha do livro passa por esse planejamento. Isso quer dizer que ler para os alunos é muito importante, mas não basta. É preciso que o professor tome essa leitura como algo a ser ensinado às crianças, ou seja, como um conteúdo.

Já havia comentado que a pauta fazia jus ao artigo, e agora acrescento que uma boa pauta já contribui em, pelo menos, 80% para que o encontro promova aprendizagens. Foi preciso colocá-las em diferentes lugares para falar sobre esses tempos da leitura para que conseguissem entender que não é um ritual, mas momentos significativos para as aprendizagens dos alunos. A interlocução do que pensavam com o texto e com os vídeos espalhou ideias, como diz Zilma de Morais11, o que tira o sujeito do lugar. Também foi muito bem realizado o resgate das sugestões espalhadas para chegarem à sistematização.

Concordo com vocês. Daqui para a frente, é tematização da prática. Seguimos para novos desafios! (comentário final de Débora Rana)

(Adriana Arroio e Sirlene Teixeira, formadoras locais da Secretaria Municipal de Educação de Tupã – SP e Débora Rana, consultora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo – SP)

1O programa Além das Letras é uma iniciativa do Instituto Avisa Lá e do Instituto Razão Social. É composto de uma premiação e de uma rede de formadores, que também conta com o apoio tecnológico da IBM, por meio da iniciativa Reinventando a Educação.

2O texto é parte do livro A companheira de viagem, de Fernando Sabino, da Ed. Record. Tel.: (21) 2585-2000. Site: www. record.com.br

3As crônicas de Nárnia, de Clive Staples Lewis. Ed. WMF Martins Fontes. Tel.: (11) 2167-9900. Site: www.wmfmartinsfontes.com.br/search.asp

4Perdas e ganhos, de Lya Luft, Ed. Record. Tel.: (21) 2585-2000. Site: www.record.com.br.

5Querido papai – Pai amigo e heroi, de Bradley Trevor Greive. Ed Sextante. Tel.: (21) 2538-4100. Site: www.esextante.com.br.

6Texto publicado na Revista Avisa lá, coluna Reflexões do Formador, pág. 37, no 26, de abril de 2006. Instituto Avisa Lá. Tel.: (11) 3032-5411. Site: www.avisala.org.br.

7Para saber mais sobre comportamento leitor e propósito leitor, consulte: Diálogos formativos, de Jane Padula, Maristela Salvador e Polyana Contarato. Texto publicado na Revista Avisa lá, no 38, de maio de 2009, na seção Formação nos Municípios, pág. 37. Instituto Avisa Lá. Tel.: (11) 3032 5411. Site: www.avisala.org.br.

8Ler para as crianças: O encantamento das palavras. Programa KidSmart no Brasil: São Paulo. Parceria IBM e Instituto Avisa Lá, 2002-2004. Disponível em: http://www.ibmcomunidade.com.br/kidsmart/listaLeituras.asp?codigo_idioma=3.

9Eu era um dragão, de Ana Maria Machado. Global Editora. Tel.: (11) 3277-7999. Site: www.globaleditora.com.br

10Texto publicado em 100 melhores crônicas, de Mário Prata. Ed. Cartaz/O Estado de S. Paulo. Tel.: (11) 3087-8888. Site: www.editoraplaneta.com.br

11Zilma de Moraes Ramos de Oliveira é pedagoga, doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, atualmente é professora associada da Universidade de São Paulo e autora de livros sobre formação de professores de Educação Infantil, entre outros assuntos.

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Formadoras locais Adriana e Sirlene

Ficha técnica

Programa: Além das Letras
Coordenadora: Beatriz Gouveia
E-mail: biagouveia@uol.com.br
Consultora: Débora Rana
E-mail: deborarana@ajato.com.br
Parceiro: Instituto Razão Social
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Desenvolvimento: Secretaria Municipal de Educação de Tupã – SP
Endereço: Avenida dos Universitários, 145 – Jardim Ipiranga – Tupã – SP. CEP 17607-220 – Tel.: (14) 3404- 3550, ramal 3558.
E-mail: seduc@tupa.sp.gov.br
Formadoras locais: Adriana Arroio e Sirlene Teixeira
E-mail: seducemei@tupa.sp.gov.br

Para saber mais

Livro

  • Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário, de Delia Lerner. Artmed. Tel.: 0800-703-3444. Site: www.artmed.com.br
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